Índice de Capítulo

    — Então, o que está esperando? — desafiou, sua voz ecoando como o vento uivante ao redor.

    Dante permaneceu imóvel por um instante, analisando. Aquele golpe com a serpente fora desagradável, mas não devastador. Seu ombro ainda formigava do impacto, mas era um incômodo menor. A habilidade de Cerberus parecia clara: a cada ataque que recebia, ele mudava de estratégia, de poder. Um adversário que adaptava sua força às fraquezas do oponente.

    — Apenas vendo onde vou te acertar. — A resposta veio com a simplicidade cortante de uma lâmina, acompanhada por um passo firme à frente.

    Cerberus recuou instintivamente, os braços se ergueram como um escudo reflexivo. Dante não perdeu tempo. Em um movimento explosivo, ele encurtou a distância entre eles em um piscar de olhos, como um raio cortando o céu. O primeiro impacto foi como um trovão.

    Os punhos de Dante encontraram os braços de Cerberus em uma sequência de golpes rápidos e precisos. O mascarado era empurrado para trás, seus pés escorregando na neve que cobria a ponte de metal atrás dele. O som do aço enferrujado rangendo sob o peso da luta se misturava ao eco dos golpes.

    Cerberus tentou contra-atacar. Sua perna se ergueu em um chute rápido e calculado, mirando o torso de Dante. Mas Dante, com reflexos afiados, abaixou-se no último instante. Seu corpo girou com a graça de um predador, e ele desferiu um chute descendente, a força canalizada para esmagar seu oponente.

    O impacto foi devastador. O corpo de Cerberus foi lançado para trás, como uma boneca de pano arremessada por uma força invisível. Ele colidiu com a ponte, e o som foi um estrondo metálico que ecoou por toda a hidrelétrica. A estrutura rangeu sob o impacto, como se reclamasse do peso da batalha.

    Cerberus rolou pelo chão da ponte, a neve manchada de sujeira e ferrugem, até conseguir se levantar novamente. Ele olhou para Dante, o peito arfando enquanto sua mão tocava a marca visível onde o chute havia atingido. Seus olhos brilhavam com uma mistura de dor e fascínio, a máscara grotesca permanecendo imóvel enquanto o homem por trás dela parecia considerar sua próxima jogada.

    Dante permaneceu parado, os punhos cerrados e a respiração controlada, seus olhos fixos no oponente.

    — Vai ficar aí pensando ou vai me mostrar o que mais tem? — provocou, um sorriso perigoso se formando em seus lábios.

    A neve caía incessantemente, criando uma moldura etérea ao redor dos dois combatentes. O peito de Cerberus começou a brilhar com uma tonalidade esverdeada, como uma chama viva em meio à tormenta. A luz pulsava em sincronia com sua respiração, como se estivesse absorvendo energia da própria tempestade. Havia algo primitivo e visceral naquela manifestação, como se o corpo dele fosse uma máquina que se regenerava a cada segundo.

    Dante permaneceu imóvel, os olhos fixos no oponente. A luz verde parecia revigorá-lo, trazendo mais vitalidade ao mascarado. Dante franziu o cenho. Ele já havia notado algo peculiar sobre Cerberus: sua habilidade de mudar e adaptar poderes. Mas agora, diante daquela regeneração, ele ponderava as implicações.

    A mente de Dante estava em movimento, calculando. Cerberus não era treinado, disso ele tinha certeza. O golpe anterior fora um teste, e apesar da resistência do oponente, era evidente que sua força vinha da habilidade, não da técnica. Dante conhecia bem essa diferença. Render havia sido um professor implacável, moldando-o ao longo dos anos em um lutador cuja precisão e estratégia superavam a força bruta. Ele era um professor, alguém que demonstrava a arte do combate, e Cerberus parecia mais um aluno teimoso.

    A familiar voz da IA interna de Dante cortou seus pensamentos.

    Detectando habilidade de revitalização corporal.”

    Dante levantou um dedo em direção a Cerberus, indignado.

    — Ei, você está se curando? Isso não é justo.

    Cerberus ergueu a cabeça, a surpresa transparecendo até mesmo por trás da máscara grotesca.

    — Justo? — repetiu, com um tom quase divertido. — Consegue detectar que tipo de habilidade eu estou usando? Isso é injusto também. Estamos quites. O que me impressiona é como conseguiu me acertar daquela forma tão grotesca.

