A Nação da Destruição vive pela arte da guerra. A guerra decide tudo e tudo será determinado por ela: hierarquia social, sobrevivência da cultura, sistema de governo, economia e leis.
    Mesmo a guerra tem seus benefícios: controla a explosão populacional e organiza a sociedade. Todo o povo da Força da Destruição entende isso logo ao nascer. Seus corpos são preparados para a guerra desde o primeiro respirar. Comigo, obviamente não foi diferente.

    A Guerra da Separação foi um conflito que durou de 1977 até 2015. Um dos lados desejava se levantar contra a Força do Equilíbrio que mantinha o mundo da forma que era, enquanto o outro desejava manter o status quo. Com ideais basicamente opostos, é claro que uma guerra seria a resposta, assim como tudo naquela nação. 

    As batalhas alcançaram os subúrbios no sétimo ano. Demônios arrancando seus chifres. Pais guerreando contra seus filhos rebeldes. Vizinhos bombardeando e atirando uns contra os outros, sem remorso. Não era necessário sentir qualquer coisa assim, afinal.
    Minha casa era a favor do estado atual do mundo, mas o vizinho mais próximo concordava com expandir a influência da Destruição, logo, era natural que virássemos inimigos. Formou-se uma trincheira na rua larga, separando os lados. Eu também participei, é claro. Mesmo com 12 anos, a batalha já era comum para nós.

    — Aisaka, estamos ficando sem munição! Vai buscar nos fundos, rápido!! — foi o que o meu pai disse, enquanto simultaneamente descartava com raiva um rifle emperrado e preparava outro. Naquele ponto, minha mãe não passava de uma pilha de carne espalhada no chão.

    Eu assenti com a cabeça e prontamente fui para o fundo da casa, tremendo como uma inútil. Lembro-me das minhas bochechas arderem muito, mas não consigo dizer se era pelo cheiro de pólvora ou de tanto chorar.
    Estava nevando. A batalha não parava mesmo no ponto mais alto do inverno, já que para nós, demônios, o frio é irrelevante.
    Eu abri a porta dos fundos, achando a munição bem à mostra. Mas ao meu lado, estava a neve. Um branco puro, sem nenhuma mancha carmesim. Sem podridão. Sem guerra.

    Meu pai começou a esperar pela munição explosiva enquanto atirava as últimas balas. Um de seus chifres foi derrubado por um acerto, mas em compensação, acertou um disparo no peito do filho mais velho do vizinho, reduzindo-o a pedaços.

    Ele ficou esperando por mim, mas eu nunca voltei com a munição.
    Nunca voltei para aquela casa.
    Nunca mais.

    Da porta dos fundos para o bosque atrás da casa, eu corri e não olhei para trás.
    Eu não era ingênua; eu sabia o que iria acontecer caso eu não voltasse. Meu pai estava sozinho e o vizinho tinha mais duas pessoas com ele. O resultado era óbvio. E mesmo sabendo disso, eu fugi.

    Mas eu não fiz nada de errado. Não, claro que não. Em uma situação de ataque, é dever dos fortes restabelecer a ordem do Estado. Contanto que façam isso, a quantidade de fracos a serem mortos não importa, é como um preço justo a se pagar pela vitória. Portanto, cada um dos fracos têm que cuidar de si mesmo: ou se submete, ou foge. Caso não seja forte o bastante para lutar, deve apenas desistir. Essa é uma lei que de tão clara, não precisa estar nos papéis.

    Então, por quê…?

    Eu pedi para que você trouxesse as armas do Alucard, mas… se não voltasse, eu não iria culpá-lo ou amaldiçoá-lo.
    Então por quê? Por que você não fugiu?

    — Tia!!

    Aisaka olhou na direção da voz. Era o garoto arremessando uma das pistolas de bronze na direção dela. O invasor recuou alguns passos, sorrindo de volta, enquanto a capitã agarrou a arma. Ela não disse qualquer palavra, mas seus olhos carregavam culpa. Ignorando esse sentimento, ela atirou. Uma onda de energia púrpura percorreu toda a arma e liberou um raio de energia do mesmo tom.

    O raio de um metro de espessura atravessou completamente o corpo do invasor, mas nada aconteceu.

    — Mas, ué?! — Sora parou.

