Por quase três dias, Haivor manteve-se encostado em uma casa bem pequena na encosta do lago. Lá, o cemitério sempre estava sendo recebido pelas ondas espumantes e brisas suaves. Era o lugar mais calmo até então, e o único onde Cross deveria ser enterrado.

    Um copo pequeno foi erguido para a lápide “Cross’, e Haivor bebeu tudo numa golada. Limpou a boca com a roupa maltrapida que sempre usava, e que ficou pior depois da estranha batalha com Ioni, o Absolver.

    Um mundo completamente desorientado. Dez anos atrás, Cross descobria que tinha aptidão física para caçar e sempre voltava para a casa cheio de lama. Durou uma década até ser brutalmente morto.

    – Acha que quem devia ter sido morto era você.

    A aproximação de Grison não tinha sido silenciosa. O homem observava o cemitério, com indiferença perpétua.

    – Ele morreu acreditando que eu chegaria. – Haivor limpou os joelhos e se levantou. – Mas, eu me orgulho de como terminou. Cross fez o que tinha que fazer.

    – Se acredita nisso, então a morte dele não foi em vão.

    Haivor deu aval para a afirmação.

    – E agora, o que pretende fazer? – Grison perguntou.

    – Existe muito a se aprender ainda. Quando era pequeno, queria sair desse lugar o mais rápido possível e fiz de tudo para construir um barco que conseguisse passar pelo lago e pelo mar. Agora, não sei mais.

    – Sonhos são pequenos demais para pessoas como nós – Grison virou o corpo para o lago. – Haivor, você tem um potencial enorme, mas suas habilidades ainda são crus. Precisa afiar e alinhar muitos conceitos ainda para conseguir dominar o conceito de Moldação ainda. E nessa ilha, duvido que encontre algo que ajude. Por isso – retornou a olhar para ele – quero que venha comigo. No dia que destruiu o Absolver, eu vi que suas habilidades são parecidas com a minha, capaz de ler as pessoas. Essa habilidade pode ser desenvolvida a outro nível.

    – Serei um aprendiz? – Haivor ficou surpreso. – Sou velho para isso.

    – Velhice é um estado mental. Conheço homens e mulheres acima dos três dígitos capazes de fazer coisas que você nunca esperaria.

    Grison claramente estava atiçando sua curiosidade, mas Haivor não se preocupava com isso. Uma pequena fagulha estalou por cima de sua palma, ela se esticava e alongava para todos lados possíveis.

    – Isso é apenas um fragmento do que poderá fazer se vier comigo – Grison falou. – Eu saio em dois dias. Estarei no porto esperando.

    Ele se foi, andando, da mesma forma que chegou. Aquelas roupas estranhas, de cor meio azulada, meio esverdeada, mas o tom nobre e sublime que trazia consigo. A importância e confiança nas palavras e ações.

    Ali, na ilha, tudo o que restava era uma vida chata como marceneiro ou pescador.

    – Cross, o que acha?

    A brisa suave que soprava mudou repentinamente para uma violenta onda de ar lançada do mar. Protegendo os olhos com a palma da mão, abriu os dedos para vislumbrar a névoa que cobria o Estreito de Helmeth se desfazendo. O semi círculo rochoso era perfeito, como sempre fora, e estava apenas esperando.

    Haivor deu um sorriso. Seu irmão ainda estava com ele.

    *

    Muitos comerciantes tentavam se aproximar dos marinheiros e do capitão para vender seus produtos antes de partirem. Empurravam os objetos, lançavam olhos cativantes e desesperados, tudo para terem um pouco de moedas, e alguns conseguiram. Ao fundo, ao lado da prancha, Grison tinha os braços cruzados, esperando pela saída.

    Vindo rapidamente, Ercha e Oxin Lio. O pai e filho corriam rapidamente atrás de Grison.

    – Senhor Grison – Oxin fez uma menção honrosa. – É uma pena estar indo embora tão cedo. Tenho certeza que se ficar, poderá ver a beleza que nossa ilha oferece em tempos de paz.

    – Não procuro pela paz. – O rapaz era sempre muito insistente no olhar. Grison não precisava de outra pessoa o importunando com ensinamentos durante as viagens. Agora, seria duas pessoas. – E não se preocupe quanto a minha estadia, creio que a doença do mestre Kanad esteja dissolvida rapidamente pelas ervas que indiquei.

