O Mundo Pintado de Boceanósque – Parte Um
Em um pequeno santuário, que se escondia entre as ruínas de uma cidade outrora grandiosa, agora, esquecida pelo tempo; uma garotinha, de aproximadamente dez anos de idade, despertava, de dentro de uma cápsula criogênica, de um sono profundo e relativamente longo.
Seus olhos prateados, brilhantes e inocentes, que refletiam, de maneira angelical, a pureza que existia em seu coração; se esforçavam para se acostumar com a luz artificial da sala.
E conforme a sua vista, gradativamente ia compreendendo as formas — e as cores dos objetos sólidos próximos a ela — em suas pupilas, era projetada a imagem de uma figura feminina adulta, de cabelos escuros e olhos cor-de-rosa, que a encarava com uma expressão gentil.
— Olá, Sacerdotisa da Luz! — disse a mulher, sorrindo, enquanto fazia uma breve reverência. — Eu sou aquela conhecida como: A Representante da Vontade Maior. E para honrar a última promessa que fiz ao seu pai, atravessei o universo inteiro, apenas para encontrar você!
Ela soltou a barra de seu vestido, ergueu o rosto e os seus olhos se encontraram com os da primeira.
— No ponto mais alto desta cidade, seguindo pelo Norte a partir daqui — continuou. — Existe uma catedral, banhada pela luz da lua cheia; onde sua mãe, detentora de uma magia poderosa, sacrificou, todo o seu tempo de vida, para selar, temporariamente, um poderoso mal antigo…
A garotinha piscou os olhos, abaixou levemente a cabeça e juntou as suas mãos no peito. Era como se, em algum lugar do seu pequeno coração partido, ela já tivesse noção daquilo. E tudo o que podia fazer, era apenas lamentar.
Sentindo empatia pela pequena Sacerdotisa — e desejando curar, à sua maneira, todas as suas feridas — a Representante da Vontade Maior deu um passo para frente, estufou o peito e exclamou com bastante intensidade:
— Sob o meu comando, tenho o controle de uma poderosa força militar, que no passado, já foi liderada pelo seu próprio pai! — disse ela, com os seus olhos cor-de-rosa brilhando como luzes de Neon. — E cada um deles, seja homem ou mulher, está disposto a resgatar, a família que o seu Capitão amou.
Os olhos da Sacerdotisa se iluminaram por um instante, e tomada por uma mistura de várias emoções, a sua expressão melancólica logo se tornou esperançosa.
— Venha, pequenina. Filha de meu súdito e sucessora do seu legado! Aqui, eu juro; que até o final desta história, você será capaz de se reencontrar com a sua mãe! Nem que para isso, seja necessário eu reescrevê-la! — completou a mulher, sem um pingo de hesitação, enquanto estendia a sua mão.
Atraída pelo calor daquelas palavras — e sentindo o seu coração palpitar — a garotinha moveu o seu corpo para frente, pegou na mão direita da segunda e, com a ajuda dela, se ergueu.
O interior do santuário — que não possuía muitas decorações ornamentais — era revestido por uma série de pedras bem polidas, todas semelhantes ao mármore, com diversas linhas de energia, que se conectavam umas às outras, e seguiam, de maneira uniforme, até o centro do altar.
Alimentando, dessa forma, a cápsula de suporte vital.
No fundo da sala, fincado de maneira bem firme no chão, havia um estandarte, imponente e majestoso, com os dizeres: “GLÓRIA À DEUSA IMPERATRIZ DA HUMANIDADE”. E ao seu lado, como se fizessem parte do mesmo conjunto, outras duas bandeiras — que apesar de chamuscadas — destacavam o brasão de um escudo, e o número quatro estampado em seus tecidos.
Com um sorriso no rosto e o seu coração transbordando de alegria — apesar das lágrimas, que inevitavelmente caíam — a Representante da Vontade Maior pegou um dos estandartes, virou o seu corpo para o lado e, junto da pequena Sacerdotisa, caminhou de cabeça erguida para o lado de fora.
