Dois dias inteiros, Haivor tentou ajudar Zemlya, ficando ao seu lado. O rapaz não parava quieto, estava sempre sendo requisitado por Ptitsa que também se encontrava em lugar diferente a cada chamada. Sentado diante a garota com o caroço gigante na perna, Haivor segurou o braço dela e Zemlya em prendê-la na cama.

    Ptitsa balançava uma faca pequena, com lâmina menor do que um dedo mindinho, e fez um simples corte no caroço. O pus esverdeado escapou. E em seguida, Ptitsa cutucou a ferida, casualmente.

    – Vamos testar seus conhecimentos sobre animais, Haivor. – A Velha Ave se divertia enquanto a garota rangia os dentes de tanta dor. – Digamos que seja um animal peludo, alto, com garras e pernas longas, sem asas. O que você chutaria?

    – Não deveria focar atenção nela?

    – Ela está bem. Olhe para a cara dela, está sofrendo, isso quer dizer que estou na parte certa. Um caroço desses não é uma doença. Bom, é uma doença porque está dentro dela, mas também não. – Ele deu de ombros, sorrindo. – Não sei como posso te explicar.

    – É um parasita – Haivor conhecia o termo.

    – Não, claro que não. O animal que estou falando não é pequeno. Estou falando de um grande. Você está me escutando?

    O berro da garota chegou a proporções de fazer Zemlya virar o rosto.

    – Estou falando dessa doença. – Haivor se irritou. – O animal que você quer é um Iaco. Uma criatura que caça a noite, uma modificação direta dos lobos negros. Agora, pode fazer o favor de tirar o dedo dai?

    Ptitsa retirou e limpou em uma toalha molhada, satisfeito.

    – Perfeita colocação – disse a Velha Ave. – Acertou os dois, no caso. É um parasita da terra, querida.

    Com um puxão, uma centopeia ensanguentada saiu, com quase meio metro de comprimento. Se debateu de um lado para o outro, tentando escapar das mãos do velho, isso até ser jogada em uma bacia funda.

    – O inchaço vai permanecer por mais uns dois dias. A pele vai cicatrizar e você vai estar voltando a andar em menos de dois dias. O que é ótimo, porque vai ser o tempo de irmos para a Muralha. – Como se algo acendesse nele, virou-se para Zemlya. – Já arrumou suas coisas para partir? Não quero nada faltando.

    Zemlya parecia muito acostumado com aquela estranha façanha de Ptitsa. O humor estranhamente negro mesmo durante uma vida estando em jogo. Haivor não gostava de como ele tratava os pacientes. Diferente de Oiajim ou Zemlya, ele era indelicado demais.

    – Arrumei, mestre. Tudo está nos anéis que o senhor Olivier deixou para nós. As ervas e pomadas, cada uma em um lugar diferente. Perguntou isso mais de duas vezes só hoje.

    – Só pra ter certeza. – Acariciou a barba espessa. – Temos que nos organizar muito bem para o que está por vir. Será que o clima vai continuar ruim? Seria bom chegarmos lá sem nenhum tipo de prejuízo.

    – Acho que vai estar nublado – respondeu Zemlya. Enfaixou a perna da jovem e tapou o corte com uma pomada da mesa. – Queria que não fosse tanto tempo andando. Vai ser muito difícil levar todo mundo.

    – É verdade. – Ptitsa largou a faca na bacia e depois cuspiu no balde onde a centopeia tentava sair. – Precisamos rever com Coiil como ele vai transportar todos daqui. Espero que ele tenha levado também os curandeiros que prometeu para lá.

    O Comandante Coiil tinha dado uma oportunidade a Casa de Repouso de se transferir para um lugar mais distante. Ptitsa não hesitava em dizer que queria ir para lá, mas como iriam levar todos, isso era algo que nem mesmo ele tinha conhecimento.

    Haivor conhecia pessoas estranhas, mas a Velha Ave estava no topo, claramente. O sorriso dele em momentos sérios, a seriedade para questões simples demais, até mesmo sua voz meio arrastada misturada naquela couraça de pelo de urso que usava sobre os ombros.

    – Haivor, você pegou seus anéis? – Zemlya perguntou, limpando as mãos na água da bacia. – Oiajim disse que deixou na sua cama.

    – Ah, peguei.

    Eram os anéis e colar que estavam com ele durante o último ano. Melhor dizendo, no ano anterior. Desde que tinha adormecido, seus pertences foram substituídos por roupas mais leves e melhores. O frio da Muralha Oeste era avassalador, e Haivor acreditava que algum tipo de magia de aquecimento era usado na Casa de Repouso.

