Capítulo 50: Meio de Projeto
— Dante não está disponível agora – disse Marcus para Simone. — Ele parece estar num tipo de treino com o outro velho. Parecem até irmãos.
Simone ficou tão impressionada quanto Clara quando ouviu sobre isso.
— Não esperava que um homem do calibre dele aceitaria ser treinado depois de tanto tempo.
Vendo por aquele lado, realmente era um pouco complexo. Kappz não era uma cidade cheia de pessoas novas, na verdade, boa parte dos residentes que Clara cuidavam viviam na faixa etária depois dos 50 anos. Não podiam ajudar muito, nem mesmo fazer ronda para pegar suprimentos menores. Verdade seja dita, depois que Clara e Simone assumiram que dariam conta de alocar os projetos de Clerk para reconstruir o andar debaixo, quem mais fazia ronda era Marcus.
Ele não se importava. Andar sozinho no meio das ruas era um gosto pessoal. Um que nunca abriu mão, isso até Dante aparecer para fazer questionamentos idiotas sobre clima e tempo. Por alguma razão, Dante sempre perguntava se chovia muito em Kappz.
Não precisava dizer a nenhum deles que quando tinha mais tempo, caminhava até a parte suburbana. Lá, abaixava atrás de algumas árvores e tentava respirar um ar mais fresco do que o que tinha ali no centro urbano.
— Eu também achei que ele recusaria, senhora. Dante tem muitas qualidade que outros homens não possuem. Ser humilde é uma delas. — Marcus reconhecia bem isso. — E por isso, eu estou indo para o Reservatório pegar água. Quer algo de lá?
— Não. Se puder trazer mais um pouco da próxima vez, temos mais pessoas. E Clerk também refez a caixa de água que estava furada, lembra?
— Positivo. Ajudava bastante antes de ficar toda remendada.
— Ótimo. Traga o quanto puder, está bem?
Marcus assentiu em silêncio e saiu caminhando para o beiral, quando Simone o chamou mais uma vez.
— Tenha cuidado, filho. Não se deixe levar pela vitória que tiveram, está bem? Perdi muitos outros que ficaram arrogantes depois de derrotar os Felroz.
Marcus puxou o trinco da sua carabina, e um estalo do ferro soou.
— Pode deixar comigo, senhora. Farei o que sempre faço.
I
Assim que chegou dentro do Reservatório, Marcus parou. As marcas do que Dante e eles fizeram com os Felroz ainda eram vivas. Interessante que os corpos dos Felroz ainda caídos tinha sua pele e carne com rombos apenas onde foram acertados. No entanto, o lugar parecia desolado.
A energia sombria que pulsava daquele salão, o medo que Marcus tinha no passado, tudo aquilo tinha se transformado em lembranças. Não lembrava mais do medo, e sim da confusão. O velho tinha domado o salão sem ao menos fazer força. E o que ele tinha feito? Essa era a diferença entre alguém sem medo.
— É tudo sobre intenções. — A fala de Dante batia em sua mente desde o dia que tinham vencido o Polvo. — Se você aponta isso pra alguém desarmado, você é pior do que ele. Muito pior. O velho fala como se soubesse do que essas pessoas poderiam fazer, mas não é assim.
Ele sacou a pistola carabina da cinta e apontou diretamente para onde o primeiro Felroz tinha aparecido. Se apertasse o gatilho ao mesmo tempo que pudesse erguer a arma, ele seria rápido, mais rápido do que naquele dia.
Então, mexeu rapidamente para uma ponta, apontando em uma pilastra onde Dante tinha arremessado outro inimigo. E depois o teto, os escombros. Ele repetiu aquele processo, apertando o gatilho, mas ouvindo apenas o clique da trinca.
Cada vez que se mexia, cada passo que eles dava, virava sua arma. E quando puxou a carabina ISE para frente, sentiu o frio do segundo andar. Ele teria acabado com quantos antes de descerem?
— 54 criaturas. — Esse número perambulava entre seus pensamentos. — Dante matou 54 antes de descermos. Preciso matar 54 antes de conseguir ir. Preciso fazer isso…
Por mais de três horas seguidas, ele apontou para lugares específicos, e quando achava que estava indo bem, sua mente bombardeava a ação do Felroz vindo na sua direção. Marcus já tinha fechado os olhos, apontando e girando, rotacionando e correndo dando cliques no gatilho.
Quando parou de se movimentar, sentiu o suor do seu pescoço, as costas ensopadas e os cabelos encharcados. Praticar dessa forma não era dos melhores, mas sua velocidade e reação deveriam ser mais rápidas do que aquela criatura. Ele não poderia apenas desviar, ele deveria atacar.
Marcus não parou. Ficou mais uma hora usando suas recordações para mirar e atirar, cortando e girando seus movimentos. Quando parou uma terceira vez, ele dobrou o joelho e caiu. O peso de todo o Reservatório parecia estar em cima das suas costas.
O que Dante tinha feito diante seus olhos, Marcus não tinha ideia se podia fazer. Aquele velho tinha dito que se estivesse sozinho, morreria. Era a coisa mais idiota que tinha ouvido. Dante nem tinha levado a sério até o último nível. Suas palavras foram apelativas, foram adagas no papel.
