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    Dante fitava Raver com a expressão de quem estava diante de um tabuleiro de xadrez, cada peça disposta estrategicamente, mas nenhuma movida ainda. Ele ergueu a voz como um trovão:

    — E então, você pediu alguém para duelar contra seu melhor guerreiro, não foi?

    A praça mergulhou num silêncio perplexo. Os olhos da multidão oscilavam entre Dante e o Felroz caído, o troféu monstruoso que ele segurava pela mandíbula destroçada. A criatura, mesmo imóvel, ainda exalava uma aura de destruição, e os aldeões se encolhiam à visão. Dante ergueu o corpo disforme para que todos vissem.

    — Estou pronto — anunciou, a voz cortando o ar frio. — Traga seu campeão.

    Ele olhou de relance para Gerhman, murmurando em tom baixo:

    — É Januario Diaz o nome dele, não é?

    — Isso mesmo — respondeu Gerhman, com um tom que parecia carregar o peso de séculos de desespero.

    Dante voltou-se para a multidão.

    — GreamHachi — sua voz ecoou como um sino de bronze em um funeral —, meu nome é Dante. Sabem de onde eu sou?

    Antes que pudesse continuar, Raver avançou como um lobo, a voz calculada e incisiva:

    — Kappz. Dante, da cidade de Kappz.

    Ele sorriu, mas não era um sorriso de boas-vindas. Era o tipo de sorriso que um caçador exibia antes de desferir o golpe fatal. Suas palavras eram melodia e veneno, uma dança de sutileza que prendia a atenção de todos.

    — E Cerberus, claro. Sempre ele. Vocês têm muita ousadia de entrar na cidade sem permissão, manchando o solo puro com… — ele fez uma pausa dramática, os olhos se estreitando — … isso.

    Ele gesticulou para o Felroz, como se a criatura fosse uma extensão de Dante.

    — Como explicar esse buraco no coração da nossa cidade? Como justificar o medo que trouxeram? Estão tentando nos destruir, é isso?

    A multidão começou a murmurar, seus sussurros como uma maré subindo. Alguns se aproximaram de Raver, os olhos famintos por uma liderança que dissipasse a confusão.

    Gerhman avançou, apontando um dedo acusador.

    — Não seja hipócrita, Raver! Leonardo ia ser decapitado sem sequer o direito de lutar pela vida!

    Raver não perdeu o ritmo. Ele girou nos calcanhares como um ator experiente, enfrentando Gerhman com a calma de um rei.

    — As leis da cidade são claras e justas, interpretadas por aqueles que as seguem. Leonardo, um homem que serviu fielmente, traiu GreamHachi ao conspirar com estrangeiros. E você, Gerhman, como ousa? Depois de tudo o que esta cidade lhe deu, buscou ajuda de fora. Olhem para onde eles pisam!

    Ele apontou para as marcas de sangue e lama que manchavam o chão, como se fossem cicatrizes infligidas à própria cidade.

    — Vejam a sujeira que deixam.

    Dante permaneceu imóvel, mas seus olhos eram lâminas afiadas, dissecando cada palavra de Raver. Ele sabia que o homem era um lutador medíocre, mas um mestre no uso do discurso como arma.

    — Agora — continuou Raver, com a voz crescendo em autoridade —, vocês trouxeram isso. Uma criatura que não é diferente de vocês, vivendo entre o mesmo tipo de imundície. Então, eu pergunto: como você, Gerhman, vai reparar o dano que causou à nossa cidade?

    O discurso de Raver era uma tempestade, e a multidão começava a ser varrida por ela. Os sussurros tornaram-se gritos abafados, a raiva borbulhando como água prestes a ferver.

    Dante deu um passo à frente, o Felroz ainda pendendo de sua mão como uma declaração de guerra.

    — Sua cidade, você diz. Então por que precisa de mim para reparar alguma coisa?

    Ele virou-se para a multidão, os olhos faiscando.

    — Se sou um Impuro, como dizem, então façam algo sobre isso. Me matem. Vamos, tentem.

    As palavras dele caíram como martelos.

    — Olhem para mim — ele ergueu a criatura novamente —, e olhem para o que fiz com isso.

    A multidão recuou instintivamente, os olhares agora divididos entre o Felroz e Raver. A maré de indignação começou a mudar, a dúvida infiltrando-se como uma serpente sorrateira.

