Capítulo 12: Um Porto Seguro
A manhã seguinte surgiu com um brilho suave e promessas de um dia tranquilo.
O céu estava limpo, com o azul sereno contrastando com as copas verdes de algumas árvores que balançavam levemente ao ritmo da brisa fresca.
O ar trazia o aroma da floresta, terra úmida, flores silvestres e a sutil fragrância de pinheiros ao longe.
Ivar acordou primeiro, acostumado a manter uma rotina vigilante.
Ele sentou-se próximo à fogueira apagada, observando os primeiros raios de sol atravessarem as frestas da carroça, criando um jogo de luz e sombra na grama.
Nyara, já desperta, estava encostada em uma pedra próxima, afiando uma pequena faca. Seu olhar encontrava o horizonte, mas sua postura relaxada indicava que, pelo menos por enquanto, não havia motivos para preocupação.
Logo depois o elfo e as crianças acordaram, tomaram seu café da manhã e foram arrumar suas coisas para partir. As crianças ainda permaneciam em silêncio, sem falar uma única palavra.
Elara surgiu momentos depois, trazendo água fresca de um riacho próximo. Ela carregava cantis cheios, seu cabelo carmesim refletia a luz dos sóis da manhã.
— Parece que teremos um dia tranquilo pela frente! — dsse ela, sorrindo suavemente ao entregar o cantil a Ivar.
Ele aceitou com um aceno de cabeça e tomou um gole.
— Um pouco de paz é bem-vinda. Vamos aproveitar enquanto dura — ele olhou para Nyara, que agora testava o equilíbrio da faca na ponta dos dedos — Quanto tempo até Thirel?
— Algumas horas, se mantivermos o ritmo — respondeu Nyara, sem desviar o olhar do objeto — A trilha está clara, pelo menos até onde eu pude ver.
Elara assentiu.
— A planície está bem viva nessa manhã. O canto dos pássaros e o som do riacho… É como se estivéssemos longe de qualquer perigo.
Ivar inclinou a cabeça, como se absorvesse as palavras de Elara. Ele olhou ao redor, notando o brilho das folhas sob o sol e a tranquilidade quase mágica do ambiente.
— Às vezes, acho que esquecemos de apreciar momentos como este. Mesmo em meio ao caos, existe beleza no caminho.
Nyara arqueou uma sobrancelha, um sorriso ligeiramente sarcástico aparecendo.
— Que filosófico, Ivar! Quem diria que você tinha uma veia poética?!
Ivar soltou um pequeno riso, algo raro, mas sincero.
— Não me acostumarei a isso — disse ele, levantando-se e pegando sua mochila — Vamos! Antes que eu comece a recitar poesias.
O trio então partiu, a carroça trazia um conforto que os faziam esquecer por um tempo de como era caminhar.
A estrada era agradável, ladeada por árvores altas que pareciam tocar o céu, pássaros voavam de galho em galho, cantando melodias que preenchiam o ar com uma leveza contagiante.
Em determinado ponto, Elara desceu da carroça e agachou-se para examinar um grupo de flores de cor vibrante que cresciam à beira do caminho.
— Olhem só! — ela disse, apontando — Flores-da-aurora.
Dizem que são símbolo de sorte e proteção. Talvez devêssemos levar algumas.
Nyara inclinou-se para olhar, mas balançou a cabeça.
— Desde que não esperem que eu use flores como amuleto — brincou ela, embora seu tom fosse leve.
Ivar observou enquanto Elara colhia algumas flores cuidadosamente, amarrando-as com uma tira de couro antes de guardá-las em sua bolsa.
— Um pouco de sorte nunca é demais, mas são os deuses que jogam os dados.
Enquanto avançavam, o ambiente ao redor parecia quase mágico, como se toda essa imensidão de terra os acolhesse em seu seio.
Horas depois, a estrada desceu para uma clareira onde o sol brilhava mais forte, iluminando um pequeno lago de águas cristalinas e ao longe era possível ver Thirel.
Eles pararam ali, aproveitando para reabastecer os cantis e buscar por ervas medicinais.
