Capítulo 116: Patente
— Talia, eu sei que isso é importante. Não estou dizendo que não nos importamos com o que vimos, mas você precisa entender de uma vez por todas que isso é loucura.
O quarto era um caos vivo. Mapas preenchiam as paredes, cada um preso com pregos improvisados ou fita adesiva, enquanto linhas de marcadores riscavam rotas e conectavam pontos de vilarejos e cidades. Livros e relatórios estavam espalhados pelo chão, como se uma tempestade tivesse varrido o lugar, e na bancada central, uma pilha desorganizada de papéis ameaçava desabar a qualquer momento.
Talia estava no meio do furacão que criara, absorta, com fones presos aos ouvidos. Seus olhos fixos numa folha velha e desgastada, enquanto sua mão rabiscava anotações frenéticas em um caderno já quase sem espaço.
O Oficial Tecno observava a cena, sua expressão oscilando entre irritação e preocupação. Ele sabia que, mesmo quando chamasse seu nome, ela não responderia. A garota estava presa em sua obsessão, e isso o incomodava mais do que ele admitiria.
— Talia — ele chamou novamente, sua voz ganhando uma nota de impaciência. Ele deu um passo à frente, mas antes que pudesse se aproximar, uma mão pousou em seu ombro, detendo-o.
Dalia estava ali, com sua postura firme e imponente, a mesma que usava ao se dirigir aos Capitães em tempos passados. Seus olhos analisaram o quarto com cuidado, demorando-se nos detalhes que Tecno parecia ignorar.
— Ela não está tentando achar o irmão dela — Dalia afirmou, sua voz firme, mas carregada de um entendimento silencioso.
Tecno a encarou, confuso.
— Como assim? Ela falou sobre Dante e…
Dalia ergueu uma sobrancelha, interrompendo-o com um gesto discreto.
— Dante pode até ter feito essa ideia surgir, mas não é o que ela está procurando. Olhe para os ouvidos dela.
Tecno inclinou a cabeça, finalmente notando os pequenos comunicadores presos aos ouvidos de Talia. Ela não estava apenas ouvindo música ou tentando se isolar; estava conectada à biblioteca de dados que tanto valorizava.
— Ela está revisando conteúdo — concluiu Dalia. Por isso não te escutou.
Tecno balançou a cabeça, como se estivesse tentando processar tudo.
— Senhora, fiquei feliz que Dante esteja vivo, mas está longe demais. E isso aqui — ele gesticulou em direção ao quarto desordenado, quase tropeçando em um livro ao fazê-lo. — Como não posso ficar preocupado sendo que ela está ali faz uns três dias?
Dalia cruzou os braços, pensativa. — Ela está entregando os relatórios dos experimentos de magnetismo?
Tecno assentiu com relutância. — Sim, mas…
— Então por que está tão afobado assim? A voz de Dalia ganhou um tom mais severo. — Não preciso te lembrar que não fazemos parte dos Comandos, não mais. Talia e Dante são farinha do mesmo saco, você deve saber disso.
Ela deu um passo em direção à confusão que Talia chamava de trabalho.
— Deixe a menina fazer o que faz de melhor. E nós… nós damos suporte da melhor maneira que podemos.
Tecno suspirou, claramente derrotado, enquanto observava Dalia se aproximar de Talia com um toque mais compreensivo do que ele poderia oferecer. No fundo, sabia que Dalia estava certa, mas isso não diminuía o peso da preocupação que sentia.
Dalia entrou no quarto com passos firmes, mas sua expressão era neutra, quase curiosa, enquanto observava Talia no meio do caos organizado. A jovem estava sentada à mesa, completamente absorta em seu trabalho. Com a mão direita, rabiscava freneticamente em um pequeno pedaço de papel, enquanto a mão esquerda manejava uma pena, anotando cálculos complexos em um pergaminho.
Sobre a mesa, diagramas rudimentares de portais e anotações sobre fluxos de energia estavam empilhados, muitos com círculos, setas e linhas que se entrecruzavam. A concentração de Talia era quase palpável, mas foi interrompida pela sombra de Dalia, que caiu sobre seus papéis.
Talia ergueu a cabeça lentamente, os olhos arregalados ao perceber quem a observava.
— Senhora. — A palavra saiu num sussurro nervoso, e ela engoliu em seco, como se tentasse esconder sua própria ansiedade. — Eu… estou trabalhando em um projeto pessoal. Nada muito… complicado.
Ela lançou um olhar furtivo para a porta e viu Tecno parado ali, balançando a cabeça em reprovação silenciosa. Não havia como disfarçar: eles sabiam exatamente o que ela estava fazendo.
Dalia, com um movimento deliberado, pegou um dos papéis repletos de números e variações. Ela examinou os cálculos com atenção, seus olhos correndo pelas anotações. Após alguns segundos, ergueu a cabeça e fez um sinal para Tecno. — Venha.
Tecno entrou no quarto, desviando cuidadosamente dos papéis e objetos espalhados pelo chão. Ele se aproximou, sua expressão ainda cética, mas intrigada.
— O Oficial Tecno tem a habilidade de trocar Energia Cósmica por outra — explicou Dalia para Talia, sua voz calma, mas carregada de autoridade. — Existe um mundo inteiro dentro da biblioteca sobre como as maiores mentes tentaram criar um portal estável. Elas catalogaram diferentes tipos de materiais que poderiam suportar a Energia Cósmica, mas nunca encontraram um capaz de se manter sem o suporte de um corpo humano. Nós temos a capacidade de armazenar e liberar energia; as outras criaturas, no entanto, apenas armazenam.