    Ercha quem respondeu:

    – E temos que apreciar que o senhor apareceu. Creio que teríamos ainda mais problemas se não tivesse nos ajudado.

    – Ajudar. – Ele repetiu com certa graça. Não tinha feito nada além de ver um rapaz lutar até a morte contra um Absolver, e depois disso, ser tratado como nada e quase mandado ser morto por Oxin. Se Grison fez algo foi observar. – Seu pai estando bem é pagamento suficiente.

    – Claro, senhor Grison. – Ercha coçou a mão, meio impaciente. – E tenho algo a pedir, se possível.

    – Fale.

    – Como meu filho mencionou, suas habilidades são muito distintas das outras pessoas da ilha. Pode levitar alguns pequenos objetos e…

    – Eu já conversei com ele sobre isso. Com sua renda atual, vocês são capazes de encomendar alguns pequenos livros do Grande Continente. Se ele realmente quiser se tornar um Arcano algum dia, irá diretamente para lá daqui a alguns anos.

    – Ah – se exaltou – pensei que talvez pudesse levá-lo como aprendiz, para se tornar um Adesir, senhor.

    Os três estavam conversando quando um imenso clarão subiu de cima do navio. A luz branca se estendeu até quase cem metros antes de explodir em fragmentos menores. Os vendedores e transeuntes se assustaram com as luzes novas, parando para observar tal beleza e arrepio.

    Grison encarou para cima do navio, da beirada, um rapaz de cabelos negros curtos e uma marca no pescoço encarava o céu com um sorriso. Ele girou para baixo, apontando para cima.

    – Viu, mestre Grison? – Seu berro foi alto o suficiente para que todo mundo ouvisse. – Eu consegui fazer o redirecionamento do calor em segundo grau.

    Oxin e Ercha ficaram de boca aberta. Grison não esperava a melhor hora para seu primeiro aprendiz aparecer.

    – Esse é meu aprendiz, Foton Diabre.

    O rapaz bem novo acenou de cima, se divertindo.

    – Mestre, posso descansar agora?

    Grison acenou para ele com firmeza.

    A cara de Oxin ficou sombria. O padrão para um Adesir ou um aprendiz era a estranheza da criação, do male que cresce em torno, mas não afeta a pessoa, é até mesmo a própria natureza cuidando de uma criança desde pequena para então disponibilizar o mundo seu poder descomunal. Grison não disse essas palavras a Oxin, mas a diferença de habilidades já era gritante o suficiente.

    Ercha, no entanto, não estava muito convencido.

    – Se levar Oxin com você, tenho certeza que terá um grande assistente que fará de tudo para aprender com o senhor. Ele é muito esperto, além de ter um grande apetite pelo desconhecido.

    – Minha resposta continua sendo não. Além do que, eu já tenho dois aprendizes. – Seus olhos foram diretamente para a estrada de lama no caminho. As pessoas abriam caminho e deixavam o conhecido marceneiro passar.

    Haivor passou pelas pessoas sem olhar para elas e chegou até a prancha que ligava a terra ao navio. O diferencial de antes eram seus cabelos presos atrás da cabeça com a longa mecha branca na lateral, e suas roupas, uma camisa de manga comprida com uma placa azulada mais grossa um pouco abaixo do ombro ligando até a cintura, onde uma faixa com símbolos diferenciados prendiam suas calças. Atrás das costas, uma capa meio esbranquiçada, surrada pelo tempo, mas suficiente para dar ao homem o tom mortal.

    Além de tudo, Grison via o olhar determinado e forte. Não era mais o mesmo homem de dois dias atrás, no cemitério.

    Quando Haivor parou e fez uma referência longa com a cabeça, deixou Ercha e Oxin desnorteados.

    – Ele é o seu aprendiz? – Oxin questionou com tanta dúvida quanto seu pai. – Como… por que?

    Haivor lançou um olhar e os dois congelaram na hora. Eles tinham visto a mesma coisa que Grison, o duelo contra um Absolver, e depois de escutarem o Adesir contar como uma criatura maligna daquela vivia, eles temeram ainda mais o homem diante deles.

    Ele era mais forte que um demônio, era o que Grison tinha dito a eles.

