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    Dante cruzou os braços, encostando-se no batente da porta enquanto observava Clara. Ela estava absorta em seu trabalho, os dedos ágeis movendo a pena sobre o papel com precisão. A luz fraca do inverno que entrava pela janela iluminava seus traços determinados. Havia algo tranquilizador na forma como ela parecia tão focada, mesmo em meio ao caos que os cercava.

    Ele deu alguns passos silenciosos para dentro da sala, parando logo atrás dela. Não disse nada, apenas observou. O som rítmico da pena riscando o papel era quase hipnótico, e ele percebeu que, mesmo com toda a pressão, Clara encontrava um tipo de paz naquele momento.

    — Sei que é você, Dante — disse ela, sem sequer levantar os olhos do papel. Sua voz era calma, mas carregava uma leve exasperação, como se soubesse que ele a estava estudando em silêncio.

    Dante sorriu de canto, um sorriso que ela não podia ver. Ele sempre admirava a capacidade dela de percebê-lo, mesmo quando tentava não chamar atenção.

    — Eu devia estar ofendido por ser tão previsível — ele respondeu, com um tom descontraído. — Mas acho que estou mais impressionado.

    Clara finalmente levantou os olhos do papel, virando a cabeça ligeiramente para encará-lo. Seus olhos o analisaram por um momento antes de ela erguer uma sobrancelha.

    — Você é um livro aberto, Dante. Além disso, quem mais teria coragem de me interromper enquanto trabalho?

    Ele deu uma risada curta e aproximou-se mais, puxando uma cadeira para sentar ao lado dela.

    — Não é uma interrupção, é uma visita estratégica. Parece que você está planejando construir um império.

    Ela soltou um suspiro e voltou a encarar os papéis.

    — Não é um império. É sobrevivência. Clerk mencionou que podemos reforçar o prédio se subirmos mais um andar. Isso nos daria uma vantagem defensiva, além de espaço para armazenar mais recursos. Mas… — Ela hesitou, tocando a pena contra o papel. — Estamos no limite de materiais.

    Dante inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.

    — Se você acha que vale a pena, faremos isso acontecer. Mas antes, preciso falar sobre algo.

    Clara virou-se completamente para ele dessa vez, a curiosidade e o cansaço misturados em sua expressão.

    — O que é?

    Ele hesitou por um momento, escolhendo as palavras com cuidado.

    — O Centro de Pesquisa. Eu vou voltar lá.

    A mudança em sua expressão foi imediata. O cansaço deu lugar à preocupação, e ela cruzou os braços, como se estivesse tentando conter uma resposta imediata.

    — Por que você faria isso, Dante?

    Ele suspirou, sabendo que seria difícil convencê-la.

    — Há coisas lá que podem nos ajudar. Melhorar Vick, encontrar recursos… talvez até respostas.

    Clara balançou a cabeça, o semblante sério.

    — Você sabe o que aconteceu da última vez. Encontrou Juno e um monte de gente. E agora você quer voltar pra um lugar que Jix disse que não tinha nada?

    — Não é sobre querer, Clara. É sobre precisar.

    Ela não cedeu, mas esticou o braço, pedindo que prosseguisse com o assunto.

    — Vick me alertou sobre uma necessidade de atualização que pode nos proporcionar uma melhora significativa. Sei que é um pouco estranho, mas ela tem medidas que pode nos ajudar, mas estão na parte debaixo do Centro de Pesquisa. Lá, eu vou encontrar um meio de suprir nosso segundo problema.

    As sobrancelhas de Clara se ergueram juntas.

    — Segundo problema?

    — Isso. Vick alertou que temos mais dois meses até que nossos recursos acabem. E eu não quero levar ninguém para Sharm.

    — Ah, achei que eu não ia ouvir nada de bom vindo de você agora — zombou Clara, apoiando um dos braços na mesa. — Dante, entendo que sua preocupação é enorme com as pessoas daqui, mas você não é o único que está buscando uma forma. Marcus está conversando com Luma sobre uma proposta dela trazer mais recursos, ficando com seu pessoal por aqui por algum tempo, e ele também propôs caçar mais.

