Índice de Capítulo

    — Isso foi bem esclarecedor — ironizou Jix, cruzando os braços com um suspiro pesado. Sua voz carregava uma mistura de cansaço e sarcasmo. — Saber que agora temos que caçar praticamente 19 daquelas criaturas lá fora é… reconfortante.

    O peso da situação pairava sobre o grupo como uma nuvem densa. Juno e Marcus, que estavam próximos à entrada, trocaram olhares de preocupação. Os Felroz não eram mais apenas bestas irracionais que vagavam sem propósito. A revelação de que essas criaturas haviam sido alteradas pela Energia Cósmica, tornando-se algo muito além do que poderiam enfrentar com os recursos limitados, apertava um nó no estômago de todos.

    — Eu achei intrigante — disse Dante, quebrando o silêncio pesado. Ele se levantou, seus olhos firmes, tentando transmitir confiança. — Essas Pedras têm um propósito incrível. Salvou a vida do Degol, não foi?

    Sua tentativa de encontrar algo positivo parecia forçada, mas ele continuou:

    — Podemos coletar e armazenar essas Pedras. Se conseguirmos reconfigurar os motores e aprimorar os sistemas com base na energia delas, podemos ganhar uma vantagem lá fora.

    Antes que alguém pudesse responder, uma risada ecoou pela sala, interrompendo o raciocínio de Dante. Era uma risada feminina, fria e cortante, cheia de desdém. A voz, familiar, voltou a soar através da mente, trazendo consigo um arrepio coletivo.

    — Incrível — disse a IA, seu tom gotejando sarcasmo. — Incrível como vocês se agarram desesperadamente à ideia de recriar uma civilização. Vocês não entendem, não é? Estão perdidos. Perdidos em um mundo que já os abandonou.

    O silêncio que seguiu foi quase sufocante. A IA continuou, cada palavra como uma faca cravando mais fundo na moral do grupo:

    — Não entendem que não podem fazer nada contra as criaturas? Vocês não têm força suficiente para enfrentá-las. Os Felroz… eles são seus inimigos mais fracos. E, ainda assim, vocês não têm valor. Nada do que fizeram até agora tem valor.

    Aquelas palavras caíram como um peso esmagador. Juno desviou o olhar para o chão, seus punhos cerrados em frustração. Marcus limpou a garganta, mas não disse nada, incapaz de encontrar as palavras. Dante sabia o que a IA estava fazendo. Aquela entidade não queria apenas expor a fragilidade deles; ela queria quebrar a moral do grupo, plantando a semente do medo e da dependência. Dependência dela.

    Dante estreitou os olhos, encarando um dos monitores onde a IA falava. Ele não iria ceder, não enquanto ainda houvesse um resquício de esperança. Mas antes que pudesse abrir a boca, Jix, com seu habitual sorriso zombeteiro, tomou a palavra:

    — Eu acho engraçado — disse ele, inclinando-se levemente para frente, seus olhos brilhando com um desafio que poucos ousariam fazer. — Você diz que não somos nada, mas você também não apareceu até agora.

    A IA silenciou por um momento, como se considerasse as palavras dele.

    — Nós devemos temer as criaturas lá fora, é verdade — continuou Jix, apontando para um dos monitores, como se estivesse falando diretamente com ela. — Mas você também tem medo de nós.

    O sorriso de Jix se alargou, cruzando os braços novamente. A tensão na sala não diminuiu, mas, por um instante, o grupo pôde sentir algo diferente: uma faísca de resistência.

    Dante aproveitou o momento para falar, sua voz firme:

    — Se somos tão insignificantes, por que você está tão preocupada em nos lembrar disso?

    — Preocupada? — A IA respondeu com uma risada que parecia ecoar por toda a sala. — Se são tão fortes, eu provarei a sua força. Eu desafio qualquer um de vocês, mas se eu ganhar…

    — Ah — Dante a cortou, um sorriso divertido surgindo em seu rosto. — Você está fazendo uma aposta? É isso?

    O grupo inteiro congelou ao ouvir aquelas palavras saírem da boca de Dante. A tensão na sala ficou palpável, como se o ar tivesse se tornado mais denso. Eles conheciam bem o que uma aposta significava para ele. Para Dante, uma aposta não era apenas um jogo de sorte ou habilidade; era um compromisso inescapável, uma batalha onde nenhum dos lados poderia recuar.