    — Ele é um fantasma, aposto que pelo menos isso você sabe o que é. Agora some daqui, garoto. Você já fez o que eu pedi!— Aisaka respondeu Sora, resmungando de dor logo em seguida.

    — Um modelo Raptor? Nikuma já possui armas canalizadoras de aura, como o esperado. Mas nós sabemos que elas gastam muita energia. São protótipos…essa deve ser uma das únicas, né?! — o caçador levou a mão direita até o compartimento nas costas e puxou duas cordas soltando mais dois arpões, segurando um em cada mão. 

    “Pelo tamanho do compartimento, imagino que ele tenha no máximo mais cinco desses arpões, mas essa não é a questão principal. A intangibilidade dele, por quanto tempo dura? E ainda sim, qual o seu Mabda? Mesmo com o meu controle gravitacional, os seus arpões não foram quebrados nos meus primeiros ataques”, Aisaka pensou. Em sua visão periférica, via Sora recuando em alguns passos e engolindo em seco. “Sora Akatsuki. Ele não passou pelo protocolo padrão de contenção de danos, tudo porque disse para Maki que seu poder era ‘reforçar a própria aura’. Todos os seres vivos reforçam aura quando vão se defender ou lutar, isso não é nenhum poder…”

    — Hum, esse menino estar aqui não importa. Não sinto nada vindo dele. Posso cuidar disso depois! — o oponente olhou por cima de Sora, com desdém. Logo, fez seu avanço para cima da capitã. Em resposta, Aisaka atirou mais um raio de energia que novamente atravessou o corpo etéreo, mas isso não o parou.

    O arpão na mão esquerda foi arremessado, visando a cabeça da capitã. A lâmina logo foi interceptada por outro tiro. O braço direito de Aisaka agora era o único funcional, mas ainda era o suficiente para lidar com uma ameaça daquelas. Atirou uma terceira vez e o raio de energia saiu da mesma forma, mas agora o alvo era outro. O raio não provocou nada no homem mas destruiu a sua arma, atirando os estilhaços para os dois lados. Alguns pequenos estilhaços perfuraram o peito da capitã, mas seu corpo não reagiu a isso. Dores como aquela jamais seriam o bastante para pará-la.

    Mudando o alvo da arma, Aisaka mirou e atirou no outro braço do adversário, explodindo o arpão da mão direita para trás dele, longe de seu alcance. O homem, dessa vez, arregalou os olhos e deu um salto se afastando por alguns metros. 

    A luta parecia estar chegando ao seu fim. Torso ferido por estilhaços, ombro perfurado e braço esquerdo inutilizado; esses eram os ferimentos de Aisaka. Fora o seu gasto imenso de energia. O cansaço tomava o seu corpo. O sangue que escorria do seu ombro e dos furos em seu peito vazava como também fazia a sua própria mana. Ela não conseguia sentir seus membros. Sua respiração, assim como seu pulso, estava totalmente desregulada. Seu coração batia no ritmo da morte.

    O invasor não tinha tantos ferimentos, apenas aquilo que ele julgou ser o necessário para servir de isca para o seu ataque surpresa. Ainda assim, ele não tinha imaginado que seria tão difícil se livrar daquela mulher como lhe fora ordenado. Mas mesmo um leão, quando muito ferido, cai em algum momento.

    “Eu não enxergo eles se movendo!”, era o que Sora conseguia expressar em seu pensamento. Seus olhos estavam presos na cena, enxergando, pouco-a-pouco, a vida escorrendo pelas feridas da mulher. O mesmo choque de antes lhe consumia. Sua respiração acelerou e seus pés começaram a perder as forças. Sua visão não mais focava muito bem. “Não, isso de novo não!”

    O sangue.
    A morte.

    Seu coração iria estourar a qualquer momento. O suor frio entrou nos seus olhos, obrigando-o a abaixar a cabeça e gemer de angústia. Aquela imagem. Não, não de novo aquela imagem. “Droga, pensa em outra coisa, Sora!”

    Confio em você.

    As palavras de Alucard. Como a neve, cobriram o chão da sua mente.

    Em meio ao sangue, elas foram o branco, sem mancha alguma.

    Sora rangeu os dentes e firmou as pernas. Seu tremor parou. Seu coração ainda batia no ritmo de uma dança descontrolada, mas ele precisava resistir. “Vamos, seu inútil! Foi você quem disse que não deixaria mais ninguém morrer!!” Por isso, voltou a fixar os olhos na cena.