    – Haivor carrega uma estranha ligação com as artes mágicas de comando, e por isso, selecionei para vir comigo. Só que dessa vez, ele não carregará seu nome atual, mas sim, aquele escolhido diante a calamidade. Diga o nome escolhido.

    Depois do tempo quieto, Haivor suspirou.

    – Me chamo Enigma.

    Grison sorriu.

    – É um belo nome. Pode subir, estava esperando por você para irmos.

    Ele subiu, indo em direção ao outro aprendiz.

    – Aqui nos despedimos, senhores Lio. – Grison deu de costas, indo para a prancha. – Espero vê-lo novamente, Oxin. Não deixe esse lugar prender você ou suas habilidades. Até um outro momento.

    I

    Foton era como uma criança animada. Haivor nunca tinha visto uma pessoa tão curiosa quanto ele. Estava dentro do quarto dele, era uma cama no canto, pequena e nem parecia que cabia o rapaz. E nas paredes, livros presos por cordas e cordões, um medalhão balançava junto do navio. Desenhado na madeira da parede, símbolos e letras de um idioma que ele estava familiarizado com as lembranças de Ioni na mente, mas ainda eram vagas.

    – Esse é o primeiro livro que estudei das Artes Kaladares, é um misto de idioma com alquimia antiga. Eu gosto porque tem alguns estudos sobre a luz, que é o que gosto de estudar. Quando mestre Grison me encontrou em Almacha, eu não tinha noção de que era estudado isso em outros lugares.

    – Você é de Almacha? É a ilha vizinha a Senbom.

    – Sim, eu fiquei muito assustado quando ele apareceu do nada depois que eu explodi a casa de um antigo mercador. – Ele deu uma risada meio amarga. – Fiquei tendo que limpar a casa por quase uma semana, mas depois disso, o mestre me chamou para fazer experimentos com luminosidade e aquecimento de materiais.

    – Então, você é experiente em… luz e explosões?

    – Isso. – O sorriso mudou para um alegre. – Sou muito bom em explodir coisas e criar filamentos de luz. E você, qual a sua especialidade?

    – Ele ainda não possui. – Grison estava na porta, atrás dele. – A primeira aula começa em cinco minutos. Meu escritório.

    Foton ergueu a mão, acenando. Grison se fora.

    – Ele sempre aparece do nada – falou, guardando os livros. – Não se preocupe com as aulas, a maioria é teórica. E como somos novos, não vamos ver nada relacionado a círculos mágicos ainda. Pequenos comandos, mais básicos, é o que sempre temos.

    – Entendi.

    Os dois foram juntos pelo corredor do navio. Haivor nunca tinha estado em uma embarcação, mas era como se fosse uma casa normal, com corredores e portas demais. Não tinha falado nada com seu novo colega, mas quando abriram a porta, ele deu de cara com uma deformidade colossal.

    O escritório de Grison era quase do tamanho de metade do barco. O teto era mais alto e grandes estantes cheias de rolos e pergaminhos se espalhavam pelas mesas em cantos diversos do largo cômodo.

    – Isso é impossível – sussurrou pra si, admirado.

    – Não duvide de mestre Grison. Ele é um Adesir renomado. – Foton apontou para os livros e depois para as pilastras. – Cada coisa dentro desse lugar não está aqui, mas está disponível. É como se tudo estivesse em outro lugar.

    – Maneiro.

    – Se chama ‘Espaço Reservado’, é um misto de comando temporal com localização – Grison disse do meio da sala. – Venham. Agora que tenho os dois, posso dizer que minha procura está encerrada. Serei franco e rápido.

    – Como sempre.

    – Quieto, Foton. – O olhar de Grison não era ameno, mas Foton dera uma risada. – Um Adesir tem grande importância dentro do mundo Arcano. Somos nós que tomamos conta da população, e fazemos isso longe dos holofotes ou elogios. Nossa magia é feita para matar, destruir, dissolver e até mesmo assassinar, algumas vezes. Fazemos isso de maneiras diferentes, mas sempre com um mesmo propósito.

    – E qual seria? – Haivor perguntou.

