Capítulo 45: Sonhos de um Lugar Ideal (I)
— Por que acha que fico melhor com uma bota mais velha? – Dante perguntava já tirando a sua. – Eu gosto dessa. Recebi quando estava na Capital.
Marcus jogou outro par para ele, sem sorrir nem nada.
— Apenas vista-se adequadamente. Dona Clara tem uma reunião com uma pessoa e pediu que fossemos com ela. Usando aquela velharia toda, você passaria mais com um andarilho do que realmente um morador.
Dante estava de pé. Sua vestimenta era vermelha, com uma capa na parte direita, caindo sobre os ombros, uma cinta abaixo da barriga e um suspensório cortando seu peito. Tudo isso para Marcus lhe dizer que não gostava do que usava antes, sua única bota boa era feia e lhe deixava com cara de indigente.
Queria lembrar a ele que a cidade inteira estava destruída.
— Não quero ouvir nada – disse Marcus parando diante do parapeito. – Vamos, estamos atrasados.
Um passo no vazio. Marcus girou no próprio eixo e tocou o solo de forma macia. Segundos depois, Dante pousou ao seu lado, resmungando.
— Pode pelo menos me dizer por que vamos tão arrumados assim? – Ele puxou a própria capa do braço direito. – E eu nem uso uma arma para ocultar com isso aqui. Fico parecendo ainda mais velho.
— Você é velho. – Marcus pareceu rir da própria fala. – Dona Clara teve muitas pessoas perguntando sobre a energia. Viu que na semana passada, mais algumas pessoas chegaram quando viram as luzes. Isso atrai gente, muita gente.
Começaram a caminhar na rodovia, os carros ainda não tinham sido alocados para as laterais, Dante queria tirar um dia para empurrar cada um e ter uma rota melhor para chegar até os lugares abandonados.
Desde que começou sua patrulha atrás de comida, muitos remédios e suprimentos foram encontrados em lugares que Marcus e Clara disseram que já tinham sido saqueados. E ele tinha Vick que pulsava um radar alertando.
A IA tinha ficado mais inteligente desde que tinha acessado a bateria, comentando sobre pontos determinantes dentro da cidade e explicando conceitos de moradia e organização social. Clara a escutava bastante, entendendo e questionando sozinha enquanto Dante observava o dia passar.
Aquelas duas semanas depois do Reservatório ter sido tomado pelos humanos, os três avistaram um grupo de pessoas entrando e tirando peças dos computadores. Usavam um carrinho para empurrar tudo, mas Clara não interferiu.
— Existe muita gente em Kappz. A cidade é imensa, como poder ver.
Realmente, eles estavam em um prédio no meio de centenas ou até mesmo milhares deles. E mesmo assim, Dante só conhecia aqueles que Clara ajudava ou que a ajudavam. Por isso, quando Marcus disse que era uma reunião com uma figura importante, teve dúvidas se essa pessoa ficava longe de onde eles moravam.
Andaram por mais de quinze minutos, entrando por debaixo de três imensas estruturas chocadas no alto. Elas cruzavam pedra e metal, se interligando. Suas paredes tortas, as janelas todas destroçadas, e a vegetação. A última sendo a parte mais incrível. Grama e árvores cresciam até mesmo por dentro dos prédios e casas, criando um cenário tão diversificado em cores que deixava Dante entorpecido.
Nem mesmo na Capital era assim. Havia até mesmo nas vidraças arrebentadas, grandes copas se formando como uma proteção natural.
— Mais rápido, Dante.
— Por que vocês nunca vieram para esse lado da cidade? – Dante tocou o gramado em uma das paredes. O cimento da rodovia se tornou fofo pela grama rasteira que crescia sobre. – É um lugar mais… vivo.
— Exatamente. É vivo demais.
Marcus fez uma curva na rodovia e avistou Clara com mais uma mulher e alguns outros homens. Ela conversava somente com a mulher, e quando notaram os dois se aproximando, pararam para os receber.
Marcus fez uma reverência baixa para Clara.
— Senhora. – E esticou a mão para a mulher ao lado. – Dona Luma.
A mulher tinha uma pele bem jovem, sem rugas e nem marcas de cansaço. Dante invejou a juventude dela ser tão revigorada. E seus cabelos curtos negros chegavam um pouco acima dos ombros. A roupa, num vestido amarelo, combinava bem com todo o verde ao redor, dominando as ruas e casas.
Luma respondeu esticando a mão. Marcus a tomou e fez um gesto simples de cabeça.