    O tom casual de Cerberus irritou Dante, e ele respondeu com um olhar fulminante.

    — Forma grotesca? Nem sabe de onde apanhou e está falando que sou grotesco?

    Cerberus deu de ombros, o brilho esverdeado de seu peito aumentando levemente, como se o poder estivesse reagindo ao embate verbal.

    — Não é sobre o jeito que luta, idiota. É sobre como faz isso de maneira tão rudimentar. Você não subestimou, e isso é raro. — Cerberus parecia sinceramente impressionado. — Diferente de todos os outros Impuros, você é… bem articulado. Esse lugar, a Capital, é de onde você veio, não é? Um homem usando roupas como as suas, com tanta força, não deveria estar aqui fora, no meio do…

    Dante interrompeu com um gesto impaciente, cansado do falatório.

    — Ah, cala a boca e vem logo.

    Ele avançou um passo, o peso de suas botas esmagando a neve com um som abafado.

    — Fala muito pra quem tá apanhando. Se não quer vir, então eu vou.

    Dante manteve a pressão, alternando entre socos rápidos e movimentos evasivos, até que fez uma breve pausa. Foi nesse momento que Cerberus atacou. Seus dedos se abriram, e ele lançou o torso para a esquerda, liberando uma rajada de chamas que se estendeu como um chicote de fogo. A ponte de metal gemeu sob o calor repentino, enquanto o gelo e a neve ao redor se transformavam em vapor com estalos audíveis.

    Entre o brilho do fogo e o rangido da estrutura, Dante reagiu. Ele abriu a mão, movendo-se com a agilidade de um guerreiro experiente. Usou a lateral dela para agarrar a cintura de Cerberus, puxando-o para frente com um movimento brusco. Cerberus foi arrancado do equilíbrio, e antes que pudesse reagir, Dante subiu o braço, agarrando sua máscara grotesca, pressionando-a contra o rosto e quase tocando o crânio.

    — Não se mova — murmurou Cerberus, sua voz baixa, mas carregada de determinação.

    Foi então que algo mudou. Uma sensação avassaladora percorreu o corpo de Dante, como uma corrente elétrica. Sua pele estremeceu, e por um momento, sua mente foi puxada para longe, para a Capital. Ele viu rostos familiares: Dalia, com o olhar severo mas protetor, e Rutteo, com seu sorriso caloroso. A Energia Cósmica dentro dele pulsou violentamente, pressionando como uma maré crescente, como se quisesse romper todas as barreiras de sua vontade.

    Cerberus parecia ciente dessa luta interna. Sua voz soou, reverberando como uma ordem, quase como se tivesse o poder de manipular os sentidos de Dante. Era uma prisão invisível, um cerne de controle que atacava diretamente a audição e a mente. Mas Dante não cedeu.

    Com um rugido gutural, ele reuniu toda a sua força. Houve um som agudo, como o estilhaçar de vidro, mas era algo mais profundo, como se o próprio ar ao redor estivesse se partindo. Dante usou o impulso, segurando Cerberus com firmeza. Ele girou o homem mascarado no ar, como se fosse um boneco, e o lançou com uma força devastadora.

    Cerberus foi arremessado em direção à cidade de Kappz, voando como um projétil descontrolado. Ele bateu com violência contra o chão antes de ser lançado contra a parede de um arranha-céu. O impacto foi brutal, despedaçando vidro e concreto, que caíram como uma chuva de fragmentos ao redor.

    Dante permaneceu na ponte, ofegante, seus punhos fechados com tanta força que as articulações estavam brancas. A sensação do poder que o controlara por um instante ainda reverberava em seu corpo, como um eco persistente.

    — Foi divertido — murmurou ele, a respiração ainda pesada, mas sua voz carregava um tom de satisfação sombria. — E é sempre bom lembrar que tem gente que está me esperando.

    Cerberus emergiu do buraco que ele próprio havia criado com o impacto, cambaleando, mas ainda de pé. A aura esverdeada pulsava como um coração vivo ao redor de seu corpo, curando rapidamente os danos devastadores que Dante havia infligido. Seu braço, antes torcido de maneira grotesca, realinhou-se com um estalo perturbador. Fragmentos de ferro que haviam penetrado em seu peito eram expelidos e os ferimentos fechavam-se como se nunca tivessem existido.

    — O que… você é? — murmurou Cerberus, sua voz entrecortada, mas ainda carregada de uma determinação feroz.