    – Equilíbrio, Enigma. Um Adesir tem o função de prover auxilio, como todo Arcano, tanto com o social quanto com a magia. O mundo inteiro conhece os Arcanos porque são mais numerosos e também possuem feitos mais largos. Porém, no fundo, ajudamos eles a permanecerem o foco enquanto fazemos o trabalho sujo. Se querem ser conhecidos mundialmente, deixem isso fora de suas cabeças.

    – Gosto de trabalhar nos meus próprios projetos – Foton argumentou com uma expressão careta. – Não vou deixar pra aqueles almofadinhas de chapéu de cone e roupão horroroso.

    – E você, Enigma?

    – Não tenho nada contra os Arcanos, mas sempre trabalhei melhor sozinho.

    Grison aprovou as respostas com uma junção de palmas, ecoando pelo escritório.

    – Aqui é a biblioteca disponibilizada pelos conhecimentos que adquiri durante meus tempos de estudo. Tudo que está aqui é para que possam aprender, sempre que tiverem uma dúvida, podem vir falar comigo, mas sempre prezei o estudo individual dos conceitos e métodos. Espero que consigam deixar a sensação de coleguismo para quando estiverem lutando entre si nos treinos de combate, estamos entendidos?

    – Sim, mestre – Foton era sempre muito agitado. – Tenho uma dúvida quanto meus experimentos de aquecimento.

    – Venha e fale. Enigma, eu deixei em cima da mesa da esquerda os livros que achei que te interessariam. Leia na ordem decrescente.

    Curioso, Foton encarou a mesa e viu as cinco pilhas de livros, cada pilha com cinco livros cada. Ele engoliu em seco.

    – Nossa. Você irritou o mestre, Enigma?

    – Foco, Foton. – Grison já estava andando para longe. – Quero o relatório completo dos experimentos.

    Haivor se aproximou dos livros, não encostou neles. O cheiro era reconfortante. Lembrava de quando tinha seu quarto, dos papiros e dos pergaminhos velhos, cada um deles lidos e memorizados, para futuros projetos que ajudariam Senbom a ser um lugar melhor.

    Aquele sonho antigo estava sendo destruído rapidamente ao ver os livros voando de uma prateleira para o outra, um espanador limpando a mesa sozinho, e uma vassoura varrendo o chão sem ninguém encostando nela.

    Era uma realidade completamente diferente do que tinha imaginado para si. Mas, não podia negar que sorria.

    Esticou a mão para a cadeira, distante dali.

    – ‘Atração’.

    Rapidamente, a cadeira veio para si, a agarrou fortemente e sentou-se. Essa era uma chance nova de começar.

    II

    Livros eram sempre fáceis de ler porque sua habilidade de ‘Leitura’ era quase uma trapaça. As palavras não sumiam e estavam constantemente colocadas em uso, lincando outro assunto.

    Moldes para Iniciantes, de Enrik Paloco, um Arcano renomado, era tão fácil que metade de seus ensinamentos Haivor já tinha feito uma vez na vida, sem consentimento. Moldar a terra para lama. Corroer a madeira da árvore. Doar um pouco de Mana, a base de todo Arcano, para fazer uma semente crescer mais rápido do que o normal.

    Coisas desse tipo eram tão fáceis que Haivor fazia de olhos fechados, já pregados em sua mente. Mas, eram importantes. Não subestimava o conhecimento, nem o mais básico, ele fazia os Arcanos grandes, então, para um Adesir, deveria se claramente suficiente.

    Os cinco volumes de moldes eram todos claramente mais avançados, porém, suas premissas eram as mesmas. Haivor sentava no chão, com um pedaço de metal diferente, as vezes cobre, as vezes ouro, e tentava projeções diferentes.

    Um raio se locomovia mais rápido no cobre, e o ferro era bem mais resistente contra o fogo do que a água. Alguns gases nobres da tabela periódica, uma tabela que Haivor nunca tinha ouvido falar, poderiam fazer um homem morrer apenas respirando, e alguns metais eram radioativos que adoentavam uma população inteira se não fosse tratado corretamente.

    Ele se manteve no quarto por mais de três dias, apenas comendo e lendo. As cinco pilhas tinham sido supridas no primeiro dia. No segundo dia, estava caminhando na biblioteca.

    – Achou algo que interesse? – Grison perguntou, sentado longe. – Molde te interessou?

