Capítulo 35 - Cura
Quando se aproximaram do portão de madeira largo, no começo da tarde, Comandante Coiil estava presente do outro lado, com sua armadura completa e um semblante agradável. Estava congelando, mas nada poderia abalar a felicidade do homem que conseguiu o que queria.
Ptitsa desceu do cavalo e o cumprimentou com um aperto de mão.
– Esse lugar está pior do que da última vez que vi.
Coiil olhou ao redor. A entrada era lamacenta, sem pavimentação, e somente com os estábulos consertados. Porém, Haivor deu uma boa olhada. A quantidade de animais sendo tratados passava de quase uma dezena do lado de fora, e a propriedade se alastrava por mais de duas dezenas de metros.
Era imenso.
– Não temos tempo para arrumar tudo, por enquanto. Ficamos gratos pela ala médica ter sido refeita com tanta velocidade. Nunca esperei que Olivier Garnie viesse pessoalmente fazer os acertos.
– Eu disse que ele me devia um favor. Ei, rapaz, aqui. – Ele e os outros entregaram as rédeas do cavalo. – Trate o meu corcel bem ou vou mandar ele comer seu cabelo, entendeu?
O garotinho concordou balançando a cabeça.
– Não sabia que havia crianças na Muralha – Oiajim comentou. – Estão mantendo funcionários comuns aqui?
– A Muralha é grande demais para pessoas normais como nós conseguirmos cuidar de tudo. Pagamos com comida e moradia para que as pessoas possam nos ajudar. – Coiil mantinha o tom sublime e cordial, mesmo sendo um Comandante. – Mas, a Muralha é grande demais para conseguirmos tomar conta de tudo, por isso, eu falei para o senhor Olivier que ele podia ampliar a ala.
– Para a quantidade de homens que você tinha dito que estavam feridos, foi a escolha correta. – Começaram a tomar caminho para uma das portas de ferro. – E os curandeiros que prometeu das cidades?
– Chegaram cerca de duzentos pedidos, aceitamos e estão vindo direto para cá. Recebemos pedidos de Magos e Arcanos também, mas ainda não aceitamos já que não era o que vocês tinham pedido. Não sei como vão dar procedimento.
– Aceite somente os que estão acima do Terceiro Domínio. Diga que o pagamento é ruim e não tem nada pra fazer aqui.
O Comandante achou engraçado.
– Está falando sério, senhor?
– Se eles acham que vão ser pagos para ficar sentados com a bunda na cadeira, estão enganados.
Entraram no barbacã, com as grades no alto e dois soldados de cada lado, em um nível elevado, segurando arcos. O pátio externo era dividido em dois, e o que estavam entrando dava direto para onde alguns soldados faziam ronda e as pessoas caminhavam de um lado para o outro.
Vestiam-se com agasalhos fechados e chapéus para protegerem a cabeça da neve. Ao verem Coiil, alguns o saudaram e outros acenaram. Haivor sentiu cheiro de pão quente no ar.
– Vocês produzem comida aqui? – perguntou.
– Dá pra sentir o cheiro da cozinha daqui – Zemlya argumentou. – Estou morrendo de fome.
– Podemos parar lá se quiserem – Coiil fez uma curva, apontando para uma outra porta, distante. – Temos cinco padeiros e dois chefes que fazem o jantar. E também tem um pouco de cerveja em conserva.
Oiajim olhou para Ptitsa.
– Comer seria ótimo. Conversamos depois de descansar. Olivier vai querer nos desgastar ainda mais com aquela quantidade de informação infernal de procedimentos e mudanças. Quero que minha mente esteja saudável e minha barriga cheia para enfrentar o demônio.
A Velha Ave soltou uma risada.
– Comeremos, então.
Na cozinha, sentaram a mesa. Servidos de pratos de carne e frango frito, Zemlya lambeu os beiços quando viu uma rodela de bacon e cerveja na caneca. Devorou a primeira remessa com tanta vontade que Coiil soltou uma risada.
– Ele comeu tão rápido. Os chefes gostam de pessoas assim.
– Parece um morto de fome. – O olhar de Ptitsa ao aprendiz foi de repreensão. – Comer devagar é uma dádiva para apreciarmos a comida. Mas, esse talher, ele brilha bem. Parece prata. Usam prata para comer?
O Comandante ficou surpreso tanto quanto Haivor com a pergunta.
– É errado?