    — Moleque, sai daqui… — Aisaka olhou de novo para o garoto. “Ele é idiota? Quer morrer, por acaso?!”

    — Hm, mal consegue ficar de pé! Posso cuidar de você tranquilamente depois. — O caçador olhou momentaneamente para Sora parado no canto de sua visão, o menino rangendo os dentes. 

    O caçador se aproximou da capitã caída, encostada em uma árvore. — Aisaka Nobléte, você merece ao menos saber o nome de quem ceifou sua vida. Me chamo Nero. — ele disse, tirando do seu compartimento um dos quatro últimos arpões e apontando para o alvo.

    “Então eu perdi, é…? Na verdade, isso é culpa minha”, foi o primeiro pensamento de Aisaka. “O inimigo meramente tem mais informações do que eu. Ele se preparou, calculou tudo e eu dei chance a ele, sem suspeitar de nada. Mas, mesmo assim…”

    Seu corpo não tinha mais forças para se curvar e pegar a katana que estava jogada à sua esquerda. Atirar mais uma vez tiraria todo o resto da sua energia e ainda seria inútil. Então, com o resto de energia que tinha, só tinha uma única coisa que poderia fazer.

    — Hm?! — Nero reagiu a onda de aura crescente da clareira vindo da capitã. Ele avançou com o arpão, mas não conseguiu terminar o ataque.

    — Haaaaah!! — a capitã bradou e o arpão foi ao chão, puxado pela gravidade aumentada assim que fora arremessado. Essa era a última coisa que ela podia fazer. Um último ataque, mesmo que fútil. O grito de fúria da capitã soou pelos arredores, forte o bastante para chacoalhar a copa das árvores. “Me desculpe, moleque. Por alguém como eu, você vai jogar a sua vida fora. E Alucard… me desculpe por sempre ter te dado tanto trabalho…”

    Numa última tentativa, os pensamentos afogados em culpa se misturaram ao bravado voraz.

    Abaixo do arpão despedaçado, uma cratera se abria enquanto ele era reduzido a migalhas, mas isso não afetava o seu portador. Nero estava de pé, seu corpo totalmente intangível, desprezando de cima os últimos esforços da capitã mais forte de Nikuma.
    Mas aquilo, o efeito do poder dela, estava durando demais. Um segundo, dois segundos, três segundos e contando?!
    A gravidade ainda estava sendo aumentada.

    “Mesmo que esse esforço seja em vão…” Ela sabia que, de fato, era. Mas essa também era a sua obrigação.

    Esse era o seu dever.

    — Haaaah!! — ela gritou. Seus chifres brilharam, sendo tomados pelas luzes do mesmo tom de seus olhos.

    A energia vinda do corpo da capitã se espalhou pela floresta como uma onda feroz, limpando o cenário. As árvores balançavam descontroladamente, como se um tufão fosse arrancá-las do chão a qualquer momento, tudo pelo grito da mulher. Ela era o próprio tufão. Uma força da natureza. Seus olhos estavam brilhando em púrpura, no máximo de seu poder, carregados, pesados, afiados. Os olhos de uma besta.

    Quatro segundos. Nero, pela primeira vez naquela luta, sentiu o perigo. Ela estava estendendo a duração da manipulação gravitacional ao máximo que conseguia para forçar o limite da intangibilidade do adversário. Era sua última aposta.

    “Ela é maluca?!”, o caçador pensou, arregalando os olhos.

    Nero saltou para o lado, saindo do alcance do efeito, safando-se. Sim, agora estava seguro. Podia ficar calmo.
    Aquilo foi um pouco perigoso, de fato, mas agora iria ficar tudo bem. Aquele fora o último ataque da capitã e ela não tinha mais força pra qualquer truque.
    Sim, ela não tinha, mas o erro do assassino foi esquecer que Aisaka não era a única ali.

    — Cinco segundos!! — bradou o garoto de cabelo branco, com suas duas mãos segurando a outra arma de Alucard levantada na altura dos seus ombros. Os seus olhos azuis, determinados, alinhados com a ponta da arma.

    E ele atirou.

    — Mas que po-?! — Nero não teve tempo para uma resposta à altura. Cinco segundos. Esse era o tempo máximo que podia manter a sua intangibilidade. E para ativá-la de novo, só depois de mais cinco segundos.