    Ele tirou o Colar Poko no pescoço. Fitou por um tempo.

    – O que foi?

    Olhou para o rapaz sentado.

    – Nada. Esse é um objeto antigo, ganhei de um inimigo. – Sorriu. – Um velho Mago chamado Kralus.

    Ptitsa fazia um curativo menor na perna da garota quando ouviu.

    – Kralus? O Mago Branco? Esse Kralus?

    – Não sei como chamavam ele – admitiu Haivor. – Mas, esse é o nome dele.

    A Velha Ave se animou.

    – É um cara grande, de cabelos brancos e olhos feios. Parece um porco com duas patas e usava um cajado com um livro. É esse?

    – Tirando a parte dos insultos, ele tinha um cajado e um livro, sim.

    Ptitsa soltou uma risada alta.

    – Então, a notícia de que alguém tinha aposentado o velho era real mesmo. Disseram que o Colar Poko foi tirado dele.

    Haivor ergueu o objeto segurando pela corrente.

    – É minha marca da vitória. – Era uma memória boa, mesmo que tenha sido um ataque contra a Torre Mágica. – A gente tinha marcado de se enfrentar um ano depois de nosso último encontro. Eu iria vir até o Grande Continente, marcaria um lugar para duelarmos. Uma revanche.

    – Loucura achar que pode ganhar dele. – Ptitsa enfiou um algodão embaixo da faixa e molhou com álcool. A garota soltou um berro. – No auge, nem mesmo os Arcanos conseguiam duelar contra ele. Você deve conhecer Piey ou Hella.

    – Conheço.

    – Os dois, juntos, perderam para Kralus.

    Haivor foi pego de surpresa. O Mestre Arcano Piey era o construtor das Pilastras Gravitacionais, usadas diretamente para os Pedidos do Grande Continente. Sua fama, como de costume, era a maior entre os Arcanos. Diziam que o homem tinha duelado contra o próprio Asumir, uma vez, e chegaram ao empate.

    Difícil imaginar que Kralus era tão forte.

    – O Mago Branco – Ptitsa repetiu como grande entusiasmo. – Era difícil não admirar aquele homem, ainda mais que temos idades parecidas. Bom, agora que ele se aposentou e mora afastado dos Magos, nem deve estar mais atrás de problemas.

    Ptitsa limpou as mãos, trocou a toalha da cabeça da garota e a deixou na cama. Haivor e Zemlya o seguiram para fora, recebidos por Oiajim logo de cara. O homem carregava uma prancheta na mão e sua face era angustiada.

    – Já falei que não vai dar, Ptitsa. – Olhou por cima do ombro. – São muitos para levarmos nesse tempo. E um dos mensageiros de Olivier disse que uma tempestade está pra vir. Precisamos de mais uma duas ou três, no mínimo.

    – Cinco não são suficientes?

    Era raro ver Ptitsa muito pensativo. Em momentos complicados, ele se tornava uma nova pessoa, como se o humor estreito morresse e a personalidade centrada revivesse.

    – Não temos mais fundos para comprar pedras roxas. Nem mesmo um Mago daria para nós.

    – Se não conseguirmos, vamos deixar mais de cem pessoas para trás. – Oiajim não cedeu no olhar. – Do que adianta ir para um lugar melhor se vamos deixar pessoas doentes para trás? Releve um pouco o pedido do seu amigo. Olivier vai acatar em não ir agora.

    – Se não formos agora, não teremos mais uma chance. Você não conhece aquele Pato Manco. Vai querer cobrar. Além do Adam e Raul que vão chegar em dois dias. Eles odeiam esperar, ainda mais quando são convidados.

    Pedras roxas eram usadas para transportar pessoas. Os Magos, Arcanos e Adesir usavam para serem direcionados de volta a Torre Mágica. Haivor tocou o bolso interno da sua segunda camada de roupa.

    – Acho que… – ele puxou dez pedras pequenas, todas triangulares. – Isso serve?

    Os olhos de Oiajim brilharam mais do que as pedras a luz das tochas. Ele pegou uma, sorrindo.

    – São perfeitas. Olhe esse entalhe. Foram feitas na Torre Mágica?

    – Sim, foram dadas a mim quando vim para o Grande Continente. – Haivor havia deixado outras duas em seu bolso. – Se precisam delas, não tem problema.

    Ptitsa lhe deu um tapa nas costas, comemorando.