Dante chegou perto de Clara. O cheiro dela, diferente dos outros dias, era doce. Ele forçou o nariz e coçou um pouco.
— É aquele perfume que você encontrou – disse Clara baixinho. – Pensei em usar nessa ocasião já que era uma reunião importante.
— É mais gostoso do que eu achei. Dá uma sensação de leveza. – Dante sorriu, mas foi pego de surpresa por Luma o pedindo para vir à frente. – Ah, perdão. Sou Dante, da Capital. É um prazer conhecê-los.
Os homens fizeram uma reverência padrão de cabeça, sem dizer uma palavra, e Luma não esticou a mão para ele, como tinha feito a Marcus. Esses dois… suspeitos.
— Clara me contou sobre a criatura que conseguiu dominar o Reservatório. – Ela manteve a face risonha, mas foi afiada nas palavras seguintes. – Como se sente sendo o mais forte de Kappz?
Dante virou para Clara, mas ela apenas balançou a cabeça.
— Mais forte é algo muito ultrajante. – Clara deu dois passos e esticou o braço para o caminho que tomariam. – O melhor seria conversar em outro lugar, Luma. Já que estamos todos, podemos ir.
— Claro. Claro.
Elas desceram a rua. Árvores por todos os lados criavam sombras que protegiam contra a luz do sol. O vento arrastava as folhas, e dava para ouvir os esquilos subindo os galhos tortos com nozes. Na verdade, Dante podia ouvir até mesmo latidos mais ao fundo.
Quando procurou Marcus para perguntar sobre cachorros, o viu mais a frente, bem atrás de Clara e Luma. Ele não participava da conversa, apenas se mantendo presente. Dante suspirou fundo. Nem queria estar ali. Podia ter ficado lá no terraço tentando bolar um jeito de deixar os andares inferiores com iluminação a noite, mas foi arrastado.
Algumas horas, andar era entediante.
A casa de Luma era grande, com grades em cima de um pequeno muro, e um portão de ferro que rangeu quando foi aberto. Luma e Clara entraram primeiro, seguido de Marcus e os demais. Dante foi o último, fechando o portão. A casa estava em perfeito estado. As paredes não pareciam destruídas, as janelas e vidraças de pé, até mesmo o estado do teto era impecável.
Casas como aquela não eram comuns onde Dante morava. E a lateral, para onde fora, se mostrou uma varanda. Havia um jardim na lateral com flores amarelas e vermelhas, até mesmo uma rosa branca no meio de todas essas, se destacando.
Cadeiras foram puxadas e Luma pediu que todos sentassem. Marcus foi quem puxou a cadeira para Luma e depois para Clara. Dante franziu o cenho para ele, de novo. Esse cara…
— Dante, por favor.
— Ah, certo.
Ele pegou e sentou bem ao lado de Clara, quase com as cadeiras unidas. A porta dos fundos se abriu e uma mulher saiu com xícaras e um bule. Dante fungou duas vezes, e teve certeza.
— Isso é chá.
Luma concordou, aprovando a velocidade dele.
— Seu nariz é bom, melhor do que os outros que já vieram. – Ela esperou que todos fossem servidos para depois de continuar. – Acho que uma xícara de chá de camomila sempre cai bem quando estamos falando de assuntos sérios, não acham? Ainda mais quando o assunto tem um alto padrão de importância para a nossa cidade. Dante – Luma o fitou —, não o conheço como conheço esses dois. Clara pediu que viesse pelo que fez pelas pessoas da área urbana, por isso, quero te agradecer também. Marcus e você fizeram um ótimo trabalho conseguindo exterminar os Felroz de lá.
— Trabalho em equipe – respondeu Dante. Não tinha porque ganhar créditos por isso. – Nossa maior missão era justamente trazer uma melhora para algumas partes da cidade. E estão todos animados.
Clara levantou a xícara e bebeu um pouco.
— As pessoas se sentem mais seguras estando na luz. Sempre quis isso. Agora, temos a possibilidade de mostrar que existe esperança.
— Adoro quando estão todos otimistas e esperançosos, juro de coração. – Luma tocou o peito, erguendo as sobrancelhas. – E por vocês terem trago a luz de volta, eu vou explicar o porque isso foi uma das piores coisas para a nossa cidade.
Ela deu uma risadinha ingênua e bebeu o chá. Dante e os outros ficaram sem entender nada.
— E então – Luma piscou, sorrindo. – Estão prontos para a pior notícia do dia?
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