Tecno analisava os cálculos com atenção crescente. Suas sobrancelhas se erguiam conforme compreendia a complexidade do que estava diante dele.
— O que está tentando fazer — continuou, olhando diretamente para Talia — é algo que os Capitães tentaram antes. O papel, por exemplo, é um excelente condutor de Energia Cósmica, mas nós o utilizamos em conjunto com a tecnologia antiga, de cálculos e energia.
Ela apontou para um dos objetos na bancada ao lado.
— Está forjando com o material do Cubo, não é?
Tecno se aproximou do cubo na outra bancada. Com um gesto, estendeu a mão na direção dele. A palma de sua mão brilhou com um pulso sutil de Energia Cósmica, e o Cubo apareceu em sua mão, substituindo a folha que ele segurava antes.
O silêncio tomou conta do quarto. Talia observava com atenção, os olhos fixos nos movimentos de Tecno, sem entender completamente o que ele estava prestes a fazer.
Dalia cruzou os braços, a expressão serena.
— E então? Sua voz era um misto de curiosidade e desafio. — Ela está correta?
Tecno estudou o cubo por um instante, sentindo sua energia pulsar. Finalmente, ele olhou para Talia e esboçou um sorriso contido, algo raro vindo dele. Com delicadeza, devolveu o Cubo para as mãos de Talia.
— Parabéns, Soldado. Você acertou.
Talia segurou o Cubo com cuidado, como se fosse uma relíquia sagrada. Um brilho de satisfação misturado com alívio iluminava seus olhos. Dalia, ao observar a jovem, esboçou um pequeno sorriso, satisfeita. Tecno, por sua vez, não precisou de palavras; o reconhecimento estava claro em sua atitude.
— Isso quer dizer que estamos mais perto de termos uma viagem automatizada entre cidades – disse Dalia, cruzando os braços com ar pensativo. — Bom por muitos lados, mas ruim também. Você precisa considerar os Baloeiros e a parte do Comando que trabalha com estruturas aéreas. Isso complicaria bastante a vida deles. Muitas das reuniões que tivemos giraram em torno disso. Eles adoram dizer que um portal pode matar, mas um balão não.
— Como se cair de uma altura de centenas de metros não matasse um homem, não é? — Tecno brincou, arrancando um sorriso de Talia. — Talia, se for formalizar esse conteúdo, reúna tudo o que tem e registre como patente. Precisa deixar isso no nome da sua família. Assim, terá uma bonificação sempre que usarem os portais. Claro, se algum dia eles realmente existirem.
Talia concordou com um leve aceno, ainda absorvendo o momento. Tecno pegou a folha com os cálculos e a devolveu.
— E, falando nisso, você precisa terminar o projeto do Comandante…
— Já terminei, respondeu Talia com tranquilidade, sem erguer os olhos.
Dalia sorriu. A semelhança entre Talia e seu irmão era inegável, até mesmo no tom direto e confiante com que falavam.
Seus olhos pousaram na pilha de livros amontoados ao lado da bancada, claramente deixados de lado após uma leitura intensa. Pegou o primeiro da pilha e entregou a Talia.
— Achei que o projeto estava com uma frequência muito baixa por causa da quantidade de Cubos que usamos. Então procurei um dos livros que dizia que, quanto mais objetos recebem Energia Cósmica, maior a perda de eficiência. Foi quando pensei: e se usarmos os Cubos como armazenamento principal dessa energia? Poderíamos abrir um leque de possibilidades.
Ela pegou outra folha de cálculos e entregou a Dalia, que analisava com atenção.
— Pensei assim: já que nunca usamos os portais de forma eficaz, isso quer dizer que há potencial. Se conjurarmos o Cubo como catalisador, ele poderia abrir um portal sem usar o corpo humano como fonte primária de energia.
— E a Energia não seria usada pelo corpo, mas pelo objeto. — Dalia assentiu, claramente impressionada. — A ideia tem fundamento. Mas o que acha que seria necessário para isso funcionar?
— Usar um objeto catalisador faz com que a comunicação tenha intensidade suficiente para evitar que os Felroz percebam. Além disso, com base nos estudos de Trihel Armstrong, consegui decodificar as camadas três e quatro do sistema de transferência de mensagens que usamos. Isso nos dá uma base sólida para testar.
Tecno recebeu mais uma folha, mas Dalia levantou a mão, pedindo que Talia pausasse.
— Antes de prosseguir, vamos patentear tudo isso, certo? Quando achar que está na hora de aprimorar esses estudos com testes práticos, venha falar comigo.
Talia se virou para sua ampla bancada, pegou um pequeno papel e o estendeu para a Oficial.
— Já patenteei minha primeira ideia, senhora. E a segunda está em processo.
O sorriso que iluminou o rosto de Talia era genuíno, uma expressão que Dalia não via há tempos, exceto em outra pessoa.
— Você e seu irmão são realmente incríveis no que fazem – disse Dalia, pousando a mão no ombro de Talia e acariciando de leve. — Vocês se parecem muito, em muitos aspectos.
— Minha mãe sempre falava isso pra mim!
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