    – Problema resolvido pelo nosso ilustre amigo Haivor. Agora, temos o necessário para partimos, certo? Faça as pedras funcionarem, Oiajim, e vê se não deixa ninguém pra trás.

    O homem cuspiu cinco xingamentos em Ligariano antes de sair com sua prancheta.

    – Os preparativos para os doentes partirem será em menos de um dia – Ptitsa disse aos dois. – Mas, não estamos incluídos na remessa. Teremos que ir a cavalo.

    Zemlya já sabia disso e fez aquela cara cansada logo cedo.

    – Sem fazer birra. Eles precisam mais do que nós.

    Metade do dia a seguir, eles prepararam os doentes para que ficassem suas camas. Alocaram os animais do curral para uma ala reservada, mais a fundo da Casa de Repouso, e deixaram os moradores sentados no segundo andar, em uma salinha pequena.

    Do lado de fora, Oiajim usava um bastão com entalhes profundos para cruzar ligamentos no solo, tendo que atravessar a neve e as cristas de gelo. O imenso círculo que rotacionava a morada estava quase completa, e chegando a noite, eles tinham que se apressar.

    – Deixe que eu faço isso. – Haivor tomou uma das pedras roxa de Oiajim. – Vi você fazendo das outras vezes. Vamos acelerar o tempo. Ptitsa já disse que se escurecer, vai ser difícil levar todo mundo.

    – Certo. Ela vai flutuar quando começar a brilhar. Só soltar que a pedra vai fazer o trabalho sozinha.

    O imenso círculo tinha dez pequenos círculos pelas pontas, era desenhada justamente para criar uma amplificação do uso do teleporte. Para Oiajim conseguir criar algo desse porte, ele deveria ter um conhecimento bem profundo dos círculos mágicos.

    E não era diferente com Ptitsa. O velho conhecia muito sobre núcleos mágicos, e falava sobre a magia como se sempre a usasse. Curandeiros estudavam somente a arte de sarar ferimentos, doenças e se especializavam em algo da própria área. Esses dois eram diferentes.

    – Pronto – Zemlya gritou de uma outra ponta, segurando a pedra roxa. – Está flutuando. Haivor.

    – Aqui também. – Ele soltou quando a pedra brilhou mais forte e foi puxada para cima.

    O círculo desenha a mão brilhou em um tom vermelho e depois escureceu, se tornando um roxo bem forte. Uma barreira se ergueu, engolindo a Casa de Repouso. Haivor caiu sentado ao ver que a mana pulsava fortemente, envolvendo tudo dentro.

    – Não encoste nela – ouviu Oiajim berrar distante. – Temos que ficar esperando.

    A barreira escureceu ainda mais, enegrecendo o interior, e então, sumiu. O brilho desapareceu e junto dele, a própria Casa de Repouso.

    Haivor viu Zemlya sentado diante do seu círculo mágico. Oiajim na outra ponta, quase quarenta metros de distância se levantando e Ptitsa segurando um graveto, balançando no ar. Foi a primeira vez que tinha visto um teleporte de um objeto tão grande, fora incrível.

    – Haivor, venha.

    Teve que conter a ansiedade e se juntou aos três. Ptitsa partiu o graveto na mão em quatro e entregou uma parte para cada um.

    – Vamos ter que ir a cavalo. Um dia de viagem. Oiajim vai nos guiar na noite e Zemlya toma conta dos animais na parada. Como está seu braço, Haivor?

    Ele balançou com facilidade, mas seus dedos ainda doíam ao fechar e abrir.

    – Melhor do que antes.

    – Então, direto para Muralha Oeste. – Ele se virou para o Norte, onde a sombra da muralha fazia da noite um pequeno gato acanhado. – Zemlya, pegue os cavalos.

    I

    – Soube que a Muralha foi ocupada por curandeiros? – Grison recebeu a pergunta do Arcano Piey quando o encontrou. – Foi algo que eu não esperava.

    – Qual parte de Muralha?

    – Oeste.

    Grison não tinha interesse na Oeste.

    – Os aprendizes vão ficar na Leste por causa dos ataques constantes das criaturas. Curandeiros na Oeste só vai fortalecer a Luzin que ele precisa de ajuda.

    – Mas, os curandeiros não respondem ao rei.

    O livro que Grison lia foi abaixado e ele se atentou.

    – Como assim?

    – É o que estou dizendo. Faz um mês que Luzin tirou a força de curandeiros da torre. Disse que iria cortar os custos já que nada acontecia a Muralha Oeste. Depois disso, houve uma série de ataques que fez os Comandantes contestarem aquela ordem.

    – Luzin respondeu?