    — Ele quer caçar? — Dante ergueu uma sobrancelha, sua expressão bem intrigada.

    — Seria uma boa forma de suprir essa escassez que podemos enfrentar — continuou Clara, com um tom paciente. — Mas não se preocupe com comida e nem remédios. Simone está fazendo de tudo com o que temos. Degol e Meliah também trouxeram muita coisa do Setor Industrial. Entende o que estou dizendo?

    Ela esticou a mão, segurando a dele, em ternura e firmeza.

    — Não precisa se arriscar dessa maneira. Você me ensinou a confiar nos outros, então, que tal confiar em mim nisso?

    Os olhos castanhos de Clara o encaravam com um carinho genuíno, mas, enquanto Dante queria aceitar aquelas palavras, a voz de Vick ecoou em sua mente, interrompendo o momento.

    O Centro de Pesquisa deve ter pesquisas antigas, mais do que necessárias para que a civilização humana sobreviva. Explicar o essencial para ela seria o ideal”.

    Dante respirou fundo e puxou a mão do toque dela.

    — Eu compreendo. Obrigado por me escutar.

    Sem esperar por uma resposta, ele se levantou e virou de costas, caminhando em direção à saída. Clara o chamou algumas vezes, mas ele não parou. Seus passos ecoaram pelo corredor vazio até alcançar a porta. Ele a fechou com um clique seco e começou a subir os degraus que o levaram do nono andar.

    Ao chegar ao térreo, sozinho, Dante parou diante da tempestade que rugia do lado de fora. A neve caía em espirais furiosas, arrastada por rajadas de vento que uivavam como predadores à espreita. Relâmpagos cortavam o céu distante, iluminando brevemente a paisagem coberta de branco, seguidos por trovões que pareciam reverberar no próprio chão. Ele ficou ali por um momento, encarando a força indomável da natureza, sentindo o peso da decisão que acabara de tomar.

    Não tinha necessidade de ir até o Centro de Pesquisa, não quando tinha o essencial ali presente, mas também existia a possibilidade de ter algo que pudesse o levar a uma pista da capital. Se houvesse algo, ele gostaria de poder entender, mesmo que pouco.

    Onde realmente estava ou quanto tempo estava no lugar onde sua família o esperava. Seu retorno, Dante imaginava um pouco como seria, não muito dramático, mas seria bom ver o rosto das pessoas que o viram partir de maneira tão inesperada.

    Queria, mesmo que um pouco, ter esperança de que sua volta não estava realmente perdida.

    Quando chegou bem perto da borda, pronto para encarar a próxima etapa, ouviu passos curtos atrás de si. Ele parou por um momento, fechando os olhos. Não precisava se virar para saber quem era.

    — Está indo se divertir sozinho? — a voz de Jix soou indiferente, mas carregava um toque sutil de provocação. Seu tom arrastado, soava quase como uma repreensão preguiçosa. — E imaginar que nos deixaria aqui esperando. Ah, que ingênuo.

    Dante abriu os olhos e soltou uma risada curta, mas antes que pudesse responder, outra voz se somou a de Jix.

    — Gostaria que me levasse para onde vai, mestre. — Era Juno, e havia um misto de orgulho e súplica em sua fala. Ela fez uma breve pausa, mas sua determinação aumentou, e sua voz ficou mais firme. — Por favor, me leve com você e mestre Jix.

    Dante se virou devagar, e por um instante, deixou que o sorriso escapasse. No meio daquele mar branco de neve e gelo, ele se lembrou de algo importante: nunca esteve realmente sozinho nessa caminhada.

    — Partiremos, então. — Ele virou o rosto para ambos. — Estão prontos?

    Jix ergueu uma sobrancelha e deu de ombros, o habitual desdém ainda presente em sua postura relaxada, enquanto Juno, com o rosto determinado, assentiu vigorosamente.

    Era exatamente esses dois que ele precisava para que não perdesse mais pelo pensamento rude de solidão.

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