– Não, só é caro. Eu usava prata para trocar por filhotes de porcos quando mais novo. Vocês trocam pelo que?
– Nada, eu acho. – Coiil enfiou uma colherada de frango na boca. Claro que o assunto não estava o agrandando tanto. Oiajim era outro que parecia estupefato com a quantidade de comida em seu prato, e mais admirava do que comia.
Haivor quase entendia o sentimento do Comandante. Ele estava diante pessoas completamente fora da sua realidade. Conversar com eles seria complicado, pelo menos, em assuntos pífios.
– Você sabe me dizer quantos Adesir estão na Muralha, atualmente?
– Adesir? – Coill negou. – Desde que o rei ordenou que voltassem para Torre, não vimos mais ninguém por aqui. É de senso comum que nós soldados temos que atacar qualquer um que se diga ser.
– Deve ser complicado já que eles podem ser confundidos com Arcanos.
– Eles são conhecidos pelo arrogância e ego inflado. Eles não param de usar seus nomes nem mesmo depois de ameaçados. – Coiil apontou para ele com o garfo. – Muita gente diz que foi isso que matou eles duas décadas atrás.
– Já escutei sobre isso. A Batalha de Jotun.
Ptitsa tossiu algumas vezes, batendo no peito.
– Meu deus, acho que engoli um osso.
– Vou pegar um pouco de cerveja pra você, senhor Ptitsa.
Coiil se levantou com a caneca e entrou para dentro da cozinha. Haivor recebeu um encontrão de Ptitsa pelos olhos.
– Não mencione os Adesir aqui. Vai levantar suspeitas.
– Só quero me situar do que está acontecendo.
– Já te falei tudo o que aconteceu. Adesir fora do Grande Continente, CBK querendo mais Arcanos, e Luzin pirando porque ele é maluco. – Quase bateu na mesa, mas Coiil retornou com a cerveja. – Ah, agradeço.
Ele bebeu velozmente até a metade e respirou fundo, soltando um arroto depois.
– Continuando, Haivor, quer saber mais sobre os Adesir? Tem alguma pendência com eles?
– Não é uma pendência. Só que sempre ouvi que eles gostavam de ficar aqui durante o inverno. – Teve que encolher seu desejo de questionar a cada vez que Ptitsa mastigava com a boca aberta em sua direção. – Não precisamos entrar em detalhes.
– Caso queira saber, sou aberto a falar. Tenho certa experiência com conflitos mágicos.
Eles almoçaram em silêncio depois disso. Cada um comeu três pratos cheios, até mesmo Coiil que seguiu os outros em uma disputa de quem bebia cerveja mais rápido. Depois, jogaram um pouco de água no rosto até que Velha Ave tinha ido mijar.
Quando retornou, Coiil liderou o caminho para dentro do interior do que eles chamavam de Castelo Único; uma região quadricular enorme que era composta por cômodos como a cozinha, a ala médica, o salão, a padaria e o pátio interno com as câmaras e escadaria para as ameias da muralha.
Na ala médica, Olivier tinha pego metade da Sala Reservada, usada antigamente pelos Capitães para reuniões privadas com certas entidades famosas. Quebrou as paredes, ligou as paredes e limpou o chão. As tochas espalhadas iluminavam bem, e as pessoas que estavam na Casa de Repouso já estavam alocadas em seus leitos, separados por um quadrado de plástico, bem mais privado do que uma divisa feita de lençol.
– Olivier nunca decepciona – Ptitsa comentou, saciado. – Olhe para esse lugar, parece que foi feito pelos deuses.
– Ele dividiu a ala em três partes. – Coiil apontou para onde as pessoas usando roupas brancas entravam e saíam a todo momento. – Lá está onde os remédios e ervas foram armazenados. Não sei muito bem como foi o procedimento, mas senhor Olivier fez uma ótima reforma em tudo. O outro lugar é perto da escadaria, onde estão fazendo uma segunda área para pacientes. Além dos andares superiores.
Ptitsa esperou Oiajim dar uma olhada ao redor.
– Está bem feito. Foi como projetamos, ele seguiu todas as medidas. – Respondeu o olhar do velho. – Pode funcionar.
– Ótimo. Comandante, você conhece alguém que é velho e conhece todos os que estão trabalhando aqui na ala?
– Ah, Rasskin. Ele está no segundo andar, tratando de algumas pessoas. Ele está conosco faz quase dez anos, mas o tempo na Muralha passa dos quinze, eu acho.
