Índice de Capítulo

    Quando as patas dos cavalos tocaram a Capital novamente, Dante apenas tomou fôlego vendo os dois prisioneiros sendo postos dentro de uma carroça de ferro blindada e trancafiados. Ambos o encaravam, não com raiva, mas com questionamentos. O olhar confuso era visível, mas Dante não tinha nenhuma resposta e nem mesmo pergunta para eles.

    Sua função era outra. Aguardar Dalia retornar. Apenas isso.

    — Oh, caro Dante. Chegou cedo, hein.

    Luigi vinha de braços abertos, lhe dando um grande abraço. Nem tinha falado muito com ele da última vez, por que ele tinha tanta intimidade assim?

    — Eu soube que capturaram uns arruaceiros lá fora. — Luigi tomou as rédeas de Deco, o levando de volta ao estábulo. — Sempre digo isso aos mais novos. ‘Não se metam em encrenca’, ‘não fiquem fazendo besteiras’, mas eles nunca me escutam. E tem os merdinhas, é sempre um saco ficar vendo eles indo e vindo.

    Dante aceitou um cantil de água de Luigi e recostou em uma das portinholas dos cavalos. Se refrescou, e encarou ao redor.

    — Nada de novo sob o sol. — E olhou pro céu. Deviam ser quase 15 horas. Dalia e os outros deviam estar chegando naquele momento para pegar os cristais. — Luigi, posso ficar por aqui a tarde? Não quero voltar para o Hospedeiro agora.

    — Claro, claro. Você é um amigo da casa. — Luigi abanou a mão, o chamando. — Vem, eu tenho algumas frutas.

    Dante o seguiu. Por trás do estábulo, uma casinha de madeira se erguia. Era pequeno, no máximo quatro cômodos com três metros quadrados, mas para Luigi, era imensa. Ele entrou e pegou a fruteira. Uma mesa tinha sido posta para os dois, e sentaram.

    — Pode pegar qualquer um, eu ganhei hoje da Coleta.

    A maçã era bem vermelha, e parecia que tinha sido colhida há pouco tempo. Dante tomou para si e cortou com uma faca. As tiras foram postas em um prato e ele empurrou para Luigi. Eles comeram algumas fatias e outra maçã foi descascada.

    O clima no estábulo não era tão ruim. Era quieto, não tinha tanta gente passando, e quando olhava para os lados, podia ver a muralha e o portão bem de perto. Era bem tranquilo quando comparado com o centro da Capital.

    Ali, Dante pelo menos podia pensar.

    — Parece meio cansado também. Tem que se cuidar mais, Dante. Na nossa idade, a gente tem que fazer menos esforço do que os jovens. Olha lá pra eles.

    No portão, um grupo de soldados caminhava arrastando um javali abatido a flechadas. A caça era regulada, mas precisaram de mais dez para aquilo? Eu caçava alces sozinho. Que glória é essa de pegar um javali e magro ainda?

    — Nos seus dias de glória — disse Luigi —, você já conseguiu salvar alguém?

    — Nunca fui de estar perto das pessoas. — Dante voltou a morder a fruta. — Gostava de ficar com meus pais. Treinava bastante e depois descansava. Eles me deram essa comodidade para eu vir para a Capital.

    — Nossa. E por que demorou tanto? — A cara de Luigi era de curiosidade, não de julgamento. — Se tivesse vindo uns anos mais cedo, talvez estaria até num posto mais avançado por causa da idade. Tem muita gente que se aposenta aqui na Capital e começa a viver mais tranquilamente. Eu mesmo fiquei com o estábulo. Olha ai, isso tudo é meu.

    Era um bom lugar, realmente. Dante concordou com ele.

    — E vai ser melhor ainda se me deixar tirar um cochilo na sua casa. Minhas costas estão doendo.

    — Claro, claro. Tenho um quarto sobrando.