Se não pudesse matar um Felroz em uma única bala, então, nada do que fez até então adiantava. Clara e Simone não precisariam dele. A cidade não se sentiria segura em sua presença.
— Por que eu deveria abaixar minha arma? – Ele ergueu o braço tremendo, sem força alguma. – Por que eu não apertaria o gatilho?
— Não deveria abaixar a arma de jeito algum.
Marcus girou o braço apontando para a parede, onde um buraco tinha sido feito na última luta. E Clara estava ali, com um pequeno galão vazio de água. Ela bateu o galão duas vezes na pedra e entrou descendo pelos destroços.
— Deveria ter avisado que veio para cá. Simone avisou que saído, mas não voltou. – Clara escolheu um lugar para se sentar. – Quer conversar sobre alguma coisa, Marcus?
— Negativo. – Falar sobre seus problemas não ajudaria. Ele apenas se deixou sentar no frio chão de concreto e guardas suas armas. – Por que veio me procurar? É perigoso sair esse horário, está quase anoitecendo.
— Você quem devia estar voltando com a água. Só fiquei preocupada, mas vejo que não era necessário.
Marcus se jogou pra trás, deitando e esticando os braços pros lados. O teto tinha buracos, fios e pedaços de ferro soltos. Claramente aquele lugar um dia cairia aos pedaços. Assim como tudo no mundo se não fosse consertado.
— Não quero ficar dependendo do velhote para nada – disse Marcus, pegando Clara de surpresa. – Quero poder enfrentar pelo menos um Felroz sozinho. Mas, eu não consigo fazer… aquilo.
— Está se comparando a alguém, Marcus. E está fazendo isso com alguém que nunca pisou na nossa terra antes de um mês atrás. Você sabe melhor do que ninguém como esses bichos se movem de noite, sabe como se esconder, sabe como atirar de cima de uma torre com chuva e vento fortes tentando te impedir. – Clara tentou mostrar um sorriso, mas saiu bem quebrado. – Eu entendo o que está sentindo, mas não precisa ser tão extremo.
— Se ele não tivesse aparecido, não teríamos água e energia. – Ao fechar os olhos, respirou fundo. – Sinto que estamos indo bem, mas não sei o que fazer para ajudar mais.
— Bom, se jogar aqui dentro do Reservatório não é uma dessas coisas. Preciso de você comigo, e Dante também está te procurando. Ele parece bem empolgado com alguma coisa, deveria se limpar e depois ver o que ele quer.
— Farei isso, senhora.
Clara se levantou e ajudou Marcus. Eles deram a volta no Reservatório, assim que chegaram perto da porta, ouviram um barulho de água. Marcus já tinha aberto metade do portão quando viu dois homens parados com a mão dentro da imensa bacia de água.
— Os dois Jones – disse Clara, engolindo em seco.
O mais alto era Meliah Jones. Ruivo, de pele branca e um brinco na orelha direita. Ele levou a água na boca e encarou Clara entrando. Marcus passou a mão lentamente no coldre, mas não a puxou.
— Clara, que bom que está aqui – disse Meliah depois de limpar a boca. – Nós queríamos mesmo conversar com você. Essa água é limpa, não é? Nós estamos pensando em levar pra ferraria. E aquela sua bateria também, se não for pedir muito. Tem como preparar ela o mais rápido pra gente?
— Está brincando? Essa parte da cidade é minha. Vocês não podem vir e pegar.
Degol Jones, o mais baixo, e com nariz gordo e bochechas cheios de sardas, pegou um cantil e encheu.
— E desde quando água é um bem monopolizado? Aqui tem o suficiente para enchermos pelo menos uns 10 barris de estoque para não congelarmos no inverno. – E guardou o cantil na cintura, prendendo a um gancho. E bateu uma palma na outra. – Nos entregue os barris que vamos levar tudo. E não demore. Temos que partir.
Marcus respirou fundo. Esses dois eram três vezes piores do que Antton. Chegavam, mandavam e iam embora. Foi assim quando encontraram cobre, e agora com água.
— Parece que não entenderam – disse Marcus. – Clara disse que vocês não vão levar nada. E não vão. Se queriam tanto a bateria ou a água, deveriam ter vindo limpar esse lugar. Nada aqui pertence a vocês, pertence as pessoas que estão procurando uma forma de prosperar. Não vão roubar nossa água.
Os dois irmãos se encararam, e depois deram uma risada.
— Parece que o atirador de plástico está com alguma moral depois de ter feito uma limpeza para a gente. – Meliah ainda dava risada. – Acha que pode nos ganhar aqui? Você lembra da última vez o que aconteceu, Marcus? Como saiu todo machucado. Faz o seguinte, só faz o que a gente mandou. Não se atrasem, vão. Xô, xô.
Clara não disse nada e deu de costas.
— Vamos, não temos que ficar aqui.
— Ah – a voz de Degol chegou a eles –, se não trouxerem o que pedimos, nós vamos tomar a bateria a força. Não importa se conseguiram ela, nós vamos levar.
— Vão? – Clara riu e continuou andando. – Idiotas arrogantes. Esperem sentados.
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