    – É muito… – parou. Falar que algo era fácil faria do esforço de Foton ou do próprio Grison algo pequeno e sem sentido. – Acho que o Molde não tem muito a ver comigo. Transformar uma material para outro é interessante, mas os livros falam sobre conceitos muito arcaico pra mim.

    – Velho, quer dizer. – Grison se levantou. Esticou o dedo para uma estante a sua direita e um livro saiu de uma das últimas prateleiras. – Esse é o livro Molde e Arcanismo. Me diga o que acha quando acabar.

    – Certo, mestre.

    – E Enigma, o treinamento de combate, não se esqueça. A cada três dias, as seis da manhã, no convés superior.

    Haivor concordou e começou a andar. Parou no meio do caminho, e encarou a outra mesa, do outro lado da biblioteca. Com a mão, puxou-o e saiu andando. Ele não viu, mas Grison soltou um risada em suspiro.

    No terceiro dia, ele estava no convés, antes mesmo do sol nascer. Estava nublado e ameaçava chover. Grison e Foton chegaram juntos, o rapaz conversando entusiasmado logo cedo, mas Grison, ele não parecia nem que tinha dormido.

    – E metade das partículas se mexeram de maneira diferente. Acho que se eu alterar um pouco a concepção da luz, para um ângulo menor, posso alterar tecidos e a carne humana e não-humana. Isso seria incrível, mestre.

    – Continue nesse caminho.

    Foton parou ao ver Haivor, acenando e andando em sua direção.

    – E você, conseguiu ler aquela pilha de livros que o mestre mandou? Espero que não esteja cansado. Eu gosto muito das seções de treino, mas o mestre nunca pega leve comigo.

    – Consegui ler bastante. – Haivor não tinha motivo de ser seco, mas não conseguia dar muita procedência nas conversas.

    – Eu acho que descobri algo incrível com a minha magia – Foton disse. – Depois conto pra você. O mestre vai começar.

    Grison segurava um livro na mão, mas estava meio desnorteado, encarando ao redor.

    – Antes, Foton treinou comigo os sistemas de combate normais que um Adesir deve tomar. A quantidade de Comandos que um Adesir tem que conhecer é sempre o suficiente para que sobressaia sobre o seu inimigo, e eles devem ser todos diferentes.

    – E o corpo, mestre?

    – Foton trouxe um ponto importante. Enigma, seu corpo é um templo que deve ser cultivado com muito afinco. Um Comando não utiliza somente a mana que está em você, mas sim toda a carne e pele que você possuí. Seus órgãos e sua mente. Ela drena energia de cada parte sua, e por isso, quanto mais Comandos você usar ao mesmo tempo, mais cansado ficará.

    Na floresta, Haivor usara três comandos contra o assassino que Oxin Lio havia mandado. Tinha se sentido muito cansado, mas ainda conseguia andar. Esse era o seu limite?

    – Por isso, hoje iremos treinar Comandos. Eu usarei alguns e vocês defenderão. Porém, sempre existe uma regra.

    – Ah, de novo não. – Foton balançou a cabeça, deprimido.

    – A regra é que não poderão sair do lugar. – Grison levantou o livro que segurava. – Esse é o Mormop, o livro dos feitiços e comandos. A cada cinco minutos, abrirei em uma página qualquer e usarei um deles contra vocês.

    – Isso não vale, mestre – Foton interveio. – Esse livro tem comandos de todos os tipos. Como vamos nos defender de algo que não conhecemos?

    Haivor o olhou.

    – Mas, como você vai saber quais comandos ou magias que seu inimigo vai usar no meio de uma batalha? É meio compreensível o mestre fazer isso.

    Foton ia responder, mas pensou um pouco.

    – Isso parece certo. Você é uma pessoa bem racional, Enigma.

    – Ele está certo, Foton. – Grison abaixou o braço. – Usem qualquer comando ou método que acharem necessários, minha missão é derrubá-los. Estão prontos?

    Erguendo o braço, mais determinado que antes, Foton sorriu.

    – Pode vir.

    Haivor puxou a manga da camisa, se concentrando. Era seu primeiro contato com batalhas dessa maneira, mas as lembranças de Ioni ainda estavam quentes em sua mente. Era sua primeira vez, mas seu corpo se comportava como se estivesse normalizado com a situação.

    Aparentemente, estava calmo.

    Grison começou.

    – ‘Raio’.

