Capítulo 5 — Parece que temos alguma coisa sendo preparada aqui...
Aquele dia estava sendo catastrófico para Akae. Todos os dias com os saqueadores da Mão Sombria eram repletos de medo. Aqueles homens eram como animais selvagens prestes a atacá-la no instante que Hinoka demonstrasse o menor sinal de fraqueza. Graças a sua melhor amiga, conseguiu ficar segura no meio de tantos lobos famintos.
Tudo isso até a aparição desse homem.
Em um momento, Hinoka prometia que iria voltar após resolver tudo. Cinco minutos depois, ela residia fora do alçapão que foi escondida, sendo amarrada e presa na base da barraca por aquele gigante frio e assassino. Toda sua vida estava acabada ali. A liberdade, a nova vida, a promessa de um futuro no meio de toda aquela merda, tinham sido esmagadas por aquelas mãos frias.
— Não me olha desse jeito. Você não vai conquistar nenhum objetivo com isso — disse Huan Shen, realizando mais um nó na corda que a prendia.
Como suas mãos estavam sendo presas, ela tentava limpar as lágrimas na sua blusa.
— O que você vai fazer comigo? — perguntou ela, com a voz embargada.
— Irei te entregar na Central da Polícia Imperial de Santa Marília. Eles devem fazer algumas perguntas, contatar os Shirokage e a partir daí eu não consigo imaginar qual o seu destino.
A garota soluçou, enquanto chorava copiosamente.
— Eles vão me exonerar e vão me matar!
Huan Shen respirou fundo. Ele já tinha dado o último nó que a prendia na base da barraca. Havia ainda uma folga considerável, afinal seria ruim se ela ficasse muito desconfortável.
— Costuma acontecer com quem trai os princípios da família e se alia com traficantes de pessoas. Já parou para pensar que, se levarmos em consideração todas as equações e possíveis resultados, as chances de alguém como “eu” ou coisa pior acontecer eram grandes? Você sequer tem noção da gravidade do crime que estava cometendo?
Akae rangeu os dentes.
— EU NÃO SEQUESTREI NINGUÉM, PORRA! Eu nunca tive que roubar, matar, nada do tipo! Eu só cuidava da Hinoka!
— Você ainda é cúmplice. E como nenhuma das pessoas que realmente fizeram tudo isso estará lá para te defender, você estará na linha de fogo por conta própria.
O silêncio tomou conta da voz de Akae. Ela seria considerada culpada por tudo aquilo, mesmo não tendo feito nada? O que aconteceria com ela na prisão? O que os Shirokage fariam com ela? Será que um dia o sol iria nascer com ela pendurada em um lençol e um “suposto” bilhete suicida, que era muito comum com os inimigos do clã? A garota se encolheu sem falar nada, apenas encarando o vazio e pensando no pior.
— Mais tarde eu trarei algo para você comer. E não tente fazer nenhuma besteira, como tentar fugir ou cometer suicídio. Você não tem coragem para nenhum dos dois e no final terminará o dia trancada naquele alçapão.
Huan Shen estava prestes a sair da barraca, quando algumas palavras saíram da boca de Akae.
— Eu prometo por tudo que é mais sagrado, eu irei me vingar do que você fez hoje! Pela Hinoka!
— A desilusão é sua — respondeu ele, fechando a barraca.
Agora que tinha resolvido todas as pontas soltas que estavam no acampamento, Huan Shen olhou em seu relógio. Dezoito horas. Oficialmente, era considerada noite a partir das dezoito e trinta. A Selva de Concreto tinha regras tão malucas que qualquer forma de racionalizá-la seria contraprodutivo. Colocando um pano no rosto, ele começou a tarefa árdua de remover todos os corpos do acampamento.
“Na falta de halteres, eles vão servir!”
Eram cerca de treze corpos, pois dois deles já estavam do lado de fora. Como não tinha muito tempo, ele os arrastava até uma árvore próxima e os despejava por lá. Sempre revistava os bolsos, à procura de qualquer coisa que pudesse ser útil posteriormente. Afinal, homens mortos não têm posses.
“Não deveriam, mas tem alguns que não desapegam mesmo quando morrem.”
Hinoka foi o último cadáver que ele descartou. Ao revistá-la, encontrou algumas cédulas com cerca de trezentos draconis e um bilhete, escrito:
Esteja fora da Selva de Concreto no dia 23. Importância extrema! – M
Olhando seu relógio de pulso, viu que o dia era 22. O que indicava que Hinoka estava planejando se mover pela manhã cedo. O que formou uma certa confusão na cabeça do emissário.