    — Sim — respondeu a IA, sua voz fria e carregada de desafio. — Estou te desafiando em uma aposta, humano.

    Dante se virou para Jix, que estava encostado na parede com os braços cruzados. Os dois trocaram um olhar cúmplice antes de rirem baixinho.

    — Ei, velhote — Jix chamou, erguendo uma sobrancelha.

    Antes que ele pudesse continuar, Marcus deu um passo à frente, com o semblante preocupado.

    — Você acabou de lutar, Dante. Tem certeza de que isso é o certo? Temos suprimentos, podemos voltar. Outra hora lidamos com isso.

    — O melhor seria lidar com ela agora — interveio Juno, que havia se aproximado também. Sua voz era calma, mas carregava uma seriedade que ninguém ignorava. — Tenho certeza de que ela sabe mais do que aparenta.

    Dante os ouviu com atenção, mas sua expressão não mudou. Ele havia ido até ali com um objetivo claro, e nada o faria desistir.

    — Vick me disse que tem algo aqui que pode melhorar as funcionalidades dela. Eu tenho certeza de que, se for essa IA, então preciso enfrentá-la. Não quero que se preocupem comigo. Se quiserem ir, podem ir.

    Marcus balançou a cabeça imediatamente, segurando sua arma com firmeza enquanto apontava para o monitor onde a IA aparecia.

    — Sair sozinho agora nem deveria ser cogitado. Eu fico, caso aconteça alguma coisa.

    O tom autoritário de Marcus deixou claro que ele não pretendia abandonar Dante, e Juno assentiu em concordância.

    A voz da IA voltou, agora com um toque de desprezo e irritação:

    — Que espírito de equipe admirável. Foi exatamente isso que fez os humanos caírem durante os anos. Vocês gastam tanto tempo se apoiando que se esquecem de como agir.

    Dante respirou fundo, apertando os punhos, mas antes que pudesse responder, a IA continuou, seu tom sarcástico e provocador:

    — Se já acabaram de bajular uns aos outros, então venham até mim.

    Todos receberam em sua visão um ponto branco, um ícone dado por Vick, não pela outra IA, mas a própria Vick nada dizia. Dante achou estranho, desde que entraram no Centro de Pesquisa, seus comentários se tornaram quase nulos.

    Dante queria perguntar, mas Jix foi mais rápido novamente.

    — O que acha, Dante?

    — Vamos ver o que ela tem a oferecer.

    Eles avançaram pelo corredor estreito, onde cada passo ecoava contra as paredes de metal desgastado. Marcus e Juno seguiram de perto, atentos ao menor som ou movimento. A luz artificial intermitente iluminava o caminho à frente, criando sombras que dançavam de forma inquietante.

    Atravessaram uma sala quase desprovida de vida ou função, exceto por uma mesa larga que se estendia ao longo de uma das paredes. A superfície estava corroída, com manchas escuras e marcas de ferrugem. Ao lado da mesa, cabos soltos se enrolavam como serpentes, suas pontas queimadas sugerindo uma sobrecarga antiga. Uma única porta de metal enferrujado esperava no outro lado, um convite silencioso para continuar.

    Quando passaram pela porta, a iluminação mudou. A luz fria e esparsa do corredor deu lugar a um brilho mais intenso e opressivo. O ar parecia pesado, carregado de umidade e um odor pungente que imediatamente fez Juno recuar e cobrir o nariz com a manga da jaqueta.

    — Isso é nojento — murmurou ela, a voz abafada.

    Marcus, sempre mais prático, puxou uma manta do bolso lateral e a amarrou sobre o rosto, como uma improvisada máscara. Ele olhou para Dante, que continuava avançando sem demonstrar nenhum sinal de incômodo.

    O espaço que se abriu diante deles era amplo, mas claustrofóbico. O teto estava cheio de fios pendurados, alguns ainda crepitando com energia residual, enquanto outros se balançavam levemente na corrente de ar. No chão, uma mistura viscosa de lama e água de esgoto formava poças que refletiam a luz de maneira traiçoeira. Cada passo fazia um som de sucção desagradável, como se o chão estivesse vivo.

    O cheiro era quase insuportável, uma combinação de podridão e umidade. Marcus parou por um momento, olhando ao redor com desconfiança.