    – Nada além de silêncio. – Piey se mostrava muito radiante com aquela notícia. – Os Curandeiros estão sendo retirados das cidades voluntariamente, e sendo pagos com conhecimento. Adivinha quem reprojetou toda a estrutura da ala médica? Olivier Garnie.

    Grison ficou ainda mais chocado.

    – O Arquiteto Imperial? Isso é impossível. Ele está aposentado faz quase três anos.

    – Estava, pelo visto. E não só ele foi convidado, como Adam e Raul Shinaid, ambos diretores das maiores Casas de Moeda do feudo. E não só isso. – Um livro foi posto em cima da mesa de Grison. – Olhe o que achei com todos esses nomes.

    Grison passou os olhos. Leu metade de uma página para levantar-se rapidamente, mais assustado ainda.

    – Não. Isso…

    – Isso abre margem para muitas coisas – Piey assentiu. – Os três são parte de uma antiga geração do último rei de Luzin que seguem leis independentes, fora do próprio feudo. Se não estou errado, existem mais três pessoas assim, e todas elas estão sendo enviadas para a Muralha Leste.

    – Leis independentes. – Grison tinha lido em algum lugar que eram a parte fraca de um reino. – Luzin não pode interferir em nada?

    – Existe uma brecha. – O dedo de Piey seguiu até o final da página. – Uma brecha que tenho certeza que o rei vai querer usar. E felizmente, sabemos bem o que vai acontecer.

    Em casos de união entre as seis partes, a assinatura de todos devem ser seladas em um papel feito de orvalho negro. Eles não podem ser presos, torturados, caçados ou mediantes a dívidas. Isso inclui pertences pessoais, propriedades ou territórios.”

    – Luzin vai atrás dos que estão afastados – Grison concluiu para a confirmação de Piey. – Porém, dois três nomes que ele precisa, somente um nome pode ser encontrado. É um Mago aposentado, chamado Kralus.

    – O Mago que atacou a Torre Mágica?

    – Exatamente. Ele estava vivo e serviu ao antigo rei durante vinte anos. Pelo que parece, ele vai ser o alvo daqui pra frente.

    – E o que faremos?

    – Se Luzin tiver um pingo de racionalidade, vai tentar negociar com ele. Se não, vai tentar usar a própria CBK para levar Kralus de volta para Patrono. – Piey tomou o livro, o fechando abaixo do braço. – Iremos até ele primeiro.

    II

    – O que você sabe sobre Kralus? – Ptitsa perguntou a Haivor do seu cavalo. Estavam viajando por metade de uma noite. Trotavam devagar para que os cavalos não pisassem em buracos de lama e usavam as tochas para iluminar o caminho. – Você teve um confronto com ele.

    – Só que ele é muito mais poderoso do que eu achava. – Haivor foi sincero. – Mas, ele foi gentil comigo depois de tudo. Me ensinou algumas coisas e me indicou livros importantes para ler.

    – Como ele indicou se estavam tão longe um do outro?

    – Eu tinha… uma ligação com ele. – No dedo indicador, o anel cinza era obrigado a girar na própria órbita. – Não conversamos muito, mas ele prometeu que me ensinaria algumas coisas além da leitura.

    – Acha que ele gosta de você?

    Haivor o olhou de lado. A tocha clareava o rosto barbudo do velho.

    – O que quer saber, de verdade?

    A Velha Ave deu de ombros.

    – Eu conheci Kralus quando éramos mais jovens. Servimos juntos a um propósito grande, maior que o nosso próprio. Um dia, quando esse propósito chegou ao fim, nos separamos. A história dele é um pouco deprimente, mas dizer que ele gosta de alguém, isso é difícil.

    – Ele tem uma filha. Deve gostar dela.

    – É adotada – Oiajim respondeu da frente, informalmente. – Kralus perdeu seus três filhos.

    – Que triste – Zemlya respondeu, do seu cavalo. – Deve ser horrível perder alguém tão próximo.

    – Faz parte da vida – disse Ptitsa. – Eu sempre falava isso pra ele. Perder as coisas faz parte da vida. É como perder um objeto, não podemos pegar gosto pelas coisas. Zemlya é um exemplo claro, se eu me apegar a ele, quando for um curandeiro e for embora, vou ficar chorando pelos cantos.

    O velho imitou uma cara manhosa que arrancou uma risada de Oiajim. Zemlya não respondeu com sorriso.

    – Não é perder as pessoas que é ruim – Haivor contrapôs. – É a culpa que carregamos disso. Se alguém morreu por sua causa, isso te corroí por dentro. Não te deixa dormir direito, para de sentir o gosto da comida.