    Raver, porém, não cedeu.

    — Essa é a sua resposta, Dante? Você acha que força bruta é tudo o que importa? — Ele deu um passo à frente, enfrentando Dante diretamente. — Não se engane. O medo que você inspira não é força. É uma dívida que você não poderá pagar.

    Dante riu, mas o som era vazio.

    — Dívidas? — Ele apontou para o Felroz. — Eu pago com isso. Ou, se preferir, com seu campeão.

    Raver estreitou os olhos, a tensão crescendo como uma corda prestes a arrebentar.

    — Então está decidido. Januário Diaz será chamado. Mas não se engane, Dante. Ele não é como você. Ele não luta com músculos ou bravatas. Ele luta com a verdade.

    — A verdade? — Dante deu um passo à frente, a distância entre os dois agora mínima. — Ou com mentiras vestidas de medo?

    Raver não respondeu. Ele apenas sorriu, o mesmo sorriso calculado, enquanto a multidão murmurava em antecipação. O nome de Januário Diaz já começava a circular, carregado de lendas e histórias que pareciam ganhar vida naquelas palavras.

    Dante sabia que o jogo estava apenas começando. E que, contra um homem como Raver, a vitória seria muito mais do que um duelo de espadas. Ele tinha que ser fatal, tinha que ser mortal. Assim como eles foram com Marcus e Clara, assim como foram com Juno e também com Cerberus.

    Na ordem natural da vida, não era apenas a inteligência que decidia destinos. A força bruta, tão enraizada nos ensinamentos de seu pai, sempre reivindicava seu espaço, impondo-se sobre aqueles que julgavam o mundo por linhagem e berço. GreamHachi não era exceção.

    Se Render, em algum momento, duvidou que seu filho lutaria pelo que considerava certo, estava terrivelmente enganado. Mas a questão nunca foi o que Dante julgava ser justo — o problema residia nos métodos que ele estava disposto a usar. Ali, no coração de uma cidade que mal conhecia, cercado por inimigos, ele não se importava com o cenário cuidadosamente montado por Raver e seus seguidores.

    GreamHachi era apenas mais um nome na lista de lugares que Kappz esmagaria sob seu poder. Porém, o que tornava os Impuros verdadeiramente perigosos não era o que carregavam em suas almas, mas o que eram capazes de fazer quando estavam livres de correntes, livres de moralidades frágeis.

    — Passei muito tempo ouvindo minha irmã falar sobre cidades que caíram por sua própria arrogância — disse Dante, sem se virar para os dois homens atrás de si. Sua voz era calma, mas carregava um peso que parecia dobrar o ar ao seu redor. — E, sendo bem sincero, estou pronto para acrescentar mais um nome à história.

    Cerberus e Gerhman se entreolharam, mas nenhum deles ousou responder. As palavras de Dante não eram apenas uma ameaça; eram uma profecia. Quando ele deu o primeiro passo em direção ao pátio central, onde o duelo deveria ocorrer, ambos sentiram um arrepio.

    Era sutil no começo, como uma brisa morna antes da tempestade. Mas então, a pressão começou a crescer. A energia ao redor de Dante se tornou quase palpável, como um peso invisível que fazia o ar vibrar. Uma luz púrpura, densa e inquietante, começou a emanar dele, subindo por seus ombros como fumaça viva. Não havia vento para dispersá-la; era como se a própria cidade prendesse a respiração.

    — Chame seu melhor guerreiro! — rugiu Dante, sua voz cortando o silêncio com a força de uma lâmina. — E tragam Leonardo. Ele verá sua liberdade sendo devolvida diante de todos vocês. Agora!

    O grito ecoou pelas ruas e muralhas, atingindo lojistas, soldados e moradores que observavam das ameias. A multidão parecia hesitar, dividida entre o medo do homem e a obediência a Raver.

    Mas Dante não esperava respostas imediatas. Ele apenas ficou ali, imóvel, com a criatura morta a seus pés e a energia pulsando ao seu redor como um aviso. Seus olhos varriam o pátio, encarando cada rosto com a determinação de um homem que não aceitava derrota.

    Naquele momento, ele não era apenas um Impuro. Ele era um lembrete cruel do que acontecia quando se subestimava o caos.

    Não sou o protagonista, mãe.

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