– Ele é velho mesmo – Zemlya divertiu-se.
– O homem é perfeito. – Oiajim acenou para Ptitsa. – Deixe que eu falo com ele. Se encontre com Olivier e os outros. Haivor, Zemlya, comigo.
Os dois seguiram Oiajim deixando a Velha Ave para trás. Subiram as escadas para o segundo andar, dando com outra área imensa cheia de camas e divisas de plástico, com homens caídos, todos adormecidos. Eram mais fortes do que os do andar debaixo.
A ferida que carregavam não era cortes ou queimaduras, mas uma mancha negra que ia de um membro ao outro. Alguns até mesmo tinham o rosto dominado, com suas bocas semiabertas.
– Eles parecem mortos – Zemlya disse, engolindo em seco. – Deuses, o silêncio daqui é medonho.
– É a Doença de Fargos.
As vestes cinzentas, com mangas compridas e um chapéu redondo, tapando só metade da cabeça. Assim se vestia o homem chamado Rasskin. Em sua face, somente o bigode rivalizava com as rugas. De olhos negros e queixo redondo.
– O que vieram fazer aqui?
– Vim por Ptitsa. Quero conversar sobre essas pessoas. Fargos é uma doença que atinge a pele, mas não é uma maldição. É uma praga. Estou correto?
Rasskin coçou o queixo.
– Está. É uma doença que vem atingindo metade dos soldados da Muralha Oeste. Deixe eles descansarem, venham comigo.
Passaram por divisas até onde o velho tinha uma cadeira e uma mesa, com folhas espalhadas por cima e anotações em cada uma. Ele esticou uma cadeira para Oiajim sentar.
– Eu agradeço – Rasskin falou, cansado. – Esse lugar foi deixado caindo aos pedaços. Pensei que vocês não aceitariam o pedido de transferência depois do que Luzin decretou. Uma rede privada é complexa demais, e creio que Fargos não ajuda em nada nisso tudo.
– Não é como se fosse culpa sua, Rass. – Oiajim cruzou os braços. – Lembro que você decidiu vir para cá para ajudar essas pessoas, e tem feito isso de maneira honrada desde sempre. Viemos ajudar porque sabíamos que você precisava de nós como precisamos de você.
A face do velho homem suavizou.
– Pelo menos, agora, não preciso ficar esperando cartas suas.
Oiajim deu um abraço apertado no homem.
– Também fiquei com saudades, pai.
Zemlya travou onde estava.
– Ele é seu pai? Eu não sabia. Falei que ele era velho, desculpa, Oiajim.
Rasskin soltou uma risada limpando as lágrimas dos olhos.
– Eu sou velho. Essa fedelho aqui é meu filho e tem seus quarenta anos, mas ainda é uma criança para mim. Você deve ser Zemlya, não é? Ele me contou sobre o rapaz habilidoso que tinha na Casa de Repouso.
A vergonha de Zemlya chegou ao limite.
– Eu falo bem das pessoas, mesmo que não pareça.
– Todo mundo sabe que você é uma pessoa difícil – Rasskin respondeu. – E esse aqui, não lembro dele.
– Sou Haivor. Ajudo com o que posso.
Rasskin foi da face para o braço enfaixado, depois para as pernas, e depois para a face novamente.
– Ah, o rapaz que ficou morto por um ano e seis meses. Foi um baque e tanto o que você recebeu. Creio que Ptitsa deve ter encontrado a resposta para seus problemas ou metade delas.
– Metade.
– Ele é assim. – Focou em Oiajim. – Como estão os preparativos para a transferência total?
– Mais do que a metade. Os suprimentos vão ser entregues e poderemos dar início ao tratamento das pessoas normais. Mas, como Fargos chegou a atingir esses soldados?
Rasskin deu de ombros negando com a cabeça.
– Eu tentei entender, mas é uma quantidade absurda. Houve um ataque faz dois meses, mas foi um grupo de Goblins. Eram tão pequenos que os arqueiros afastaram eles rapidamente. Mas, depois daqui, a cada manhã, aparecia outro homem com os mesmos sintomas que o do dia anterior, uma coceira na pele e dores nas juntas. Perdiam a força das pernas e adormeciam para nunca mais acordar. E vinha a mancha.
– Como sabe que é Fargos?