Nyara tirou algumas frutas de sua mochila, enquanto Elara explorava a margem do lago, molhando as mãos na água fria.
Ivar, sentado à sombra de uma árvore, observou o reflexo do céu no lago. Era um momento de calmaria, um raro interlúdio em suas jornadas tumultuadas.
Por um breve instante, ele se permitiu imaginar que, talvez, a paz pudesse ser algo mais do que apenas um intervalo entre batalhas.
Não ficaram por muito tempo na clareira, encheram os cantis e logo voltaram pra estrada.
À medida que a carroça seguia pela estrada sinuosa, o grupo permanecia em silêncio, cada um perdido em seus próprios pensamentos.
A visão de Thirel ao longe trazia uma sensação mista de alívio e expectativa. As altas muralhas da cidade eram visíveis agora, recortadas contra o horizonte dourado e azulado pelos sóis da tarde.
— Parece que chegaremos antes do anoitecer — comentou Elara, rompendo o silêncio. Seu olhar estava fixo nas torres da cidade, que pareciam crescer à medida que se aproximavam.
Nyara, que guiava a carroça, deu de ombros.
— Bom, quanto menos tempo passarmos na estrada, melhor! Não que o dia tenha sido ruim, mas prefiro estar cercada por muralhas quando a noite cai.
Ivar, sentado ao lado dela, observava atentamente o caminho à frente.
Embora o ambiente continuasse tranquilo, ele sabia que a proximidade de uma cidade também podia atrair perigos diferentes, especialmente em regiões movimentadas como aquela.
As crianças, ainda caladas, estavam sentadas na parte de trás da carroça, olhando fixamente para o chão.
O elfo, que parecia agir como guardião delas, observava com atenção cada movimento do grupo, embora seu rosto mantivesse uma expressão neutra.
— Elas ainda não falaram nada? — perguntou Elara em um sussurro para Nyara.
— Não… — balançando a cabeça — mas não as pressione. Elas passaram por muitas coisas. Deixe que falem quando estiverem prontas.
A estrada começou a se alargar, indicando que estavam perto da entrada principal de Thirel.
Pequenos postos de vigilância apareciam ao lado da estrada, o som das vozes e do movimento aumentava ao chegar mais perto dos portões, contrastando com a tranquilidade que tinham experimentado anteriormente.
Quando finalmente alcançaram os portões da cidade, a movimentação era intensa. Guardas armados inspecionavam as carroças que entravam, e uma longa fila se formava para a entrada.
— Bom, parece que teremos que esperar um pouco — dsse Ivar, descendo da carroça para esticar as pernas.
Ele lançou um olhar para os guardas, que, embora vigilantes, pareciam mais preocupados com contrabandistas do que com viajantes comuns.
Nyara puxou as rédeas dos cavalos, fazendo-os parar no fim da fila.
— É sempre assim em Thirel. Muitos mercadores, muita burocracia. Mas é uma boa cidade. Tem suas peculiaridades, como qualquer outra, mas ainda é um lugar seguro.
Elara desceu também, aproveitando a pausa para esticar as pernas também e checar os cantis.
— Alguém mais precisa de água? — perguntou ela, olhando para os outros.
— Estou bem — Respondeu Nyara — Só quero entrar e conseguir uma cama decente para dormir.
As crianças permaneciam na carroça, observando tudo ao redor com olhares atentos, mas ainda sem dizer uma palavra. O elfo, como de costume, permanecia ao lado delas, quase como uma sombra protetora.
Depois de algum tempo, o grupo foi autorizado a entrar.
Thirel se revelou uma cidade vibrante, com ruas pavimentadas, casas de pedra e madeira, e uma grande praça central onde comerciantes e artistas de rua competiam pela atenção dos transeuntes, e de frente para a praça estava a Universidade de Magia e a sua gigante biblioteca.
O ar estava preenchido com uma mistura de aromas, pão fresco, especiarias e o leve cheiro de fumaça das forjas.
