Capítulo 4 — Um arrombado determinista
Antes de ser uma integrante da Mão Sombria, Hinoka era uma aprendiz em potencial das Sombras Caminhantes, uma das várias organizações secretas da família Shirokage. Diferentemente do que se esperava de um dos milhares de órfãos espalhados pelo território do Santo Império, ela demonstrou uma aptidão natural para aprender as técnicas de assassinato que foram ensinadas a ela.
O que estava se encaminhando para um futuro promissor, se transformou em um problema quando a garota matou um dos rapazes que assediavam sua melhor amiga, Akae, em uma bela manhã de sol. Ao meio-dia, foi descoberto que a “vítima” era um membro sanguíneo do clã. Ao entardecer, Hinoka fugia junto com Akae pelos becos de Ayuru, tentando evitar os ninjas que surgiam em cada esquina para capturá-las.
Quando suas opções ficaram escassas, ela recebeu uma proposta de um grupo de bandidos para usar todo o potencial das suas habilidades, sendo muito bem recompensada por isso. A princípio, era óbvio que ela estaria se envolvendo com problemas muito maiores. Porém, era quase impossível fugir do alcance dos Shirokage e ter uma vida normal.
Ao render sua lâmina para a Mão Sombria, Hinoka usou todas as suas habilidades ao máximo. Assassinato, furtividade, infiltração, apenas com o propósito de lucrar, não se importando com quem era o alvo. Seu único objetivo era manter ela e Akae devidamente escondidos dos Shirokage, sobrevivendo a qualquer custo, não hesitando em matar qualquer um que estivesse em seu caminho para isso.
Mas naquele momento, a determinação de Hinoka tremia ao ver aquele homem encarando como um leão encara uma presa acuada.
— Não é engraçado? Pensar que estamos bem aqui, apostando nossas vidas um contra o outro, sendo que não tem nem quinze minutos que nos conhecemos! Eu não lembro de ter feito nada contra você e não lembro de você ter feito nada contra mim, mas ainda assim, aqui estamos! Isso nem faz sentido! — disse Hinoka, se levantando.
Huan Shen olhou para as suas palmas, que estavam com queimaduras de segundo grau. Elas ardiam bastante e precisavam de tratamento urgente, mas agora não era a hora. Ele sacou sua faca e assumiu postura de combate.
— Isso faz sentido. O universo é determinístico, tudo é causa e efeito. A pedra rola porque foi empurrada. Se estamos aqui, é porque foi um produto das suas ações e das minhas também, assim como as miríades de outros fatores. Não há livre-arbítrio. Toda a vida, com seu aparente caos, são apenas uma manifestação das linhas ordenadas invisíveis da existência. Prescrita, ordenada.
O emissário olhou para a sua faca. Uma lâmina de combate moderna, equipamento de primeira linha. Se contassem a cerca de duzentos anos que as espadas, alabardas e marretas seriam substituídas por um equipamento tão pequeno e desprezado, provavelmente dariam risada.
Mas essa faca tinha muito mais tecnologia do que as armas usadas no passado. A lâmina era de aço inoxidável, completamente balanceada e com cerca de vinte centímetros. Seu desgaste era lento e a retenção do fio era alta, graças ao material. A lâmina no estilo “ponto de clipe”, perfeita para perfuração. Sua empunhadura era antiderrapante, de fibra de vidro, impedindo que o suor e a sujeira lhe fizessem perder a empunhadura.
— Suas decisões nesse momento foram resultados de algo anterior, que foram resultados de outros fatores mais anteriores ainda. No final do dia, Causa e Efeito. Escrito, prescrito e coordenado. Não tem nada o que pensar: você só poderia ter feito o que acabou de fazer.
Hinoka ficou alguns segundos em silêncio. Já não bastava ele ter acabado com todo o seu trabalho, mas agora estava tirando sua agência nas próprias decisões. Tudo que conseguia sentir era um misto de raiva, decepção, frustração e confusão. Esse conjunto de sentimentos culminou em uma reação confusa. Uma risada.
— Já não bastava ser um assassino, agora é um estudioso também? — respondeu Hinoka, rindo. — Quero ver se você vai ficar falando tanto assim que eu cortar o seu pescoço!
Com sua arma em mãos, a mulher girou a esfera pela corrente, acumulando momentum nela. O emissário não podia se aproximar, pois a velocidade daquilo iria facilmente quebrar seus ossos. Ele também não poderia arremessar sua adaga, pois caso errasse, ficaria difícil bloquear a lâmina. Tudo que poderia fazer era esperar.