– Eu colhi o sangue e fiz experimentos reativos com as doenças que tenho armazenados. Deu compatível quase que perfeitamente com Fargos. – Rasskin pegou um pedaço de papel e entregou para o filho. – As anotações foram as mesmas desde que comecei. Porém, nada que eu fazia funcionava.
Oiajim leu e depois passou para Zemlya e Haivor, que leram. O velho tinha razão. Nada era diferente, todos os sintomas e os resultados para a cura eram semelhantes. Porém, as manchas nasciam de partes diferentes, algumas do dedo, outras da barriga, algumas até mesmo de dentro do ouvido.
– Dois meses e ninguém acordou até agora. Eu comecei a ficar desesperado. Sou curadeiro por quase sete décadas e não consigo curar um único homem? Fiquei envergonhado de ter que pedir ajuda a vocês.
– Vergonha tinha que ter o rei por ter tirado todo o apoio que você deveria ter, pai. Ptitsa está aqui, agora. Ele vai descobrir como reverter isso. As habilidades dele são parecidas com a sua, mas ele é pirado da cabeça.
Rasskin conseguiu sorrir.
– Que bom, meu filho. E obrigado por ter vindo.
Oiajim abraçou o pai, novamente.
Haivor se desgrudou dos três e começou a fazer uma ronda pela sala do velho. As estantes eram repletas de livros velhos, empoeirados, que ele fez questão de puxar. Limites do Corpo, um livro datado de quase cem anos atrás, mas ainda em perfeito estado. Doenças de A a Z. Não era antigo, sendo somente de dois anos atrás. Esse era grosso e grande. Ponto na mesa, abriu na metade, passando a mão nas folhas.
Sua magia oculta lia qualquer coisa e gravava bem em sua mente. Ele retirou a luva da mão esquerda. Hesitou, mas foi em frente. Tocou a folha. Uma quantidade gigante de letras formava palavras, e depois textos, dando um contexto e criando situações e eventos.
Uma enxurrada de conhecimento e sabedoria escritas a mão em sua mente. Vinte segundos recebendo processos e informações. Ao abrir os olhos, uma pequena dor de cabeça tinha se alastrado, mas sumiu logo em seguida.
– O que está fazendo? – Zemlya perguntou ao se aproximar. – Que livro é esse?
– Doenças de A a Z. Eu estava vendo.
– Nem chegue perto desse livro. Mestre Ptitsa me disse que ninguém consegue ler e entender esse livro muito bem. Dizem que foi escrito por um Mago maluco, que dizia ter achado a cura de todas as doenças.
– Como ele tinha tanta certeza?
– Não tinha – Zemlya fechou o livro. – Ele era maluco.
Haivor queria concordar, mas todas as coisas que recebeu eram simplesmente entendíveis. Criações de poções, ervas e até mesmo ingredientes que seriam datadas por quase milhares de anos atrás. Tudo era facilmente construído em sua mente.
E Fargos, a doença que os soldados pegaram, estava sendo processada uma maneira de obter a verdade.
Nunca ache que uma doença provém da natureza. Ela pode ser forjada, criada. Fargos é uma dessas, assim como Xintr e Assuin, que danificam os nervos e a visão. Criaturas malignas, providas de magia, podem forjá-las. Se atente aos sinais.
Ao retornarem para perto de Rasskin e Oiajim, Haivor esperou mais um pouco para ir até onde os soldados estavam. Ele passou caminhando entre os caídos, e parou ao lado de um. Ajoelhou e tocou a mão esquerda em uma parte ainda não afetada pela mancha.
Em menos de dois segundos, ele tinha achado o que queria. A mancha tinha sido originada do peito esquerdo. Foi até outro soldado; a mancha nasceu no pescoço. Outro na perna. Outro no braço. Outro no pé.
– O que ele está fazendo? – Zemlya perguntou da porta com Oiajim e o velho. – Parece um lunático.
Oiajim sorriu.
– Ele está fazendo aquilo que Ptitsa queria desde o começo. Haivor, o que encontrou?
– É e não é Fargos. – Ele se levantou, colocando a luva na mão. – É a doença, mas não é natural. Ela não afetaria tantas pessoas ao mesmo tempo e em tempos diferentes. São todos soldados, e não vejo nenhuma mulher ou criança, então, afetou somente eles. E vi que todos eles são sentinelas, fazem ronda pela muralha. Começou no dia que os goblins atacaram.
– Como ele sabe disso tudo? – Rasskin encarou o filho. – Ele é curandeiro?
– Ele é especial, pai. Deixe ele falar. Continue, Haivor.