    I

    Capitão Hermes tomou o relatório dado por Rutteo. Ele passou os olhos vagamente por cima, e concordou entregando para o Tenente ao seu lado. Micael era o seu atual escudeiro, mesmo sendo um Tenente, sempre se mantinha ao seu lado, não importava o que houvesse. Rutteo achava hilário um homem como Micael, sendo tão inteligente e sábio não ter essa capacidade.

    Se levando em consideração que Rutteo não gostou de nenhum dos dois por conta do que fizeram anos atrás, poderia sequer pisar naquele antro de novo. O Acampamento era ainda melhor do que ficar com dois ratos que gostam de se acharem donos de batalhões.

    Com os braços jogados na cadeira e as pernas cruzadas, Rutteo se balançava para frente e para trás. Deu uma boa olhada ao redor, as prateleiras tinham sido reforçadas. Livros foram postos até o teto. E tinha uma Mesa de Guerra, Rutteo teve que levantar a cabeça para ver o que era. Mas bufou se desinteressando.

    Isso aqui pode mudar quantas vezes, ainda vai ter esses dois.

    — Está entediado, Oficial? — perguntou o Tenente Micael ainda lendo o relatório. — Posso arranjar um quarto até que nós o chamamos novamente.

    — Não tem problema, gosto do cheiro da arrogância daqui. — Rutteo puxou o ar todo pelo nariz e soltou. — É como estar em casa, mas você odiar a própria casa.

    — Sei que detesta estar aqui — disse Capitão Hermes carregando uma pena até o papiro. — Mas, a escolta de prisioneiros precisa que o Oficial com mais tempo no Acampamento esteja presente. E também, temos a responsabilidade de que os soldados e Recrutas também fiquem bem durante o trajeto.

    — Sei das regras, por isso não as questionei.

    Hermes o encarou com o rosto redondo. As bochechas gordas e lábios de porco. Rutteo tinha nojo dele só de olhar pra sua cara.

    — E o velhote que veio junto, o que sabe sobre ele? Soube que Dalia fez o máximo para deixar baixo o que ele pode fazer. Qual a dele?

    — Por que quer saber? Dalia já disse tudo que tinha para falar no relatório. E nem passei muito tempo com o velhote para saber quem ele é. Claro, ele gosta de comer frango bem passado e treinar sozinho, mas todo mundo tem seus hobbys.

    — Foda-se o hobby dele, Rutteo. Quero saber da habilidade? Ficou dois dias, e está no relatório que foi ele quem derrotou Crosu. — Hermes pegou o relatório que estava na mesa e jogou pra frente, de forma a quase cair no chão. — O mesmo Crosu que assaltou a Balsa cerca de um ano atrás, as características são as mesmas. Mas, ele conseguiu ficar a par com três Cabos e o velho ganhou dele? Está brincando comigo?

    Eles não eram tão idiotas para ignorar isso. Claramente, Rutteo tinha seu próprio rei na barriga para ignorar as ofensas. Não faria a patente ser maior. Ele tomou as anotações e jogou de volta, sem ao menos ler.

    — Do que adianta ter três Cabos recém-formados contra um ladrão que não segue regras? Crosu fez eles de gato e sapato porque era a primeira missão no espaço aéreo. Mas — Rutteo abriu um sorriso pra ele —, se fosse o senhor presente, conseguiria ganhar desse moleque?

    Micael quem respondeu, indo até o Oficial.

    — Se o Capitão estivesse lá, ninguém ousaria fazer nada.

    — E você, por que não estava lá? Micael, sendo sincero, me poupa disso, está bem? Não quero saber do que você ou ele são capazes. A diretriz diz que Dalia tem os meios, e tem as finalidades para ter Dante como Recruta, e eu não sou contra. Ele é um bom homem, é velho e sábio, bem diferente desses que vemos andando pela Capital por estarem aposentados.

    Hermes concordou, algo estranho de ver porque as papas da garganta balançavam junto.

    — Dalia ainda está dentro dos nossos limites. Não quero perdê-la para outro Comando. Mas, desde que ela fracassou há dois anos, não temos o mesmo rendimento. Quero saber se você consegue assumir essa bronca, Rutteo.