E no instante em que seus pés cruzaram a porta, um campo semiaberto, tomado pela neve e guardado por centenas de soldados — que se posicionavam dos dois lados, formando um caminho livre em linha reta — logo se mostrou diante dela.
— Imperatriz! — disseram eles, em uníssono, enquanto se curvavam em sinal de devoção.
E conforme ela caminhava — de mãos dadas com a pequena Sacerdotisa — os olhos dos soldados se moveram para o estandarte, e do estandarte para a garotinha, e as suas expressões, que até então estavam sérias; agora, se mostravam cheias de alegria.
E da alegria veio o orgulho, do orgulho se formou o respeito, e do respeito se consolidou a admiração.
— Está vendo isso, Sacerdotisa da Luz? — disse a Representante da Vontade Maior, sorrindo. — Cada um desses soldados, que te saúdam com respeito; tiveram as suas vidas salvas, pelo seu próprio pai!
E embora ela estivesse se sentindo intimidada, por estar diante de centenas de soldados — que portavam armas de fogo e uma armadura capaz de voar — a pequena Sacerdotisa observava tudo fascinada. E apesar de não conhecer nenhum deles, o símbolo em seus peitos, estandartes e ombreiras, era familiar a ela.
O que fez seu coração se encher de nostalgia.
E no instante em que as duas chegaram ao final daquela formação, uma figura masculina adulta, com pelo menos o triplo do tamanho delas — e portando um martelo de guerra — as recebeu.
— Imperatriz! — disse o rapaz, em um tom potente, se curvando em sinal de devoção. — Então é ela? A criança do meu Irmão de Armas?!
— Está correto, Coronel! — respondeu a segunda, movendo a garotinha para frente.
Com os seus olhos arregalados — e sentindo o seu coração sendo perfurado — o terceiro acrescentou:
— De fato, não há como negar. Ela possui os mesmos olhos que os dele!
E, com uma expressão que transmitia tanto alegria quanto tristeza, ele completou, esboçando um sorriso:
— É uma honra conhecê-la, filha do meu braço direito e melhor amigo!
Embora a sua voz soasse de maneira calma, era possível perceber — em cada uma de suas palavras — um misto de angústia e de pesar. E apesar da sua tristeza, em seus olhos, ardendo como chamas, havia um sentimento de dever, para com aquela vida que o observava de maneira tão gentil.
Compartilhando do mesmo sentimento de tristeza, e desejando confortar, à sua maneira, o coração ferido daquele rapaz; a pequena Sacerdotisa deu um passo para frente, cerrou o punho e levou a sua mão direita até o peito.
Nenhuma palavra foi proferida por ela, porém, o seu pequeno ato — que logo foi reconhecido pelo Coronel — foi o bastante para inspirar a sua alma e erguer sua moral.
E compelido por um sentimento de orgulho — e também de nostalgia — ele ergueu seu corpo, estufou o peito e, de maneira firme, proclamou:
— Dever e Honra! — disse ele, levando a sua mão direita até o peito.
E os soldados que estavam atrás deles fizeram o mesmo, e juntos repetiram, em alto e bom som: “Dever e Honra! Dever e Honra!”.
Fazendo o chão daquela área tremer.
Ao longe, o som de várias badaladas de um sino pôde ser ouvido, e a neve — que gradativamente caía — foi ganhando ainda mais intensidade.
De repente, vários sinalizadores foram disparados — pintando o céu noturno da cidade de vermelho — e o som de uma sirene, misturado ao barulho de diversas rajadas; logo ecoou por todos os lados.
— Bombardeio Orbital! — gritou um dos soldados, alarmado, enquanto apontava o seu dedo para o alto.
— Preparem as defesas antiaéreas! — acrescentou um capitão, agitado, dando ordens para todos os lados.
No céu, rasgando a atmosfera e caindo como meteoros na terra; milhares de casulos — de aparência alienígena — eram lançados de um Cruzador Espacial, que orbitava, de maneira estratégica, os arredores do planeta.
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