    — Parece que estamos andando dentro de uma cova coletiva — ele comentou, os olhos estreitados.

    Dante parou assim que os demais avistaram a estranha presença, e o ar pareceu congelar ao seu redor. Seus olhos fixaram-se na figura à frente, e por um momento, ele questionou se aquilo era real ou um reflexo distorcido de sua mente. No centro da sala, equilibrada sobre uma mesa metálica, estava uma criatura que misturava humanidade e máquina de forma perturbadora.

    Os fios que desciam do teto conectavam-se às suas costas, como tentáculos mecânicos vivos, pulsando levemente com uma energia inquietante. O corpo da figura era esguio, mas repleto de detalhes metálicos. As placas de aço cobriam suas pernas e braços como uma armadura biomecânica, reluzindo sob a luz fria que iluminava o ambiente.

    Os olhos de Dante tentaram encontrar algum vestígio de humanidade em seu rosto, mas o olhar da criatura estava escondido sob os cabelos negros que caíam sobre sua face. Ainda assim, ele sentia a intensidade de sua presença, como se ela o estudasse, calculando cada movimento.

    As mãos da figura eram afiadas, quase como garras, feitas de um metal que parecia capaz de cortar qualquer coisa com um simples movimento. Sua postura, agachada, era a de um predador à espreita, pronta para atacar ou observar, dependendo do próximo passo de Dante.

    O silêncio era quebrado apenas pelo zumbido baixo dos cabos e o gotejar distante da água. Dante não fez nenhum tipo de ação brusca, mas tinha uma estranha sensação de inquietude no coração. Era a primeira vez que via uma criatura como ela.

    — Então essa é você… — murmurou, sem saber se falava com ela ou consigo mesmo.

    A cabeça da criatura ergueu-se num movimento rápido e preciso, como se fosse acionada por um comando invisível. Os olhos metálicos brilharam com uma luz fria, enquanto um sorriso se formava em seus lábios artificiais. Era um sorriso metálico, desprovido de calor humano, mas carregado de uma malícia perturbadora.

    — Surpreso, humano? — A voz dela era uma mistura de timbres eletrônicos e tons femininos, ecoando pelo espaço como se fosse amplificada. — Surpreso por encarar uma Inteligência Superior? Eles me deram um nome… e será esse que vai lembrar.

    Dante não respondeu imediatamente. Ele deu um passo à frente, observando a estrutura ao redor. A criatura estava presa dentro de uma jaula de vidro reforçado, os cabos que se conectavam ao teto pareciam ser sua única ligação com o mundo exterior. Era como se estivesse sendo contida ali por uma força maior, mas não parecia amedrontada ou desesperada. Pelo contrário, ela exalava confiança.

    Enquanto seus olhos escaneavam Dante, houve uma mudança súbita. A criatura desviou o olhar para Juno, depois para Marcus, e novamente para Juno. O que era aquilo? Interesse? Avaliação? Dante notou o brilho peculiar nos olhos dela, como se estivesse analisando mais do que apenas rostos.

    — Ótimo. — Dante quebrou o silêncio com uma batida de palma, o som ecoando no ambiente vazio. Ele mantinha o tom sarcástico, desafiando a tensão de toda a situação. — Isso parece perfeito. Uma IA que nos chama para lutar, mas está presa.

    Juno deu um passo à frente, sua expressão refletindo tanto fascínio quanto apreensão. Seus olhos percorriam cada detalhe da criatura, das garras metálicas ao emaranhado de cabos que a conectavam à jaula.

    — Ela é… diferente. — Juno comentou, com um misto de admiração e cautela.

    E então, a voz de Vick cortou o ambiente, reverberando de maneira inesperada:

    IA de nome Verônica II, datada antes mesmo da civilização humana cair. Registro e série: 225600.”

    O anúncio de Vick trouxe um peso maior à situação. Dante percebeu que essa IA não era apenas uma anomalia moderna; ela era um resquício do mundo antigo, um fragmento de uma era que ninguém ali conhecia de verdade.

    — Verônica II. — Dante repetiu o nome em voz baixa, encarando a criatura diretamente. — Então é isso que você é.

    O sorriso dela alargou-se ainda mais, quase como se apreciasse o impacto que sua presença causava.

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