Capítulo 102: Chamado
Dante se jogou sentado ao chão, respirando profundamente. A batalha tinha sido um pouco mais demorada do que tinha pensado ser possível, mas foi o suficiente para que lembrasse dos diversos pontos que seu pai havia lhe ensinado.
Era possível que ele pudesse vencer com mais rapidez. Seus punhos não interligaram como ele queria, ainda parecendo fora do eixo, e sua posição também não lhe deu suporte suficiente. Foi surpreendido duas vezes, o que o deixou exposto.
Numa luta direta, ele teria vantagem, mas essa não era a honrada batalha que seu pai sempre contou. As criaturas não esperariam por eles, pelo descanso ou pela respiração. Era necessário fazer de tudo para derrotá-las.
Foi isso que eu fiz.
Abrindo as mãos, viu as duas Pedras Lunares em sua palma. O brilho havia se apagado um pouco, mas ainda emitia bastante energia para fora. Dante guardou uma delas em seu bolso, e pressionou a segunda contra sua mão.
— Eu posso usar isso para acelerar minha recuperação, Vick?
“Por meios de segurança, deve ser feita em um lugar isolado e sem presença humana.”
Dante olhou para trás, ainda cansado. Jix, Marcus e Juno vinham na sua direção com pressa. Ele ergueu a mão, forçando um sorriso de lado.
— Ah, pessoal. Que bom que chegaram. — Forçando as pernas e os braços, Dante se colocou de pé e estalou as costas e os ombros. — Eu consegui conter o Felroz. Foi um pouco acirrado, ele era rápido e se adaptava muito. Consegui arrancar as Pedras Lunares.
Jix usou a bengala para apontar.
— Então, senta e use ela para começar a fechar qualquer ferimento. Agora, vai.
Dante não esperava uma ordem tão direta, mas concordou. Assim que se sentou, viu Marcus e Juno irem na direção da criatura morta. Jix foi o único que ficou ao seu lado, observando.
— Sei que se preocupa com as pessoas, mas você não pode deixar tudo para trás e ficar sozinho para lutar — disse Jix, sério. — Devia ter mandado Juno levar todos, eu podia ter ajudado de alguma maneira. Mesmo que diga que não.
— Eu sei que podia. Não nego isso. Mas, não era necessário. — Dante ainda assistia Juno baixar e mexer na carcaça do monstro. — Ela ainda é nova, precisa da cabeça no lugar para não se perder. O caminho que ela precisa percorrer, eu já fui e voltei. E outra, essa não era a luta de vocês. É a minha.
— Por que diz isso?
— Porque fui eu quem destruiu parte do Centro de Pesquisa. As Pedras Lunares foram pegas depois disso pelos Felroz embaixo. Vick tinha me dito isso, mas eu ignorei. — Dante aproximou a Pedra amarela para seu peito, e sua roupa se alargou, recebendo o conteúdo e a puxando para dentro, engolindo seu brilho. — Eu causei um problema e vou resolver. É simples.
Jix balançou a cabeça teimosamente.
— Mesmo que estivesse sozinho naquele dia, nenhum de nós deixaria você fazer isso por conta própria. Não consegue enxergar que as pessoas precisam de você aqui em Kappz? Isso não é uma luta qualquer, é uma luta que leva todo mundo.
Dante ainda negou.
— O fardo é só meu, por enquanto. Juno e Marcus precisam crescer um pouco mais para isso.
— Olhe seu estado, moleque teimoso — havia resquícios de raiva na voz de Jix. — Se você morrer, como eles vão encarar essa realidade? Pense um pouco.
Não era somente a sobrevivência, Dante entendia bem isso. Jix falava do fato das pessoas terem esperança em um futuro, mesmo ele não sendo tão claro. As variantes estavam espalhadas por todo o lado, podendo interferir em cada passo daquela longa estrada que construíram.
Mesmo sendo um velho rabugento, Dante admitia que Jix tinha razão quanto a isso.
— Se eu morresse? — ele disse isso com Marcus e Juno já próximos. — Nenhuma criatura nesse mundo teria tal capacidade pra me fazer suar frio.