    Um grande raio de energia branca foi disparado do cano da pistola. Com um metro de espessura, o impulso fez o garoto soltar a arma e jogar o seu corpo para trás, batendo contra uma árvore e tossindo, mas assim também aconteceu com o invasor. O raio atingiu Nero em cheio, lançando-o a vários metros de distância, por dentre as árvores onde não podia mais ser visto, quebrando tudo que suas costas encontravam no caminho.

    Aisaka desligou seu poder assim que ouviu o disparo. Seu olhar cansado voltou para Sora caído na árvore. Era um olhar de espanto.

    — Você… “Durante todo esse tempo, ele estava observando e contando todas as vezes em que o oponente evitava meus golpes para decifrar o tempo limite de intangibilidade… “

    — Tia! — Sora se levantou com uma mão nas costas, reclamando de dor.

    — Não, moleque, vai lo— ela não pôde terminar sua frase. Suas palavras foram cortadas no meio pelo repentino abraço do menino. Ele não se importou com o sangue que escorria até o chão. Era muito imprudente abraçar alguém tão ferido assim, mas ele não pensou nisso.

    — Desculpa, tia! Você ficou assim por minha causa!! — ele se pôs a chorar como uma criança. Aisaka não tinha reação, mas o que veio à sua mente foi uma memória: o choro de uma menina abraçando o corpo desfalecido da mãe que acabara de morrer protegendo-a de um tiro. E depois, o pai que a puxou para retomar o combate.

    A capitã demorou para processar. Por um instante, seus olhos fraquejaram e sentiu alguma coisa escorrendo deles. Não era para ela ter mais forças no braço direito, mas de alguma forma, ela o levantou e sem responder nada, abraçou o garoto de volta, fechando seus olhos.

    “Você tem razão, Alucard. Eu era como ele antigamente”, ela pensou e então, sorriu.

    — Mas que ódio! Maldito, você só ficou parado olhando e eu achando que tava se borrando de medo!! — A voz do assassino falou de novo. Ele saiu do meio das árvores quebradas que formavam um caminho reto. Seu torso estava queimado, à carne-viva. Sangue escorria do seu corpo e de sua boca e manchava o chão. — Seu pirralho de merda!!!

    Sora limpou as lágrimas e firmou os dentes. Não adiantou muito, ainda estava chorando. Com os olhos fixos no inimigo, ele se levantou e abriu bem os braços, ficando na frente de Aisaka. A capitã conseguia enxergar melhor do que ninguém o quão trêmulos estavam aqueles braços que tanto queriam mostrar coragem.

    — Garoto, o que pensa que tá fazendo?! — a capitã gritou, tentando se levantar, mas não tinha mais qualquer energia. Mesmo gritar já exigia demais. — Você não tem…!

    — Não precisa falar, tia. Eu sei. Eu não tenho poder não. Bem que meu irmão dizia que eu não sabia mentir. Mas você é legal e descolada, tia. Por isso, não quero deixar você morrer! — o garoto disse com um sorriso coberto por nervosismo no rosto, de costas pra mulher.

    Aquela foi provavelmente a resposta mais idiota que Aisaka ouvira na vida.

    Nero se lançou para cima dos dois. Carregava consigo o último dos seus arpões – os outros dois foram destruídos com o disparo de antes.
    O arpão era como uma lança. O mesmo tipo de arpão que perfurou completamente a pele de um vampiro e de um demônio. Frente a isso, a pele do garoto não era mais resistente para ela do que um papel.
    Aisaka gritou o nome dele, Sora.
    A lança da morte voou para cima do menino junto do corpo do assassino e atravessou.

    — Não, você!! — o fantasma resmungou em descrença.

    O arpão atravessou apenas um manto vermelho e nada mais. A mão que surgira do manto interceptou a arma. Era grossa e o resto do corpo a qual pertencia se manifestou a partir da roupa na frente de Sora. Era ele, o vampiro do sobretudo vermelho com o rosto preenchido por seriedade, os olhos brilhando em fúria.

    — Sora! Você tem o meu respeito! — Alucard sacou as duas pistolas que pegou do chão e as apontou para o alvo que rapidamente largou o arpão e se afastou. — Agora, eu tomo conta!!

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