De repente, a esfera superaquecida voou em sua direção e não havia tempo para se esquivar. Usando o cabo da faca, ele usou toda sua força para dar um contragolpe na esfera. O impacto foi tão denso que o choque deslocou seu pulso e diversos ossos de sua mão.
“QUE DOR DO CARALHO! AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!”
Por um instante, sua pupila se arregalou devido a dor intensa, mas como não podia mostrar fragilidade contra um inimigo mortal, manteve sua expressão agressiva. Sua mão direita fragilizada soltou a lâmina imediatamente, além de perder toda sua força. Aquela era uma oportunidade de ouro para Hinoka. Soltando a corrente da sua foice, ela avançou contra o emissário e saltou em sua direção, com a lâmina erguida sobre a cabeça.
Huan Shen, ao perceber isso, inclinou seu corpo e usou sua mão esquerda para segurar a mão dela que portava a foice. Embora não fosse difícil impor sua força contra a dela, havia outro fator para se preocupar. Ela tinha outra mão livre.
Sacando uma agulha de arremesso, ela a cravou profundamente na costela do emissário.
“MERDAAAAAAAAAAA!! Calma, nada de desespero…mas PUTA QUE PARIU TÁ DOENDO PRA CARALHOOOOOO!”
Segurando a dor ao máximo que podia, Huan Shen usou sua força do braço esquerdo e a arremessou por cima do seu ombro. Hinoka, sabendo que não poderia contestar, deixou ser levada, mas esse era o seu plano o tempo todo.
Enquanto seu corpo era erguido, ela prendeu suas pernas no tórax machucado dele enquanto estava em suas costas. Suas pernas se cruzaram como um nó. Agora, ela estava em uma posição em que os braços do seu oponente não poderiam alcançá-la plenamente.
— Por essa você não esperava, né? Gigante filho da puta! — sussurrou Hinoka.
Com seu braço esquerdo, ela cruzou o pescoço do seu oponente e segurou no cabo da sua foice, aumentando ainda mais a potência. Seu braço direito ainda estava sendo contido por Huan Shen, então ela usou as duas mãos para forçar a lâmina contra ele.
“Que merda de recepção nessa merda de lugar!”
Com o braço direito imobilizado, sua mão esquerda era tudo que tinha entre ele e uma foice superaquecida pronta para atravessar seu crânio. Mesmo que fosse muito mais forte fisicamente que sua oponente, as pernas dela estavam atacando sua ferida no tórax e a dor do seu membro quebrado era desconcertante ao extremo.
— Eu vou te matar, depois vou matar todos ali dentro da caravana e eu quero que tudo se foda! Você não deveria ter vindo aqui, seu merda! — disse Hinoka, no ouvido do emissário.
A lâmina estava a menos de três dedos de distância do nariz dele. Seu pulso estava quase cedendo e não havia indício nenhum de que a mulher iria ceder. A cada segundo, a morte estava cada vez mais próxima.
“Merda…eu não queria ter que recorrer a isso, mas eu vou morrer se não fizer!”
O emissário fechou os olhos e respirou fundo lentamente, ignorando a dor, o desconforto, o ambiente e tudo que tinha ao redor. Na escuridão, um pequeno brilho surgiu. Uma voz etérea, assombrosa e sussurrante ecoou em sua cabeça.
Você ainda não tem a determinação necessária para ter suas habilidades de volta.
“Eu sei, mas não pode ceder dessa vez? Eu meio que posso morrer aqui.”
Então a novel acaba e todo mundo sai feliz!
“Vai se foder!”
Mas você não é tão confiante nas suas habilidades, Grey? Você não tinha selado todas as suas habilidades em mim porque era “melhor” do que seu antigo eu? Talvez você só precise encontrar a força interior e o poder da amizade dentro de você.
“Porra, aqueles eram outros tempos! Você sabia como eu estava me sentindo, que eu precisava parar!”
Tudo ladainha de um homem triste. Não quero ter que ficar te escutando enquanto chora AINDA mais do que eu já fico. Quer ajuda? Eu te ajudo. Mas só pelo fato de ser você, irei cobrar um pagamento.
“Pagamento? Você é a porra de um espírito, o que você quer? Um ticket alimentação?”