    O cavalo de Zemlya perdeu velocidade, encostando lateralmente em Haivor.

    – Já perdeu alguém assim?

    – Meu irmão morreu para um Absolver. Foi orgulhoso até o fim.

    – Digno de estar com Yato, o Deus da Glória – Ptitsa disse. – Guerreiros sempre são convidados por Yato para participarem de seus banquetes e duelos sagrados. Permanecem a eternidade esperando um oponente digno, aperfeiçoando suas próprias armas e habilidades. Seu irmão deve estar te esperando lá.

    – Seria um duelo interessante – Haivor concordou, satisfeito. – Eu ganharia, com certeza.

    Ptitsa soltou uma risada e Oiajim mostrou o sorriso amarelado.

    Permaneceram trotando na escuridão por mais cinco horas inteiras. O brilho das tochas da Muralha já surgia entre o nevoeiro. Era imensa, com seus quase cem metros intactos de pedra e mais quarenta de puro mármore. A cama de gelo no alto era a própria natureza costurando as aberturas de antigas batalhas, mas era possível ver as ameias e algumas janelas em lugares específicos para arqueiros.

    Eles começaram a subir de terreno. Pararam quando tornaram a caminhar no plano. Desceram do cavalo. Zemlya pegou um dos baldes e encheu de água do cantil, dando para os animais a beber. Oiajim e Ptitsa se reuniram, encarando a imensidão de pedra que os esperava.

    – Não lembrava de ser tão grande – Oiajim disse. – Parece que cuspiram nela e desenharam de novo.

    – Duvido que alguém ia se dar ao luxo de fazer alguma coisa nesse lugar. Se daqui já sinto calafrios, imagina para quem está lá. É quase uma cidade só que preparada para ser assaltada a qualquer hora.

    – Olivier deve ter tido bastante trabalho para consertar toda a ala médica.

    – O Pato Manco gosta de desafios, por isso que veio para cá.

    Haivor se juntou aos dois. Dali, a Torre Destra já podia ser vista. Telhado pontudo com o caimento redondo, tão larga quanto uma mansão, e com as janelas brilhando, tochas queimavam por dentro. A Muralha em si era gigante, e correndo os olhos para o leste, ela se esticava até o horizonte.

    – E pensar que tem uma outra parte.

    – Duas partes com cerca de 12 quilômetros cada. – Oiajim aquecia as mãos com um sopro calorento. – Dava para colocar três Patrono dentro dela, e mesmo assim, o rei a trata como se fosse um chiqueiro.

    – Ele não está errado. Esse lugar foi um refúgio há muito tempo atrás, mas hoje é tratado como um abrigo para soldados catarrentos. – Ptitsa claramente sabia muito mais do que falava. – Aqui é onde o Exército de Verão lutou contra as hordas de Nyou, o Invocado. Uma aberração criada por Xamãs de Akima.

    – Exército de Verão não era aquele grupo que foi morto pelos Arcanos? Eu li sobre eles em alguns livros de história.

    – Pelos Arcanos? – Ptitsa concordou, mais silencioso do que antes. Demorou para que continuasse: – Viveram como heróis por anos até serem descartados e mortos quando o atual rei tomou o poder. Não faz nem mesmo cinquenta anos que eles foram levados.

    – Sério? – Haivor não tinha feito as contas. – Os livros contam a história como se fosse há centenas de anos.

    – Livros escritos por pessoas de Patrono. – A Ave Velha deu as costas para Muralha e foi andando para Zemlya. – Como está o meu corcel negro e bravo?

    – Está falando do cavalo, certo? – o garoto questionou.

    Haivor permaneceu olhando para a maior construção do Grande Continente. Estava tão perto que podia sentir o cheiro da pedra e da poeira. Mesmo ali, questionava o motivo de estar indo para mais longe de tudo o que o rodeava.

    Mestre Grison e Foton estariam o esperando na Torre Mágica. Seria recebido de braços abertos, não como um herói, mas como um amigo. Queria poder voltar, usar uma das pedras roxas e se atirar na cama macia e quente.

    Olhava para o seu braço sempre que pensava na possibilidade voltar. Um Adesir que não pode usar a mana. Que ridículo. E a vontade sumia.

    Ali, pelo menos, com Ptitsa, Oiajim e Zemlya, ele não precisava se preocupar com o braço. Ajudava de uma maneira diferente, como era em Senbom. A sensação familiar de casa era mais forte ali do que na Torre Mágica.

    Não precisava se apressar.

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