Capítulo 41: Último de Pé (IV)
O tanque recebeu uma carga tão alta de eletricidade que a água borbulhou. Marcus não esperava que todo aquele impacto resultasse em uma explosão vindo de dentro da água. Entretanto, com tantas luzes acesas, viu que o que acertou o teto não foi Dante, e sim o Felroz gigante.
Ele tinha seus braços direitos todos arrancados e um peito do lado esquerdo marcado por um punho. Ao bater contra o chão, ele arfou. Os olhos da criatura tinham certo receio e medo, gemendo de dor enquanto o resto do corpo tremia violentamente.
Outro turbilhão na água e um dos tentáculos subiu, agarrando no teto e outro nos cabos de energia. A criatura se jogou para fora, e Marcus viu que ela gritava com um ferimento bem em cima do pescoço. O queixo e uma parte do papo esverdeado dela tinham um corte e marcas.
Ela gritou para Marcus, que recuou com a arma. Encaixou seu óculos de visão de calor novamente no rosto. Era a criatura que tinha puxado Dante, simplesmente com eletricidade soltando de seus membros. Tudo ao redor sacudia enquanto ela soltava um grito agudo.
Marcus segurou mais firmemente sua arma, seu dedo anelar tremia. Aquilo não era mais um monstro, era uma aberração que nem mesmo deveria estar viva. Só a sensação que ela passava, de olhos verdes que queriam sua alma, da sensação nefasta e da frieza que ela emitia ao encará-lo.
Nada no mundo parecia tão horrendo quanto aquilo se segurando com mais de dez membros pelas paredes e tetos.
— Você matou… o Dante?
O nome do velho pareceu deixá-la mais irritada. Ela se jogou pra frente, em uma velocidade que Marcus ficou assustado. Ele queria se jogar pro lado, desviar pelo menos um pouco, mas a mão da criatura, com garras imensas, já estava bem no seu rosto.
E então, parou.
Algo prendeu um dos seus membros, um dos que estavam dentro do tanque. Marcus ficou um pouco abalado e quase tropeçou ao recuar, mas não iria perder a chance. Ele ergueu o fuzil num berro e apertou o gatilho.
Os disparos foram todos no peito e rosto, mas nenhum forte o suficiente para rasgar a pele. Mas ela levantou o rosto, tentando sair para algum lugar. Puxada para trás, ela caiu de costas. O ‘polvo’ encarou o aquário, vendo que era arrastada de volta para lá.
Marcus usou mais disparos para tentar causar mais dano possível. Se fizesse um pouco mais de força, se tivesse mais um pouco de Energia Cósmica… Era sempre aquela merda de ‘se’. Por que nunca conseguia agir na hora certa?
Ele correu em frente e mirou o fuzil bem no peito dela, atirando com o tudo o que tinha. O Polvo gritou de dor ao mesmo tempo que brandiu um dos tentáculos. Marcus foi acertado e caiu rolando para frente.
Sem hesitar, se levantou e puxou a pequena adaga de sua cintura. Não importava mais se fosse vencer ou perder. Clara ou qualquer outro presente fora daquele Reservatório não teria capacidade para lutar contra essa aberração.
Eles seriam esmagados, mortos e trucidados. Então, não importava mais o que estava na sua frente.
— Queime no inferno.
Marcus usou a adaga para cortar um dos tentáculos. No mesmo instante, a criatura foi puxada para a borda. Toda a superfície tocada pela lâmina do atirador foi cortada em segundos. Um grito de dor ecoou por todo o salão iluminado.
Por mais que o polvo estivesse dentro do tanque antes, agora ela tentava se libertar do puxão a retornar para dentro de seu antigo lar. Marcus não tinha certeza do medo, mas o Felroz que havia voado de fora do tanque ainda estava desacordado, e o Polvo recuava da água usando todas as suas forças.
Tentava usar o pé para se arrastar para fora, mas não conseguia. Ela arrastava freneticamente para trás, não tendo muito efeito.
Marcus ficou abismado.
— Ela está com medo… do que?
O polvo pegou uma das pedras do chão. Mesmo sem ponta, começou a bater no próprio tentáculo. Dessa forma, a cada pedrada que dava, arrancava sangue preto. Quanto mais ela batia, mais pedaços de si voavam. O desespero era tanto que nem mesmo Marcus acreditava.
Mesmo que todos os tipos de criaturas tivessem medo de algo, os humanos eram seres com uma base muito menor. Um dos melhores homens que presenciou lutar contra um Felroz foi morto quando confrontado em um erro que o deixou exposto a mais de dois deles.
Agora, uma criatura que tinha tudo sob controle até ponto tempo atrás estava simplesmente desesperada para sair dali o mais rápido possível.
A mão saiu de dentro da água e agarrou a borda de pedra. Mesmo dentro daquele tanque imenso, os braços de um velho se ergueram enquanto ele segurava o tentáculo do outro lado. Assim que sua cabeça saiu para a superfície, toda a água foi enviada para longe.
“Níveis de conversão altos. Indico regresso imediato do corpo a fim de não causar danos corporais. Calculando. Aguarde. 10% atingidos.”
Num puxão seco, Dante fez com que a criatura viesse na sua direção enquanto ele saltou para fora do tanque com facilidade. Num chute, a enviou para o alto. O ar se contorceu para todos os lados, enquanto o Polvo afundou contra as placas de ferro, soltando um imenso berro. Dante saltou na direção dela e a bombardeou numa frequência de socos, engatilhando golpe atrás de golpes, mantendo-se no ar.