“Pera, porque ela tinha que sair com tanta urgência? Seria algo que aconteceria lá ou aqui?”
Vendo que ainda tinha tempo, Huan Shen aproveitou para caminhar entre as árvores da Selva de Concreto. Tudo naquele lugar parecia propositalmente confuso, como se estivesse o tempo todo tentando de manter ali dentro. Ele se ajoelhou e pegou um punhado de terra na mão, esfregando-o e sentindo o seu aroma.
“Terra cinza, quase branca. A concentração de enxofre aqui é absurda!”
As árvores tinham seus troncos cinzas e retorcidos. Apesar da sua folhagem verde-escura, quando as folhas envelheciam, elas assumiam em um tom escarlate, em vez do tradicional marrom. Os sons eram difusos naquela área, reverberando em todo o espaço e tornando quase impossível detectar sua origem. A única coisa confiável era a sua memória e determinação em sair dali.
Andando mais um pouco, algo peculiar chamou sua atenção. Em uma das árvores, um símbolo formado por traços cruzados e feitos por uma faca residia cravado em seu tronco. O emissário se aproximou, tocando em sua borda. Então, a ponta dos seus dedos escureceram rapidamente, como se estivessem sido pintadas por carvão.
“Isso está em Ogam… mas o que uma língua druídica faz nesse lugar? Os druidas não tinham sido extintos? Ainda mais depois da Recessão Arcana? Uma caralhada de usuários de magia foram extintos, pra ser mais exato.”
Embora suas aulas de história sempre estivessem vívidas na sua mente, principalmente as que envolviam a Recessão Arcana, sabia que o fato da magia ter se tornado algo raro, não o tornava extinto. Inclusive, pessoas como ele eram necessárias para lidar com essas circunstâncias quando ninguém mais poderia.
Huan Shen sentiu a presença de magia antiga presente nas árvores, o que era incomum. Apesar daquele lugar ser amaldiçoado, as manifestações da magia surgiam como deformações, sejam espaciais, temporais, físicas ou até mesmo espirituais. Como deformações, não deveriam seguir nenhum padrão tão ordenado como a magia presente em um idioma druídico. Isso só poderia determinar uma coisa:
“Tem mais alguém aqui nas profundezas da Selva de Concreto. Alguém que está usando magia para permanecer aqui…”
Se havia uma coisa que ele tinha certeza sobre aquele lugar, era que ninguém que adentrava suas profundezas por conta própria tinha boas intenções. Não em um lugar amaldiçoado por um deus maligno.
— Hora de voltar, tá ficando tarde.
De volta ao acampamento, o emissário fechou os portões do acampamento e barricou a saída. Dentro de uma caixa de madeira presa em uma das toras, ele ligou o interruptor, acendendo todos os emissores que rodeavam aquela fortaleza improvisada. A luz era amarelada e intensa, tornando os arredores devidamente iluminados. Mas a sua real funcionalidade era como a frequência emitida por eles distorcia a luz que iluminava a área, gerando uma reação nas sinapses de criaturas não-humanas que instintivamente as afastavam daquela área.
Quando soltou o interruptor, algo chamou sua atenção. Ele não sabia ao certo, mas sentia que havia algo errado ali dentro. Como se algo que não deveria, tivesse acabado de passar. O emissário deu uma volta por dentro do acampamento, olhou dentro da barraca e até olhou o alçapão, mas não achou nada estranho ao redor.
Huan Shen fez uns segundos de silêncio, parando para escutar os arredores. O vento corria livremente entre as copas das árvores, formando um assovio sinistro. O que antes era apenas o som das folhas farfalhando, se tornaram grunhidos, passos pesados e sons de criaturas rastejantes. A forma como os sons estavam tão próximos o deixava ansioso, como se esperasse um ataque iminente. Tudo que pôde fazer foi respirar fundo e seguir seu objetivo.
— Acho que agora é uma boa hora de tirar aquele pessoal da carroça.
Enquanto Huan Shen seguia em direção à carroça, Akae residia amarrada dentro da barraca, em silêncio. Seus olhos já estavam vermelhos, sem mais lágrimas para derramar. Doía ainda mais pensar que sua melhor amiga tinha sido descartada dentro da Selva como se fosse alguma espécie de lixo. Nem mesmo um funeral adequado teve direito de ter. Tudo que conseguia pensar era no seu ressentimento, mesmo que levasse toda a sua vida para realizá-lo. Custe o que custar.
O que ela não sabia era que tinha algo ali dentro de olho naquela quantidade enorme de ressentimento. Algo maligno, preparado para atacar quando fosse o momento mais oportuno.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.