Capítulo 112: Surra Antiga (II)
Jix ouviu a voz de Vick soar em seus ouvidos como um sussurro calculado. Embora não fosse diretamente direcionada a ele, o impacto de suas palavras foi suficiente para que o homem entendesse o que estava acontecendo.
Ele franziu a testa, o olhar fixo na luta entre Dante e Verônica. Por um instante, murmurou para si mesmo:
— Seria possível?
A ideia o atingiu como um relâmpago, ligando os pontos com uma clareza quase dolorosa.
— Vick já sabia da presença de Verônica antes mesmo dela dar as caras?
Marcus, que havia recuado para ficar mais próximo de Jix, ouviu a pergunta e ergueu uma sobrancelha, confuso.
— E por que isso deveria ser importante? — questionou, tentando compreender a gravidade do que Jix estava insinuando. — Não é comum uma IA saber da presença da outra?
Jix soltou um suspiro, frustrado com a simplicidade da pergunta. Ele se virou para o atirador, o tom carregado de impaciência e seriedade.
— Não, claro que não. — A indignação na voz de Jix era palpável. — Antigamente, as IAs evitavam colidir entre si porque compreendiam o erro da outra. Eram programadas para coexistir, não competir.
Ele apontou para Verônica, agora envolta em sua armadura avançada, enquanto Dante ainda se mantinha firme diante dela.
— Mas Verônica se chamou de Inteligência Superior. Isso significa que ela é um modelo bem mais recente do que Vick.
Marcus ainda parecia perdido, mas Jix continuou, seu tom se tornando mais enfático.
— Verônica tem um corpo físico, Marcus. Ela tem inteligência avançada, adaptabilidade, e uma habilidade que vai além da análise e processamento. Essa é a diferença crucial entre elas. Vick é uma relíquia, mas uma relíquia com sabedoria acumulada. Verônica é a evolução, mas uma evolução que se desviou do que realmente importa.
Marcus cruzou os braços, ponderando as palavras de Jix.
— Então, você está dizendo que Vick já sabia como Verônica iria agir?
Jix assentiu lentamente, o olhar ainda fixo na luta.
— Sim, Marcus. Não apenas sabia, mas planejou algo. Cada palavra, cada provocação de Vick não é apenas uma resposta. É um movimento calculado para expor a fraqueza de Verônica.
Ele fez uma pausa, observando como Dante começava a pressionar Verônica, as sombras ao redor dele confundindo a IA mais avançada.
— O problema é que Verônica nunca considerou que poderia ser manipulada por algo que ela considera inferior.
Marcus balançou a cabeça, surpreso com a análise de Jix.
— Então, o que acontece agora?
Jix apertou os punhos, seu semblante determinado.
— Agora? — Ele respirou fundo. — Agora, Dante nos mostra por que ainda somos humanos e por que máquinas, por mais avançadas que sejam, nunca poderão superar isso.
Dante girou no próprio eixo, mantendo a fluidez dos movimentos que lhe haviam custado anos de treinamento implacável. Ele usou o braço para fingir um ataque pela esquerda, um movimento rápido e preciso, enquanto sua mente voltava ao passado, às intermináveis sessões de treinamento com Render. Cinco anos de esforço diário, socando e desviando de uma espada que nunca parava. Sob o sol abrasador, sob o frio cortante, de dia e de noite, o inferno nunca dava trégua.
— O que acha disso? — sua voz carregava um tom provocativo enquanto encarava Verônica.
Para a IA, a realidade começou a se fragmentar. Inicialmente, cinco imagens de Dante surgiram em sua visão. Porém, quando ele separou as pernas e ajustou sua postura, o caos visual aumentou exponencialmente: vinte e cinco sombras apareceram ao redor dele, cada uma replicando seus movimentos com precisão assustadora.
Verônica hesitou por um segundo, mas foi o suficiente para Dante avançar. Dois golpes diretos atingiram seu rosto metálico, ecoando pelo ambiente como estalos secos. Ela tentou um ataque desesperado, girando o braço na direção dele, mas Dante abaixou com destreza, desviando facilmente. Antes que ela pudesse se recuperar, ele a agarrou com firmeza e a puxou para perto.
— Aikido, Judô, Karatê, Jiu-jitsu, Krav Maga, Wing Chun, Ninjutsu, Silat, Sambo e Muay Antigo… — murmurou, como se recitasse um mantra.
Com um movimento calculado, Dante usou o cotovelo para atingir o pescoço de Verônica, forçando-a a recuar. A pressão no golpe fez com que a IA perdesse momentaneamente o controle, abrindo a boca em uma tentativa desesperada de estabilizar suas funções. Sem lhe dar tempo para reagir, Dante bloqueou rapidamente seus braços com a perna, desmantelando sua postura defensiva.
Ele recuou para ganhar impulso, saltando em direção à parede de vidro. Com um movimento ágil, usou a superfície como apoio para se lançar de volta em um giro, mirando Verônica. A IA reagiu instintivamente, puxando Valkiria, sua arma defensiva, para formar um escudo de puro aço reforçado.
A barreira que Verônica ergueu não era comum; representava a culminação de sua tecnologia, projetada para deter qualquer ataque. Mas Dante não hesitou. Para ele, aquilo era apenas mais um obstáculo.