    Esse era um comando?

    O céu estalou em uma rajada. Haivor ergueu a cabeça e viu os feixes elétricos percorrem os céus em uma velocidade armante. Antes de Foton poder fazer qualquer coisa, Haivor encostou em si e nele.

    – ‘Isolante’.

    A feixe desceu golpeando os dois, mas o dedo de Haivor estava apontado para o mar. O relâmpago cruzou o corpo dos dois e saiu na direção do oceano, estourando e criando uma imensa explosão na água.

    – Perfeito tempo de reação, Enigma – Grison elogiou. – Foton, sabe que comando que ele utilizou?

    O rapaz estava de olhos arregalados, ainda meio tenso.

    – Isso foi… incrível – gritou, gargalhando. – Mestre, parecia que o raio estava na minha mão. Eu podia até mesmo atirar ele pra outro lugar.

    – ‘Isolante’ é um comando defensivo contra eletricidade. É básico, mas sua formação leva uma compreensão das correntes elétricas e também do poder da conversão de uma barreira elástica. – Grison explicou para o aprendiz. – Sobre tudo, é muito pouco utilizada quando a maioria dos Arcanos utiliza comando contra comando. Lembre-se, somos diferentes deles, então, pensem.

    Haivor não estava muito convencido de que Foton entendia muito bem o conceito de ser um Adesir, mas não o julgava. Era muito estranho o modo como viviam e faziam as coisas, mas era divertido.

    Era sua primeira vez usando ‘Isolante’ nessa magnitude, mas foi um sucesso.

    – Continuemos. ‘Molde’.

    Os ventos mudaram de ritmo, sendo mais violentos do que antes, aumentando a cada segundo que passava. Haivor olhou para cima, as nuvens antes planas começaram a girar em torno de si, descendo lentamente.

    – Um tufão? – A cara de Foton era abismada. – Mestre, se usar isso no navio, vamos todos morrer.

    – Eu sei.

    Os ventos aumentaram ainda mais. A cauda do tufão começou a entortar e se dividir na direção do oceano. Grison alertou ambos:

    – Se um fenômeno da natureza ganhar força, nem mesmo um Adesir consegue pará-lo. O que farão agora, aprendizes?

    – Podemos usar ‘Carcere’ – Foton disse a Haivor. – Prendemos o ar e acabamos com isso. É o jeito mais rápido.

    – Esse Comando não funciona com elemento natural – Haivor respondeu. – O vento é o ar em movimento, então, pare ele e paramos o tufão.

    – Certo. – Foton se concentrou. – ‘Estabilize’.

    O ar estagnou momentaneamente. Foton encarou o colega com um sorriso.

    – Conseguimos.

    – Como quer que estabilizar um poder tão devastador com um comando tão fraco, Foton?

    As palavras de Grison deixou Foton desesperado. Ele engoliu em seco e suspirou baixo. A pressão do ar voltou, ainda mais forte do que antes. Os pés dos dois aprendizes começaram a ser arrastados pela madeira do convés.

    – Se saírem muito, o treinamento acaba.

    – ‘Congela’. – Havior tocou no próprio corpo e fez Foton fazer o mesmo. – Quando eu disse para parar o vento, não é pra parar ele, mas sim a estrutura. ‘Molde’.

    Grison olhou pra cima. Os tufões sumiram na hora. Comandos de ‘Molde’ eram os mais fáceis, porém, se o usuário não fosse muito aberto sobre o que fazia, os outros não poderiam saber o que aconteceu ou como aconteceu.

    Os ventos ainda permaneceram fortes, mas o círculo no céu começou a se dissolver rapidamente. A tabela periódica realmente era útil.

    – Mudar o oxigênio para hélio – Grison sorriu. – Esperto. O ar fica mais leve e não pode se juntar já que meu comando é unicamente feito para o ele.

    Foton respirava mais arduamente e balançou a cabeça, meio desapontado.

    – Eu não consigo pensar em nada tão diferente quanto ele, mestre. Eu prefiro o senhor me batendo do que ficar imóvel dessa forma.

    – Esse treinamento é justamente feito para você aprender. Os tipos de caminhos que cada pessoa segue é diferente, isso é parecido com a linha de raciocínio. Eu sempre disse que poderia usar comandos, mas você se precipita demais e não usa o que sabe.