Você e seu senso de humor duvidoso, Grey. Eu não quero um ticket alimentação. Você poderia ter me oferecido isso em outras ocasiões. O que eu quero é me lembrar dos seus tempos como um Lança Fractal na época da Guerra Civil no Palácio Congelado. Não essa versão sua moralista, mas sim sua versão raiz. A versão que forçava os rebeldes a dobrarem as vigílias noturnas, porque os comandantes tremiam de medo sonhando que você poderia aparecer lá para cortar suas cabeças na frente dos seus filhos.
“Por que você está fazendo isso? Todas essas mortes não foram o bastante para você?”
Não é a mesma coisa. Você matou eles tão rápido que nem teve graça. Mesmo sendo assassinos e traficantes de pessoas, ainda teve misericórdia em não deixá-los sofrer por muito tempo. Isso aí é lacração! Eu quero que você ofereça essa mulher como uma oferenda para mim. Quero que a faça sentir dor, ver a luz dos seus olhos sumirem, quero que a faça se arrepender de ter pecado. Salvação só vem com penitência. Prometa que fará isso e eu te devolverei seus poderes. Me entretenha!
“Não entendo como uma fada consegue ser mais perversa que os demônios.”
E quem disse que isso é problema meu? Você recebe pelo que pagou. Sem garantia, comprou porque quis! Agora que já entendeu o que eu quero, confio que você fará a coisa certa.
De repente, os olhos azuis do emissário estavam emitindo uma luz azulada. Sua boca emitia um vapor frígido e as veias dos seus braços ficaram azuladas. A mão que segurava a agressividade latente de Hinoka começou a formar cristais de gelo.
Os cristais na sua mão se espalharam rapidamente. Eles percorreram seus dedos até alcançarem a mão de Hinoka, que se assustou com o frio estranho que estava sentindo.
De repente, sua foice estava se esfriando a uma velocidade tremenda. Ela pensou que poderia ser algum problema com a energia da sua arma, mas ela nunca se esfriaria rapidamente desse jeito. A mulher olhou sobre o ombro dele e se assustou ao ver sua arma completamente coberta por uma densa camada de gelo.
— Que porra é essa?
A energia frígida se espalhava pelo seu corpo através de suas veias. Os cristais de gelo em sua mão se fundiam com sua pele, tornando-a azulada como a superfície de uma geleira. Hinoka sentia sua pele rasgar, conforme os tecidos da sua mão eram congelados. Assim que seu pulso fraquejou, ele não perdeu a chance.
Aproveitando o máximo possível da sua flexibilidade, Huan Shen acertou uma cotovelada poderosa no rosto de Hinoka. Todo seu lado esquerdo ficou imediatamente vermelho e seu nariz sangrou, deixando-a atordoada. Então, agarrando-se novamente ao seu braço direito, ele a arremessou sobre seu ombro, derrubando-a no chão.
— Fique no chão! — disse Huan Shen, colocando seu pulso deslocado no lugar. — Vai doer menos.
Com uma fratura na costela, nariz quebrado e uma concussão, ela tentou se apoiar nos próprios cotovelos para se levantar. Não houve um momento em que Hinoka se arrependesse tanto por ter tomado uma decisão.
— Deuses, você tem poderes também? Então isso foi uma batalha perdida desde o início, né? — disse ela, limpando o sangue do nariz.
Huan Shen olhou o seu punho completamente congelado. Era estranho ver músculos, tecido, veias e articulações formadas por gelo e serem tão maleáveis, ao mesmo tempo tão resistentes, daquele jeito. O Desconhecido era realmente algo além da explicação científica.
— Não há necessidade em se culpar por isso. Você só poderia ter feito o que acabou de fazer. Nem mais, nem menos.
A dor física que Hinoka sentia não era comparada à dor que sentia em se lembrar do que perderia caso fosse derrotada. Akae estava presa no alçapão aguardando o seu retorno em segurança, ela mal poderia imaginar como sua amiga ficaria caso caísse nas mãos do monstro que estava na sua frente. Tudo que ela teve que sacrificar, todas as coisas ruins que fez, tudo isso deveria ser pago no futuro. Seria esse homem o resultado de todo seu karma ruim acumulado?
— Eu não vou morrer nos seus termos! — respondeu Hinoka, com um sorriso no rosto.
Se tivesse que desafiar o seu destino, ela apostaria tudo que tinha. Foi como viveu toda sua vida. Dentro da sua jaqueta, uma granada incendiária de emergência tinha sobrado. Seu alvo estava próximo e o alcance era perfeito para ele não conseguir se esquivar.
