Capítulo 24 — Será que volta?
Kalira achava aquilo um absurdo. Só porque era uma mulher ela iria fazer drama com o que estava acontecendo? Talvez considerassem isso por causa da sua aparência jovem, mas não eram capazes de observar a experiência e capacidade do ser que possuía aquele corpo? Um total ultraje.
Dito isso, a bruxa ergueu sua mão direita com um movimento em arco. Seguindo seu movimento, um véu escuro cobriu o corpo dela nas trevas, ocultando sua presença. Seu plano era usar a invisibilidade temporária para sair dali, mas a sulfurizada Sofia não planejava deixar isso acontecer. As raízes que compunham seus cabelos se estenderam e agarraram no pé da moça, puxando-a para si.
— Merda! — ela reclamou.
Enquanto era arrastada pelo chão, sua mão esquerda fez alguns sinais alternando entre seu dedo mindinho, indicador e anelar.
— Ente Obscuro: Sombra Atada! — conjurou Kalira.
De repente, Sofia não conseguia mais mover o seu cabelo e nem o seu corpo. Sua sombra tinha desaparecido e sua pele parecia estar emitindo um vapor enegrecido.
— Que? O que você fez, bruxa? — perguntou ela, tentando balançar o próprio corpo.
Suas unhas se estenderam mais uma vez, porém muito mais afiada graças a quantidade de magia recuperada. Com um simples movimento, ela arrancou as raízes que prendiam seu pé.
— Bruxaria, não é óbvio? — respondeu Kalira.
Seu corpo rolou pelo chão na direção da sulfurizada paralisada, que não conseguia compreender o que a prendia ali. De repente, as mãos da bruxa e suas unhas laminadas voavam direto na direção do seu pescoço, prontas para arrancar sua cabeça fora. Sofia fechou os olhos, aguardando o inevitável.
— Você é bem trapaceira, hein? — disse o sulfurizado.
A sulfurizada abriu os olhos, percebendo que sua cabeça ainda permanecia colada com o corpo. Ao prestar atenção no que estava na sua frente, viu a bruxa com ambas as mãos presas pelo seu irmão mais novo Silas. Seu tamanho enorme fazia Kalira parecer uma criança perto dele.
— Você está apertando meu pulso com muita força! Tá doendo! — reclamou, vendo como seus braços estavam erguidos por aquele brutamontes.
— Me perdoe. Se eu arrancar seus braços, eles não vão mais incomodar, certo?
Silas abriu seus longos braços translúcidos, cada mão segurando um dos pulsos da bruxa. Como seus braços eram maiores e mais fortes que os dela, o resultado seria bastante óbvio. Em alguns segundos, a pele da axila da mulher começou a rasgar, enquanto a dor dos seus músculos sendo estirados beirava o insuportável.
Antes que ele conseguisse continuar, seu rosto se inclinou para o alto, na direção da face de Silas. Sua garganta fez um som raspado e suas bochechas se contraíram, seguido de uma enorme cusparada direto em sua cara.
Silas nem mesmo fechou os olhos, mesmo com toda aquela saliva no rosto.
— Se isso foi uma tentativa de forçar minha distração, então devo dizer que foi patética-
De repente, a saliva translúcida ficou enegrecida, viscosa e corrosiva. Ela se expandiu em seu rosto como se cada partícula criasse pernas e corresse pela face do sulfurizado. Embora não sentisse dor, algo estava danificando seus sentidos muito rapidamente, o que o forçou a soltá-la e a tentar puxar o que quer que estivesse em sua cara.
Sofia, vendo que seu irmão tinha sido sacaneado também pela bruxa, começou a atiçar o seu sangue negro. De repente, suas veias douradas começaram a brilhar em um tom incandescente de laranja. A luz era tamanha que fez o vapor negro que escapava do seu corpo, devolvendo sua sombra e consequentemente seus movimentos.
Ao ver aquilo, Kalira imediatamente estendeu suas unhas e tentou atacá-la novamente, mas da mesma forma que uma bruxa superava um druida completamente no combate, um sulfurizado faria a mesma coisa com uma bruxa. Apenas uma das raízes se moveu e prendeu completamente o braço da mulher. Kalira tentou atacar com a outra mão, mas a raiz prendendo sua mão esquerda puxou seu braço em direção ao chão, desestabilizando seu corpo. Sua perna direita acertou uma rasteira na bruxa, derrubando-a.
— Seu corpo é tão fraco que chega a me dar pena — disse Sofia.
A raiz presa no braço da bruxa a ergueu novamente, mas dessa vez a arremessou pelo ar na direção oposta do templo. No meio do ar, Kalira desesperadamente se encolheu e conjurou:
— Ente Obscuro: Movimento Entrópico.