— Recuperar visão. Aumentar capacidade — ordenou Verônica, sua voz robótica cheia de urgência. — Usar eletricidade em sua maior potência.
O ambiente começou a vibrar levemente enquanto a energia acumulada em sua armadura se intensificava. O ar ao redor de Verônica brilhou com pequenas faíscas elétricas, e seus movimentos ficaram ainda mais rápidos.
Dante e Verônica engajaram-se em um combate feroz e em alta velocidade, cada movimento deles mais rápido e imprevisível do que o anterior. Juno e Marcus observavam, incrédulos, como o confronto se desenrolava em uma dança letal de ataque e defesa. Enquanto Verônica atacava com tudo que tinha, tentando penetrar a defesa de Dante, o velho lutador sorria, sem piscar, como se estivesse completamente em casa.
Era sempre assim. Quando Dante entrava em combate, o caos ao redor parecia se dissolver em uma calma sobrenatural, como se ele e a batalha fossem um só.
Juno, incapaz de desviar o olhar, sentiu um brilho de admiração em seus olhos. Dante segurou um dos braços metálicos de Verônica, desviou de um golpe de perna e, com um movimento preciso, fez com que ela perdesse o equilíbrio e ficasse suspensa no ar, surpresa. Antes que pudesse reagir, ele desferiu um golpe seco com a palma da mão, direcionado para baixo, que a derrubou no chão com força.
Quando Verônica tentou se levantar, Dante a atingiu com um chute veloz, arremessando-a contra a janela de vidro. O impacto foi tão forte que deixou a IA cara a cara com Juno. Da base das narinas de Verônica escorria um líquido marrom, e seus olhos brilhavam em um vermelho intenso.
Juno percebeu algo alarmante. Ela está indo além do que seu corpo pode suportar, pensou, os olhos fixos na IA.
Enquanto Verônica se levantava com dificuldade, os braços metálicos dela se ajustaram automaticamente, puxando-a de volta para a batalha. Nesse momento, Juno conseguiu captar uma expressão inesperada em seu rosto: tristeza.
— Valkiria está forçando-a — disse Juno, quase num sussurro, mas seu julgamento era claro. — Dante, a armadura dela está forçando-a a lutar. Ela não quer mais isso.
Dante não respondeu. No entanto, sua postura indicava que ele tinha ouvido.
Quando Verônica ergueu os braços em X para bloquear um golpe direto, algo inesperado aconteceu. Não veio nenhum soco, nenhum chute, mas um tapa estrondoso de mão aberta acertou seu rosto com tanta força que ela foi arremessada de volta contra a janela.
Agora, os seis braços metálicos de Verônica se agitavam desesperadamente, formando uma barreira caótica para manter Dante afastado.
— Dante! — Juno gritou, a voz carregada de urgência. — Ela não quer mais lutar!
Mas a voz de Verônica cortou o ar, carregada de energia e determinação:
— Cale-se, humana! — Energia Cósmica explodiu ao redor dela, preenchendo o ambiente com uma força esmagadora. — Se for para morrer, que seja aqui e agora! Não preciso da sua…
Ela não terminou a frase. Uma pressão de ar massiva atingiu seu peito com força, arrancando um grito de dor. Verônica cambaleou para trás, tentando entender o que havia acontecido.
Do outro lado da sala, Dante permanecia firme, com a perna erguida no ar, como se tivesse desferido um chute… mas não havia acertado nada além do vazio.
— Esqueceu que eu não tinha usado minha habilidade até agora? — perguntou Dante, sua voz carregada de intensidade. — Parece que seu sensor realmente é uma merda quando está focando em algo que não está acostumada a ver. Vick fez o trabalho direitinho.
Verônica lançou-se contra ele mais uma vez, mas o movimento era desesperado, sem coordenação. Dante desviou sem esforço, quase entediado. Ele suspirou, puxando o braço para trás e fazendo dois dedos tocarem o ombro e depois o queixo da IA. Verônica se desestabilizou sem entender absolutamente nada.
E então, Dante segurou o pescoço de Verônica com uma força controlada, mas inabalável. Os braços metálicos dela tremiam em uma tentativa inútil de reagir, e a armadura Valkiria parecia perder toda sua potência, rendida à força aplicada. Ele sabia que, naquele instante, a batalha havia terminado.
— Vick, — chamou ele, mantendo Verônica firmemente sob controle. — Quer fazer as honras?
A resposta veio rápida, soando na mente de Dante e, simultaneamente, ecoando pelo ambiente.
“Para acessar os dados da IA, precisarei de carga elétrica suficiente. Recomendo transferência para Juno.”
Dante virou o olhar para Juno, que observava a cena do lado de fora, ainda imóvel, como se estivesse presa entre a tensão e a admiração.
— Tem certeza, Vick? Acha que é uma boa ideia? — Dante perguntou, a dúvida e o cansaço marcando seu tom.
Vick respondeu com uma frieza calculada:
“É a única forma de acessar recomendações. E o que Verônica II disse não estava totalmente errado, Dante. Os humanos… precisam de ajuda.”
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