— Não faça isso. É sério, não vai acabar bem — disse Huan Shen, soltando vapor pela boca. — Qualquer coisa que você esteja escondendo aí na sua jaqueta, não vai funcionar-
Desesperada, Hinoka puxou o pino e arremessou na direção do emissário, que graças ao seus bons reflexos, segurou a granada na altura do seu ombro. A mulher deu um sorriso, pois tinha alterado o tempo de detonação para quatro segundos. Tempo o suficiente para no mínimo cegá-lo com o brilho.
Mas as coisas não aconteceram da forma como ela queria.
Quando a detonação ocorreu, um som abafado e seco ecoou no acampamento. A carcaça da granada estava completamente violada por vários cristais de gelo, espalhando estilhaços por todo lugar. Uma fumaça tímida saía do que sobrou da granada. Não havia brilho, não havia chamas, nada. Hinoka estava horrorizada com tamanho poder na sua frente. Desde o início, ela nunca teve chances.
— Eu tenho que cair fora daqui. Foda-se a Mão Sombria, foda-se tudo! Eu tenho que pegar a Akae e fugir — murmurou ela.
As chamas que a mesma acendeu para cercá-lo já tinham diminuído consideravelmente. Era a sua única janela de escape a ela não deixaria escapar. Tomando impulso, ela se projetou em direção a barraca, tentando correr o mais rápido possível.
Mas ele não iria deixar isso acontecer. Usando a sua altura e envergadura superiores, ele saltou na direção da perna dela, agarrando-a e puxando para si, gerando a queda de ambos no chão. Huan Shen se recuperou rapidamente, arrastando-a pela perna até si. A mulher se debateu, tentando chutar seu rosto de todas as formas possíveis.
— Me solta agora, seu filho da puta! — gritou ela, desesperada.
Com sua outra mão, ele alcançou a corrente quebrada da kusarigama dela e a enrolou no próprio braço. Hinoka tentou alcançar sua foice, mas foi arrastada mais uma vez na direção dele. Quando tentou levantar, sentiu o peso do joelho dele em sua coluna vertebral, pressionando-a contra o chão.
— Eu juro que vou te matar! Eu juro que vou se você encostar um dedo nela!
Aos poucos, Hinoka sabia que não teria como fugir daquilo. A força, a técnica, os poderes, tudo que ele tinha era vastamente superior ao que possuía. Era uma derrota completa, tanto fisicamente quanto em seu ego. Seu corpo tremia pensando no que ele poderia fazer com sua melhor amiga, que estava completamente indefesa dentro da barraca, sem saber o que estava acontecendo.
De repente, algo começou a envolver o seu pescoço. A corrente que passou tantos anos polindo, lubrificando e preservando, agora estava prestes a matá-la. Hinoka tentou conseguir uma folga na corrente, enquanto ficava mais difícil de respirar. Mas aquilo era impossível.
Huan Shen segurava a corrente com firmeza, prendendo os dois lados da corrente como uma coleira perversa no pescoço da mulher, que se debatia violentamente por qualquer fração de oxigênio. Sua postura era austera, imóvel e decidida. Não havia um pingo de misericórdia naqueles olhos azuis brilhantes. Apenas a frieza de um ceifador.
Suas mãos congeladas transmitiam a energia frígida através da corrente, que formava cristais de gelo através de sua extensão. Como se não bastasse o sufocamento, Hinoka tinha seu pescoço perfurado por centenas de agulhas minúsculas, que rasgavam sua pele, seus músculos e suas veias. O gelo também congelava sua pele, causando ferimentos horrendos de congelamento na região.
Lágrimas cairam dos olhos da mulher, mas foram congeladas imediatamente. Sua visão ficava embaçada e sua boca não salivava mais por causa do frio extremo. Em questão de segundos, seu rosto estava completamente sem uma gota de líquido. Então, a consciência de Hinoka se apagou para sempre.
“Ela morreu…deuses, que morte horrível!”
Horrorizado, Huan Shen soltou a corrente e rastejou para trás, olhando a expressão de horror no rosto da sua vítima. Embora Hinoka fosse uma pessoa monstruosa e que merecesse a morte, não o alegrava a ideia de trazer tamanho horror para alguém. Aos poucos, a energia frígida em seu corpo se dissipava, devolvendo seus punhos a sua forma normal. Ele olhou para as suas mãos mais uma vez, com um semblante pesaroso.
— No final, eu só pude fazer o que eu fiz…
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