Aquilo era demais para Marcus. O Polvo reagiu na troca, usando os tentáculos para afastar Dante e o enviar de volta ao chão. Quando o velho pisou no chão molhado, soltou um suspiro e fez libertar uma rajada de ar ao redor do corpo, expelindo toda a água para longe.
— Está na hora de acabar com isso — disse Dante esticando os braços e adentrando na postura de ataque. — Cansei de brincar com eles. Marcus, vou precisar de suporte.
— Suporte?
A palavra saiu ao mesmo tempo que Dante disparou para o alto. Os tentáculos desceram com eletricidade ao redor, mas Dante esquivou-se de todos no ar e girando no próprio eixo, criou uma onda de energia, explodindo o ombro do Polvo.
Os dois foram para o solo, mas o demônio do tanque usou seus membros para se equilibrar, mal sabia que assim que erguesse sua cabeça, viria o punho Dante. Mais uma chuvarada de ataques consecutivos, soco e chute, uma virada de corpo e ar sendo expelido.
Não importava quantas vezes ela tentava bloquear, o movimento do velhote se aparentava ainda mais rápido do que antes. Quando ele deu uma rasteira nela, e levantou chutando o corpo dela para longe, Marcus teve certeza de seus pensamentos mais intrusivos.
— Ele não tem nada de humano.
— Preciso de um disparo em dois segundos para me recompor.
“Níveis de tensão muscular elevada. Aconselho a estabilizar a pressão.”
Foi num soco furioso. Dante não sorria mais, e naquele mesmo tempo, a luz fazia seus socos parecerem mais fortes. Não importava se era no claro ou no escuro, quando ele ingressou novamente em atacar, o Polvo não teve chance nenhuma.
A criatura foi agarrada com uma mão, contorcida pra lateral e tocou uma cotovelada no rosto. Dante girou no próprio eixo, chutou a perna dela e saltou usando as costas da mão para deferir uma porrada tão forte que ela agarrou contra a parede. Antes de se soltar, o velhote encaixou mais dois a três ataques seguidos.
Não era necessariamente socos fortes. A velocidade era mais impactante. No meio de trocas de posições de braço, Marcus entendeu que não se tratava de um simples estilo de luta. Dante usava aquela rotação e também giros para ganhar ainda mais impulso, torcia os ombros e costelas, como se fizesse um esforço maior.
Toda a contração muscular aplicada nele, era como de uma criatura que compreendia seu próprio corpo a um nível absurdo. E isso era ridiculamente absurdo!
— Explosão.
Dante segurou o punho. A Energia Cósmica do seu corpo inteiro condensou nos ossos do dedo, subindo para a palma e depois o pulso. A densidade daquele golpe fazia a cor amarelada ao redor parecer opaca.
O verde dos olhos do Polvo contra o punho escarlate de Dante.
Num só ataque de baixo pra cima, a energia culminou numa explosão pra frente que gerou um estalido no metal. A criatura não se moveu, e Marcus imaginou que Dante havia apenas blefado.
Foi quando sangue saiu da boca do Polvo, escorrendo entre seus dentes sem ao menos perceber. E em seguida, o tufão de ar explodiu tudo, enviando os escombros todos para o alto.
E não havia mais um sorriso na cara do velhote.
Ele o encarou, Marcus sentiu a tensão.
— Segure ela.
O rombo tinha sido criado, mas a criatura nem mesmo havia sido tão danificada. Marcus entrou em choque. Aquele soco não a matou e nem feriu gravemente. Puxando o fuzil pra cima, ele ajoelhou e disparou quantas balas fossem possíveis.
O pente começou a esvaziar à medida que acertava o peito da criatura. Ela se feria, mas tentava voltar pelo buraco causado. Seu rugido, seu temperamento, sua agressividade assassina. Tudo o que fosse humano, Marcus sentia que ela queria destruir.
Porém, quando suas mãos ficaram dormente por causa do chacoalhar do fuzil, a fraqueza nos seus ombros e braços também repercutiu. O dano que tinha sofrido do impacto anterior não tinha sido removido. Tudo doía como antes.
Mas, enquanto era necessário, daria tudo para mantê-la ali.
Dante havia se jogado naquele tanque para ganhar, então, nada desses ferimentos faria com que esgotasse sua reserva mental. Precisava terminar logo. Por Clara, por Simone, pela cidade…
O sangue da sua mão e pulso, até mesmo o seu nariz mantinha o líquido vermelho escorrendo. Se a criatura descesse, eles seriam mortos. Se ela chegasse até ele, Dante teria que lutar como um lunático de novo.
Se ele pudesse dar tudo de si naquele instante, ele faria qualquer coisa.
A Energia Cósmica que formava as balas no pente acendeu em uma cor amarela. E os disparos tinham uma linha reta de cor verde. Quando a nova bala adentrou o fuzil, o peso do gatilho aumentou, quase duas vezes pior para puxar.
Marcus uniu o fuzil ao ombro e liberou do seu corpo toda a ânsia de vitória.
Que fosse a última coisa que fizesse em vida — ele metralhava tudo em rajadas pesadas em frente.
Pela cidade que nasceu, por Clara que o acolheu, e pelo seu pai… que o treinou até o dia de sua morte.
Por todo mundo que morreu antes!
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