Antes que atingisse um tronco de árvore, seu corpo foi envolvido em sombras e simplesmente desapareceu, deixando nada além de um rastro de fumaça.
— Que? Como assim ela sumiu? — questionou Sofia, indignada.
Silas finalmente conseguiu retirar a massa negra que corroía seu rosto. Sua visão estava um pouco danificada, mas o resto parecia completamente normal.
— Ela conseguiu fugir? Não deve estar longe. Julgando a forma como ela lutou conosco, seu poder mágico está beirando ao esgotamento. Vamos achá-la.
— É, mas ela pode estar em qualquer direção desse lugar. E sabe-se lá mais que truques uma bruxa como ela pode ter! Nós a encurralamos, a superamos fisicamente e ela está quase sem magia, mas quase me matou duas vezes e chegou bem perto de te cegar! Eu juro, essa vadia tá me tirando do sério.
Sofia se moveu na direção onde tinha jogado a bruxa, mas a enorme mão de Silas repousou sobre seu ombro.
— Não precisa ir procurá-la, o Sião já está indo buscá-la. Nosso irmão mais velho é o melhor entre nós para localizar os outros.
Aquilo fez Sofia ficar um pouco preocupada.
— Mas será que ele não vai ficar vulnerável aos ataques daquela bruxa? Sabe-se lá o que ela pode fazer!
— Fique tranquila, ele tem uma carta na manga. Não vai demorar muito para ele trazer a cabeça dela até aqui. Tive uma ideia! Que tal se procurarmos pelos cadáveres enquanto isso? — perguntou ele. — Do jeito que aquela bruxa é, eles devem estar dentro do templo.
— Será? Esse lugar parece ser assustador.
Silas ergueu uma sobrancelha.
— Sofia, somos uma forma de vida superior. O que quer que tenha aí dentro, não é páreo para nós.
Com esse argumento aparentemente incontestável, ambos entraram templo adentro. Embora ainda fosse de dia, seu interior era completamente escuro e silencioso. Seus olhos escurecidos começaram a brilhar em um tom alaranjado, iluminando suavemente o seu caminho.
— Isso aqui parece que foi abandonado há muito tempo — disse Sofia, observando o que restou da mobília.
O sulfurizado mais novo encostou sua mão no chão. Ali, suas raízes douradas brilharam mais intensamente. Era como se sua natureza estivesse conectada com a energia daquele lugar.
— O quão forte poderíamos ficar se conseguíssemos dominar plenamente esse poder? — murmurou Silas.
De repente, a voz da sua irmã surgiu ecoando através daqueles corredores.
— SILAS! VENHA VER ISSO DAQUI!
O sulfurizado percorreu entre os corredores avidamente, sentindo intensamente a força da mesma energia que o movia ficar cada vez mais forte. Quando encontrou Sofia, ela estava olhando atentamente o que parecia ser uma sala de batismo, com sua piscina completamente envolta em uma luz branca intensa e borbulhando.
— O que diabos é isso? — perguntou ele, intrigado.
— E se eu for lá e tocar? Será que acontece algo? — questionou Sofia.
Ele deu de ombros. O que significava que também estava curioso, mas que não iria assumir o risco de tocar. A moça, por sua vez, viu aquilo como um incentivo para fazer o teste. Cuidadosamente, se aproximou da piscina e encostou seu dedo indicador nele.
No mesmo instante, ela se arrependeu. A água que aparentava estar quente imediatamente congelou todo o seu antebraço, forçando-a a saltar para trás.
— Sofia! O que aconteceu ali? Por que seu braço está congelado?
A moça concentrou toda sua energia sulfúrica para derreter a grossa camada de gelo que havia se formado sobre ele. Aos poucos, o movimento do seu braço direito retornava.
— Não sei! Algum tipo de reação poderosa tá acontecendo ali dentro. Acho que não deveríamos interferir.
De repente, o templo começou a tremer. O brilho dentro da piscina ficou mais intenso e rachaduras se formavam tanto nas paredes quanto no chão. Uma névoa branca e frígida se condensava cada vez mais no ar, formando cristais de gelo por todo o ambiente.
— Vamos recuar. Podemos lidar com o que acontecerá depois, a prioridade é a nossa integridade física.
Do outro lado da selva…
Kalira recostou na sombra da árvore atrás das suas costas, enquanto massageava seu ombro direito. Se tivesse aberto a menor das brechas, seu corpo já estaria em pedaços. Pior que a dor que sentia, era como seu ego como bruxa estava ferido. A melhor coisa que poderia fazer era recuar e se esconder na selva, até o druida sair da sua cola.