    Dante não respondeu imediatamente. Ele soltou um suspiro pesado, o vapor de sua respiração se misturando ao frio do ar. Seus olhos analisavam Cerberus com calma, como um professor avaliando o desempenho de um aluno. Quando finalmente falou, sua voz era carregada de um misto de cansaço e desapontamento.

    — Você não é o primeiro a usar isso em mim, garoto. — Ele balançou a cabeça, como se lamentasse a repetição de um truque antigo. — Confesso que fiquei um pouco ansioso. Essa é uma das melhores habilidades que já vi. Mas agora… você a fez parecer insignificante.

    Cerberus hesitou, surpreso. Ele estreitou os olhos por trás da máscara, enquanto sua aura pulsava, os tons de verde oscilando como uma chama instável.

    — Outra pessoa tem a ‘Ordem’? — perguntou, tentando esconder a surpresa em sua voz.

    — Claro. — Dante deu de ombros, como se fosse óbvio.

    Enquanto isso, o corpo de Cerberus continuava a se regenerar. Ele ergueu a mão, e sua pele começou a mudar novamente, transformando-se em algo semelhante a pedra, sólida e resistente. Dante observou atentamente, um leve sorriso se formando em seus lábios.

    — Defesa — comentou Dante, quase como se estivesse dando uma aula. — Seu corpo está reagindo de novo, não é?

    Cerberus olhou para suas próprias mãos, ainda tentando entender o que estava acontecendo. Ele sentia um impulso primal dentro de si, uma necessidade de adaptar-se, de superar.

    — Eu sinto que preciso fazer… tudo contra você. Que inusitado.

    Dante riu, um som grave e despretensioso, e balançou a cabeça.

    — Inusitado? — Ele inclinou-se levemente para frente, apontando com o charuto. — Você está com medo e nem percebe. O corpo reage sempre que encontra algo que não consegue superar. Eu conheço essa sensação. Sinto isso quando estou aqui. Não porque estou enfrentando você, mas porque tenho muita coisa que preciso fazer.

    Cerberus ficou em silêncio, absorvendo as palavras de Dante. A máscara escondia sua expressão, mas seus punhos cerrados e a aura que agora oscilava entre verde e amarelo denunciavam o conflito interno.

    — Você está lutando por algo que espera há mais de nove anos — continuou Dante, com um tom mais sério. — Está prestes a perder, e seu corpo sabe disso. Ele não está pedindo para vir pra cima de mim?

    Cerberus deu um passo à frente, sua voz grave cortando o som da tempestade.

    — Consigo controlar minhas emoções e ser mais forte. Aquelas pessoas disseram que, se eu morresse, então eu não seria digno de entrar na cidade.

    Dante estreitou os olhos, a curiosidade e a pena misturando-se em sua expressão. Ele deu um passo à frente também, suas botas esmagando a neve com um som pesado.

    — Mas você sabe que isso é uma mentira, não é? — Dante exalou, o charuto pendendo de sua boca. — Você está tanto tempo aqui que nem sabe mais por que está se contendo. Eu vejo isso.

    Cerberus hesitou, mas então sua aura mudou. O verde desapareceu, substituído por um amarelo brilhante, quase ofuscante. Ele ergueu o queixo, a postura mudando.

    — Mas você está certo, velho. — Sua voz era mais baixa, mas carregava uma determinação sombria. — Estou há tanto tempo aqui que já não sei mais o que estou esperando.

    Dante riu novamente, e dessa vez havia algo quase paternal em sua risada.

    — Minha proposta ainda está de pé. — Ele largou o charuto na neve, esmagando-o com a bota. — Vamos lutar, garoto. E eu vou te mostrar a verdade que você não quer enxergar por trás dessa máscara.

    A atmosfera mudou instantaneamente. As auras de ambos cresceram, rodopiando como ciclones em miniatura. A tempestade ao redor parecia responder à energia que emanava dos dois, os ventos aumentando de intensidade, girando em torno deles.

    Pingos de chuva começaram a cair, transformando a neve em uma lama escorregadia. E então, o som dos céus explodiu em um trovão, um rugido que ecoou como se o próprio mundo estivesse torcendo pela batalha que estava por vir.

    Dante sorriu, agora sem o charuto, mas com a mesma confiança de sempre.

    — Vamos lá, garoto. Mostre do que você é feito.

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