    — Eu? — Rutteo soltou uma risada. — Só pode estar de brincadeira, Capitão. Quem sou eu perto da Dalia? Ela quem faz isso tudo girar. Somos respeitados por causa dela. Me diga outro Oficial que tem as mesmas proporções que ela? Não tem.

    Hermes e Micael se entreolharam. Rutteo detestava aqueles dois com gosto.

    — O peso de Dalia é grande demais para ela suportar — disse o Tenente voltando ao seu lugar, ao lado do Capitão. — Está sempre sobrecarregada. Quando fracassou, o peso dobrou e nós tivemos uma imensa perda financeira. Somos o último Comando atualmente, e não temos mais a quem recorrer. Os melhores Oficiais estão nos Acampamentos, não temos alguém a quem dividir os problemas com a Oficial Dalia.

    — E o Oficial Tecno? Ele é mais centrado que metade dos merdinhas da Capital,

    — Não. Nenhum dos Oficiais de Dalia tem o direito de saírem do esquadrão dela.

    Os braços de Hermes afundaram na mesa e sua mão cobriu parte do rosto.

    — Queremos alguém que possa suportar o peso que Dalia não pode. Esse Dante consegue?

    Rutteo novamente deu uma risada, mas eles não responderam.

    — Espera, vocês estão falando sério? Não mesmo. Ele é um Recruta, chegou agora. Ele não tem nem uma semana de casa. Como vai assumir um posto para missões complexas? Nem mesmo o Alto Escalão concordaria com isso.

    — Não estamos falando de fazer agora, Oficial — corrigiu o Tenente Micael ajeitando os óculos. — Nossa Divisão está passando por um problema recorrente. Temos menos de seis meses para os testes de Cabos, e não temos recurso suficiente. Precisamos de alguém que possa lidar com o Simulacro.

    A Rede de Simulações, a maior engenharia que sobrou da antiga sociedade. Todos os testes coletivos passavam por dentro do pior cenário possível, envolvendo os candidatos em situações de extremo desespero.

    O gosto do sangue daquele dia ainda parecia vivo na boca de Rutteo. Ele passou a mão no lábio, limpando na hora, mas não havia nada.

    — Entendo o ponto de vocês. O velho não está pronto. Acredito que ninguém esteja para o que querem.

    Hermes não disse nada, ainda o fitando de lado.

    — E você, não gostaria de assumir esse problema?

    — Não sou o homem que procuram. Eu odeio ficar na Capital, não tenho nenhum gosto por aturar as pessoas que andam por esses corredores. Prefiro ficar do lado de fora, pelo menos lá eu sei quem é meu inimigo.

    O sorriso cresceu no canto da boca do Capitão.

    — Nisso concordamos. Está dispensado, Oficial.

    I

    Luigi apontou para sua casa quando Rutteo apareceu caminhando. O Oficial pegou uma das frutas na mesa e entrou comendo. Encontrou Dante deitado no quarto com a boca aberta e roncando um pouco.

    Hermes e Micael poderiam descartar o velho de estar entre os principais nomes do Simulacro, mas Rutteo não queria negar que ele tinha fibra de sobra e humildade para vencer obstáculos. Quanto mais tempo dentro da Capital, mais sujeira se descobria. Dalia foi quase pega em uma dessas, mas teve ajuda, e o próprio Rutteo recorreu para os Acampamentos do lado de fora das muralhas.

    Competição, disputa, e até mesmo golpes menores de Comando — o Alto Escalão tinha seus princípios de criar rivalidade entre as Divisões para que pudessem continuar se fortalecendo contra seus inimigos.

    O único problema era que vencer quem deveria ser seus aliados criava uma rixa imensa dentro da própria Capital.

    — Dante, acorda. Vamos.

    O velho abriu os olhos e concordou, já sentando na cama.

    — Eu pensei em tirar um cochilo, senhor. — Pôs os pés dentro do coturno e começou a amarrar os cadarços. — Pra onde vamos?

    — Conhecer algumas pessoas. Vem.

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