— Eu disse para não fazer drama, bruxa. E aqui está você, fugindo como se sua cabeça estivesse a prêmio.
Ao olhar para sua esquerda, o sulfurizado com uma enorme capa residia sentado sobre o galho de uma árvore, encarando-a atentamente. Aquilo a deixou confusa, pois tinha certeza de estar a pelo menos um quilômetro de distância do templo.
— Como me achou? — perguntou.
Sião desceu da árvore, balançando o que parecia ser um pedaço de metal pequeno e leve, como uma adaga.
— A cada momento que um sulfurizado passa nesse território, ele acaba evoluindo com o tempo. Eu adquiri a habilidade de detectar origens místicas em um alcance bem considerável. Esse lugar está repleto de magia sagrada, você é a única aberração no meio dessa selva.
Imediatamente, Kalira mexeu as mãos e as apontou na direção do sulfurizado.
— Ente Obscuro: Sombra Atada — conjurou.
No instante em que a sombra do Sião começou a evaporar, um brilho intenso surgiu da sua pele, destruindo a manifestação da magia obscura e mantendo sua sombra no lugar. Um sorriso de desdém surgiu em seu rosto, seguido do seu avanço imediato na direção da bruxa.
Antes que ela pudesse reagir ao fato de ter sua magia cancelada, o sulfurizado acertou um soco em seu abdômen, removendo todo o ar dos seus pulmões e fazendo sua visão escurecer por algumas frações de segundo. Ela tentou se firmar com os pés, mas o que veio em seguida foi uma cabeçada violenta do sulfurizado contra o seu rosto, derrubando-a no chão.
Ela cobriu a face com suas duas mãos, sentindo seu sangue escorrer pelo nariz. A dor era inebriante, impedindo-a de se concentrar no seu oponente. Com seu pé direito, ele pressionou o ombro da mulher contra o chão. Como se não bastasse a dor que estava sentindo na sua cabeça, seu ombro estava sendo esmagado lentamente.
— Confesso que eu criei um pouco de expectativa quando fui te enfrentar. A lendária bruxa das sombras com suas centenas de maldições. Porém é impressionante quão patética você é sem suas ferramentas e suas magias.
— Quer dizer que essa velha aqui nem terá um pingo de respeito em sua morte? — murmurou Kalira, contorcendo-se de dor.
— Uma velha que rouba corpos de jovens não merece nenhum respeito. Pelo menos você terá a decência de fornecer os nutrientes do seu corpo para a Selva de Concreto. Agora em relação a sua cabeça, não sei o que irá acontecer-
Antes que conseguisse concluir seu raciocínio, um feixe de luz surgiu na direção do templo. Tanto Sião quanto Kalira olharam na mesma direção, se perguntando o que tinha acabado de acontecer. A luz se estendia até o céu e não parecia ter fim, mesmo brilhando após um minuto inteiro. Então, pequenos flocos de neve começaram a cair sobre seus ombros.
— O que você fez, bruxa? — perguntou Sião, confuso.
A mulher deu um sorriso, com seus dentes completamente manchados de sangue.
— Quando eu souber eu te respondo.
O canto direito do seu lábio se ergueu, demonstrando o desprezo em relação a resposta. Sião ergueu sua lâmina sobre a cabeça, prestes a cortar a cabeça da bruxa. Vendo que não tinha mais escapatória, tudo que ela pôde fazer foi fechar os olhos.
— Senhor Mais Sombrio, eu sei que implorar não é um costume comum entre nós bruxas, mas se puder me ajudar dessa vez eu ficaria eternamente grata. Por favor, por favorzinho? — murmurou Kalira.
Quando a lâmina estava prestes a descer, Sião sentiu uma perturbação em seus sentidos. Uma fonte de poder, não obscura, não primordial, não sagrada e nem arcana, estava se movendo rapidamente em sua direção. A falta de informação, somada a desconfiança, o fez se preparar para o pior.
De repente, rompendo o solo com uma velocidade completamente inesperada, dezenas de cristais pontiagudos congelados surgiram na superfície, forçando o sulfurizado a recuar o mais rápido possível. Se não fosse sua velocidade nata, estaria completamente empalado naquele momento.
— O que está acontecendo?
Ele olhou na direção de Kalira, que também estava assustada e presa embaixo de um dos cristais. Alguma coisa muito horrível tinha acabado de surgir no meio de toda aquela luz. Segurando sua lâmina com mais intensidade, ele a ergueu na altura do seu rosto, se preparando para o pior.
— Como é uma merda estar de volta!
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