Nyara conduziu a carroça para uma hospedaria próxima, uma construção robusta com uma placa de madeira que balançava suavemente ao vento. “Porto seguro”, dizia a inscrição.
— Parece adequado — comentou Ivar, enquanto ajudava a descarregar os poucos pertences do grupo.
Dentro da hospedaria, o ambiente era acolhedor. Uma lareira crepitava em um canto, e o som de vozes alegres preenchia o salão principal. O estalajadeiro, um anão corpulento e de sorriso fácil, os recebeu com entusiasmo.
— Bem-vindos ao Porto Seguro! Precisam de quartos, comida ou talvez uma boa história para acompanhar o vinho? — seu sorriso era caloroso.
— Quartos e o prato de hoje, um para cada, por enquanto — respondeu Nyara.
O homem assentiu, indicando uma mesa próxima à lareira.
— Sentem-se! Já trago para vocês. Quanto aos quartos, tenho espaço de sobra.
Enquanto o grupo se acomodava, as crianças, ainda silenciosas, pareciam relaxar ligeiramente, como se o calor da lareira e o ambiente seguro começassem a dissolver um pouco da tensão que carregavam.
Ivar observou-as de relance, refletindo sobre tudo o que passaram.
— Este lugar tem um clima bom — comentou Elara, olhando ao redor — Talvez seja o primeiro lugar realmente acolhedor em dias.
— Vamos aproveitar enquanto podemos — disse Ivar, servindo-se de um pouco de água — A paz nunca dura para sempre.
O elfo, que até então permanecera em silêncio, ergueu o olhar para as crianças e observou o grupo. Ele parecia estar escolhendo cuidadosamente as palavras antes de falar, o que chamou a atenção de todos.
— Esta será nossa última noite juntos — disse ele, sua voz baixa, mas firme — Amanhã, ao amanhecer, partirei com as crianças. Ainda tenho uma promessa a cumprir.
Nyara franziu as sobrancelhas, cruzando os braços enquanto se inclinava levemente para frente.
— Promessa? Para onde está indo?
O elfo fez uma pausa, observando as crianças por um momento antes de continuar.
— Há um refúgio tiefling seguro a oeste daqui, um templo antigo protegido por feiticeiros que afastam qualquer ameaça. Foi para lá que jurei levá-las. Só então poderei considerar minha missão cumprida.
Elara inclinou a cabeça, seus olhos suaves, mas carregados de curiosidade.
— Você tem certeza de que é seguro? Essa estrada não é fácil, ainda mais com crianças.
O elfo assentiu lentamente.
— É um caminho perigoso, sim, mas sei o que me espera. Não é a primeira vez que trilho essa rota. E não me perdoaria se deixasse que algo lhes acontecesse depois de tudo o que enfrentaram.
Ivar, que até então havia permanecido em silêncio, ergueu o olhar para o elfo, sua expressão impassível.
— Você fez o que pôde até agora. É uma decisão difícil, mas é sua. Se precisar de algo antes de partir, nos avise.
O elfo ofereceu um leve aceno de gratidão, mas sua expressão manteve-se rígida.
— Agradeço. Vocês foram mais do que um abrigo para nós durante essa jornada, foram a diferença entre vida e morte. Mas o peso dessa tarefa é meu. Não devo depender de vocês mais do que já fiz.
As crianças, percebendo o tom da conversa, pareciam inquietas, mas uma delas segurou a mão do elfo, como que buscando consolo.
Ele abaixou-se para sussurrar algo em uma língua suave e melodiosa, e a criança relaxou ligeiramente.
Nyara suspirou e olhou para Elara e Ivar.
— Bom, se é isso, acho que só nos resta garantir que vocês tenham um jantar decente antes de seguir viagem.
O elfo esboçou um sorriso raro, quase imperceptível.
— Isso seria muito bem-vindo!
Enquanto o grupo jantava, a melancolia pairava no ar.
Todos sabiam que aquela separação era inevitável, mas, mesmo assim, o vínculo que haviam formado não podia ser ignorado.
O calor da lareira parecia insuficiente para afastar a sensação de despedida iminente.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.