Haivor já tinha lido cerca de dez soldados diferentes. A trajetória que eles fizeram na semana da infecção, seguindo seus rumos e depois adoecendo. O mesmo ponto, todos eles, entrando e saindo, trocando suas armaduras, e então, uma coceira.
– Achei – falou, sorrindo. Olhou para Oiajim. – Armazém de armas e armaduras. Tenho certeza que é lá.
– Então, temos o ponto de início. – Oiajim tocou o ombro de Zemlya ao seu lado. – Vá encontrar seu mestre e diga que achamos Fargos.
Zemlya saiu apressado.
Ler os soldados deu a Haivor bem mais conteúdo do que a doença, alguns dos treinamentos que eles fizeram com armas, conhecimentos táticos da Muralha e até mesmo o manejo do arco. Ele internalizava o conhecimento de fora e fazia seu.
Aprendia a usar uma arma simplesmente replicando o treinamento de outro.
– Você é um Arcano? – Rasskin perguntou, curioso. – Eu já ouvi sobre as magias ocultas, mas eram todas diferentes. Nunca vi nada parecido com a sua. É um gênio.
O elogio era novo. Haivor não estava acostumado a associarem sua habilidade com algo tão grandioso. Respondeu, agradecendo:
– Eu só posso ver algumas coisas que outras não podem.
– Coisas bem complicadas de serem achadas – Oiajim corrigiu. – Podíamos ficar aqui por mais seis meses até achar essa Praga jogada. Goblins usando magias, Ptitsa vai achar muito engraçado.
Haivor esperou sentado até a Velha Ave chegar.
I
O Grande Continente não tinha sido uma das melhores experiências para Foton. Acostumado a tranquilidade da Torre Mágica, seu primeiro Pedido tinha vindo de uma vila onde um fazendeiro pedia para que ele matasse algumas criaturas noturnas que estavam mastigando seu pé de alface.
Era lastimável ter que ficar enrolado em uma manta em cima de uma árvore, olhando para o campo de alface esperando que os predadores chegassem. E pior ainda era usar sua magia para matar alguns esquilos e roedores.
Na manhã seguinte, Foton tinha-os todos mortos ao redor de uma pedra. Mostrou ao fazendeiro.
– Aqui está.
E qual a recompensa que ele ganhou? Uma saraivada de tomates. Não somente dele, mas de todo o vilarejo. Alguém havia comentado que um homem tinha destruído uma cidade inteira e que era um Adesir, como Foton.
Ele retornou para Torre Mágica mais irritado do que triste, mas as emoções se contrariam lá.
– Enigma pereceu contra uma Normadie – Piey comunicava a Grison e alguns outros Adesir presentes. – Disseram que ele está envolvido no massacre de todo o lugar. Uma magia destrutiva demais.
A morte de Enigma mexeu com Foton.
Da ameia da Muralha Leste, o vento soprava seu sobretudo negro e a pelugem de javali. O cabelo loiro estava cerrado pelas laterais, corte que inventou de fazer depois de ter sido nomeado como Adesir Primário, um posto além do aprendiz.
Dali, podia ver o norte do Grande Continente, uma terra marrom e alaranjada, coberta de grandes pedras e cânions. Os declives somavam com as elevações, e os túneis chegavam a descer por quilômetros. O feudo Akima tinha uma história de rivalidade muito grande com Luzin, desde que o último tinha sido formada, e a Muralha se tornou o símbolo da divisão dos povos.
Era como presenciar a história correndo diante seus olhos. Podia imaginar os batalhões de soldados equipados com armaduras pesadas e escudos blindados, lanças e espadas perfurantes. O urro dos Generais e o tambor de guerra dos Akima, marchando na direção deles. A tropa escarlate das criaturas demoníacas e os Clãs Sangrentos que dividiam o feudo.
– Foton – Esfinge o chamou pelas costas. Carregava o saco de dormir enrolado debaixo do braço. – Vamos comer. Temos que nos apresentar ao Comandante a noite. Parece que acharam alguma coisa para fazermos.
– O que é?
– Também não sei. – Esfinge retraiu o cabelo para trás da orelha, encarando ao redor. As ameias de pedra se erguiam para o oeste, onde outra parte da muralha era tomada por curandeiros. – Acredito que tenha haver com aquela doença que você comentou.
– Eu já falei que eles deveriam checar as estalagens da Muralha para ver se não é uma Praga lançada. – Tomou caminho ao lado dela. – São insistentes.