— Você disse que seu pai sempre te venceu, mestre — disse Juno. — Acha que ele ganharia de você?
Dante a encarou e deu uma risada abafada.
— Quando eu me encontrar com ele de novo, você pode assistir.
Juno riu, se empolgando mais do que o esperado. Sua risada parecia destoar da tensão ao redor, mas talvez fosse isso que a tornava tão importante: uma pequena faísca no meio do caos.
A chuva, que parecia ter dado uma breve trégua durante aquela semana, voltou a cair com força renovada. Os trovões rugiam mais próximos, fazendo o chão tremer levemente. A água escorria pelos destroços, formando pequenos riachos que se moviam entre os escombros.
Dante ergueu os olhos para o céu, como se a tempestade carregasse algum tipo de presságio. Uma ansiedade estranha pairava sobre eles, algo que parecia crescer com cada gota que caía.
— Temos que voltar — anunciou Jix, ainda meio desorientado com tudo. — Ficar aqui pode atrair outras criaturas ainda mais medonhas do que essa.
Dante estava prestes a levantar quando Vick soou em sua cabeça.
“Relatando frequência de baixo nível vindo do Centro de Pesquisa. Ordenando palavras e números. Fazendo tradução para as línguas mortas.”
— Chamado do que? — perguntou Marcus olhando para o Centro não muito distante. — Da última vez que estivemos lá, não tinha muita coisa.
Dante abriu a boca para responder, mas Vick o interrompeu antes que pudesse formar qualquer palavra.
“Mensagem decodificada, apresentando resultados. Sincronizando memória auditiva.”
— Eu sei que podem me ouvir. Sei que podem… ouvir minha voz agora. Sua Inteligência Artificial não sabe se esconder. Ela gosta de entrar em canais de comunicação mortos, andar de um lado para o outro. Idiota. Suas posições foram expostas. Idiotas.
Ela gostava de chamá-los de idiotas, pelo visto.
— O que fizeram com o Centro de Pesquisa, deixaram as pedras expostas, e agora vocês podem ver o sofrimento causado. Ela nunca deveria sair daqui, nunca deveria ter sido deixada para as criaturas. Mas, um homem derrotou um Felroz Mutante. Não uma vez, mas duas. Quanto você abusou da Energia Cósmica para que ela lhe desse o corpo?
Dante piscou algumas vezes. Ele recebeu da própria Energia Cósmica, não abusou dela. Nunca tinha feito nada disso.
— Não importa — a voz continuou impaciente. — De baixo do primeiro piso, onde os homens se esconderam, está a comida que vocês querem. É só isso que procuram, não é? Apenas suprimentos para o inverno. Não. Vocês querem respostas. E eu posso dá-las. Venha até mim. Venham me conhecer.
A voz parou de soar. Segundos depois, Vick voltou a anunciar:
“A conexão se perdeu.”
— Isso tem cheiro de armadilha — disse Marcus, ainda indiferente. — Não que eu tenha nada a ver com o que ela falou, quero respostas, mas ninguém chama assim abertamente.
Dante sentiu a costura e reparo, habilidades de seus amigos da Capital, envolvendo a Pedra Lunar, deixando-a guardado bem no meio do tecido, puxando Energia Cósmica e o curando aos poucos.
— Por isso acho que devemos ir. Viemos por isso, não vou voltar de mãos vazias. E ela disse sobre comida, precisamos disso mais do que nunca.
— É perigoso.
— Tudo é perigoso hoje, Jix. — Dante esticou a mão para ele. O velhote a segurou e Dante o colocou em suas costas. — Se a gente não terminar o que começamos, podemos perder uma chance de descobrir o que houve. E eu estou sentindo que essa pessoa pode nos ajudar.
Houve uma resposta rouca de Jix.
— Qualquer dia, Dante, sua intuição vai nos matar de verdade.
Marcus passou pelos dois, apontando o dedo.
— Espero que seja uma piada, para os dois.
Juno sorriu, ainda alegre por antes, e saltitou para junto de Marcus.
Dante começou a caminhar quando Jix lhe deu dois tapinhas no ombro.
— Tome conta deles.
— Irei fazer isso.
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