    – Calma, calma. Isso quer dizer que eu posso usar minha habilidade?

    – Minha regra é que fiquem no lugar. – Ele abriu o livro. – Cinco minutos se passaram. Feitiço ‘Dragão de Água’.

    Os três ficaram parados. Nada tinha acontecido, e então, o navio balançou em um golpe forte por baixo, em seu casco. Haivor se equilibrou e Foton quase caiu, mas manteve-se de pé. A água foi lançada pra cima e uma bocarra emergiu rotacionando.

    – É um dragão cobra – Haivor disse. – Ele só vai atacar da água.

    – Isso não importa agora. – Foton já estava com a mão erguida na direção do dragão. – Eu posso usar meus feitiços. Por Akeamor, ‘Espelho de Luz’.

    O dragão pulou para mergulhar mais uma vez. Espelhos apareceram ao redor de sua cabeça, refletindo sua aparência. O monstro parou por um momento, encarnado a si mesmo, e então, o reflexo saiu de dentro do espelho e atacou a imagem verdadeira.

    Haivor nunca tinha visto nada parecido com aquilo. Todos os reflexos pularam para fora dos espelhos e começaram atacar o verdadeiro. Uma batalha acontecia no meio do oceano e eles só assistiam.

    – Ótimo, Foton – Grison elogiou. – Esse feitiço realmente fez efeito em suas mãos. Fico satisfeito de ter dominado completamente.

    – Meu elemento é a luz. – Foton disse ao abaixar a mão, os dragões continuaram a se matar sozinhos. – Eu posso projetar qualquer coisa que tenha sombra, mesmo que ela não seja uma imagem real.

    – Então, pode replicar Comandos e magias?

    – Quase isso. Se meu inimigo for uma pessoa do mesmo Círculo que eu, então podemos até empatar quando conjuramos. Mas, mestre Grison está fazendo só um treino. Ele gosta de ver tudo, por isso ele abaixa a força de todos os golpes para conseguirmos acompanhar.

    – Você parece ter tido uma experiência nada agradável falando assim.

    Foton soltou uma lufada de ar, concordando.

    – Eu desafiei ele uma vez, e acabei apanhando como um cachorro de rua. Mestre Grison gosta de surpresas, mas não ofenda nada que ele ensine, Enigma. Para o seu bem, nunca faça isso.

    Haivor concordou e o treino seguiu seu rumo.

    Grison criava eventos e situações completamente distintas, chuvas de gelo, água que queimava e estava na direção do navio. A madeira que viraria areia em um minuto. Raízes e florestas no convés. Eles ficaram por quase uma hora tentando destruir as ordens mágicas de Grison e só pararam quando Foton foi lançado contra o chão por um cipó selvagem, um tipo de planta carnívora.

    Quando alguém caía ou a regra era quebrada, o treino era fechado e tudo voltava ao normal. Nem mesmo parecia que o céu tinha sido deformado, que dragões e peixes gigantes saltaram para fora ou que choveu gelo em forma de espinhos.

    Haivor ficara maravilhado com tudo aquilo, e estava certo de que se continuasse treinando dessa forma, seria imbatível. O próximo treino era em três dias, então tinha tempo para estudar os comandos dos livros da biblioteca.

    Não queria aceitar, mas seu entusiasmo era parecido com Foton, que se mostrou um colega formidável e poderoso quando usava feitiços. Era instigante.

    – Agora, voltem para seus quartos e estudem. Teremos mais uma seção de treino antes de atracarmos em outra ilha – Grison disse aos dois. – Foton, os experimentos e feitiços estão acima da média, como sempre, mas seu conhecimento em Comando e seu raciocínio está lento demais. Enigma, seus comandos e linhas de comando são quase perfeitas, mas sua hesitação contra as plantas carnívoras em salvar Foton custou o treino que poderia render ainda mais. Busque suas falhas e corrige-as.

    Hesitação. Haivor esquecera que essa palavra existia.

    – Quando for assim, Enigma, faça o que tiver que fazer – Foton disse. – Eu sou ruim com treinamentos de combate. Deu pra ver.

    – Só precisa pensar mais – Grison respondeu longe. – Agora, desçam. Os marinheiros vão começar a vir para cá. Nosso tempo acabou.

    Eles desceram.

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