– Não julgue. Eles só estão tentando proteger os soldados.
Os dois desceram as escadas, passando por uma leve de soldados leves, com armaduras pequenas e espadas na cintura. Nem sequer saudaram uns aos outros. Grison havia dito a ele que nem mesmo na Muralha eles estavam fora da vista descriminada de homens ignorantes.
– Por aqui. – Esfinge o liderou até um corredor estreito e entraram em um escritório datado com cerca de vinte Adesir, todos aprendizes vinda da Torre Mágica. Foton reconheceu Som, Bafo e Erro, o trio que marcará uma boa pontuação no último teste da Torre. Eram inteligentes e fortes. – Se apresentando, senhor. Esfinge, Adesir.
– Foton, Adesir.
O Comandante Coiil estava sentado na cadeira atrás da mesa e fez menção para que se aproximassem. No entanto, não tirou os olhos de Foton.
– Há três dias, você mencionou que a Praga que tinha se instalado na Muralha podia ter sido lançada por alguém. Como chegou a esse resultado?
Eles levaram realmente a sério.
– Pragas se formam de maneira semelhante a Maldições. Estudei no último ano sobre elas. Naturalmente, se formam de uma grande quantidade de mana sombria, de criaturas que são malignas por natureza. Aqui, não existe algo semelhante.
– Continue.
– Para que ela tivesse chegado a esse estado de infectar tantas pessoas, minha suposição foi de que em algum lugar, uma criatura tenha usado um círculo mágico e feito expelido essa grande quantidade de mana, corrompendo uma área pequena da Muralha. Para afetar o máximo de pessoas, teria que ser em um lugar onde todos os soldados vão, sem exceções.
Coiil lia um papel balançando a cabeça até parou.
– Perfeito. Sua conclusão está perfeita.
Foton, como os outros, ficaram nublados da situação.
– O lugar que você menciona é o Armazém de Armas e Armaduras. Foi identificado uma nuvem negra que dispara flocos nos soldados, mas está bem escondida. Precisamos que os Adesir cheguem a uma forma de acabar com nuvem.
– E quanto aos soldados? – Esfinge perguntou. – Precisa de uma amostra da própria nuvem para se chegar a um antídoto para doença.
– Isso já foi resolvido. – Coiil entregou o papel para os Adesir, um por um. – Deixarei nas mãos de vocês. Façam o necessário para exterminarem a nuvem.
Foton começou a ler o papel palavra por palavra. “Simplesmente, as feridas foram expostas demais. As marcas negras se originam de pontos diferentes, o que indica que não podem ser uma doença natural. Está sendo expelida de direções diferentes.”
Ele não tinha chegado a essa conclusão. Eram palavras de uma outra pessoa.
– Posso saber quem fez esse documento, senhor? – perguntou, curioso. – Está muito bem detalhado para que seja só uma suposição.
– Um dos curandeiros da Casa de Repouso nos enviou esse relatório. Estão montando uma ala médica completamente nova na Muralha Oeste, então, não puderam vir dizer diretamente a vocês.
– O nome, sabe? – Foton já tinha lido palavras semelhantes antes. – Alguém como nome de Enigma por lá?
– Não. Só homens e mulheres dedicadas a ajudar os outros. – Coiil passou por eles, com um livro nas mãos. – Tentem resolver o problema até o final da semana, certo? Precisamos do Armazém livre para troca de armamento.
Quando o Comandante saiu, os outros se dispersaram pela sala. Esfinge manteve-se perto de Foton.
– Sabe que é impossível – ela disse, meio abalada. – Já faz muito tempo. Esqueça isso.
Foton segurava o papel na mão. As palavras eram todas parecidas com as que Enigma tinha deixado em um livro para ele, uma semelhança grande na semântica.
– Isso vai acabar te matando alguma hora.
– Nunca acharam o corpo dele.
– E nem da Normadie. Isso não quer dizer que estão vivos. – Ela bufou, irritada. – Quanto mais bater nessa tecla, mais vai sofrer. Mestre Grison disse a você para esquecer. Ele fez isso, Mestre Piey fez isso. Por que você não pode?
– Um ano inteiro. – Ele dobrou o papel e guardou no bolso. – Eu vi você chorando por um ano inteiro escondida do Mestre Hambo. Pelo menos eu não minto para mim mesmo.
Sem deixá-la se explicar, saiu do escritório.
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