Capítulo 167: Mais Complexo Ainda
O rugido do Felroz ecoou baixo, abafado, como o murmúrio de um trovão distante. Era incomum para a espécie, mas Juno sentiu um breve alívio ao perceber que a criatura parecia menor, mais fraca que o normal. Mesmo assim, não havia tempo para subestimar.
A besta ergueu um carro com seus braços deformados e lançou o veículo no ar, como se fosse um brinquedo descartável. Juno permaneceu imóvel, os olhos fixos, enquanto filamentos azuis brilhantes emergiam de suas costas, sinuosos e vivos como serpentes. Eles se lançaram para frente, perfurando o metal e o ferro do carro com uma facilidade inquietante, abrindo-o como se fosse papelão.
Ela continuou caminhando, cada passo meticuloso, enquanto a criatura tentava, em vão, escalar um poste. Era uma cena quase patética, o Felroz deslizando de volta ao chão sempre que tentava alcançar o topo.
— Não subestime seu inimigo — ecoou a voz de Veronica em sua mente, fria e incisiva. — Nunca subestime nenhuma criatura que não conhece intimamente.
— Eu sei — respondeu Juno, mas havia um toque de desdém em sua voz, um reflexo da confiança que ela não deveria nutrir.
Quando Juno se aproximou a menos de dez metros, o comportamento da criatura mudou abruptamente. O Felroz se lançou ao chão, movendo-se em uma explosão de velocidade, os quatro braços escavando o asfalto enquanto avançava em sua direção. Seus olhos selvagens brilharam com uma fúria instintiva, e ele saltou, girando no ar.
Juno fechou os punhos, concentrando a Energia Cósmica que ardia dentro dela. Quando o Felroz caiu, ela desviou com precisão calculada, movendo-se para a esquerda e depois para a direita, os golpes da criatura cortando o ar vazio. Ele era lento, desajeitado. Quando sua defesa se abriu, Juno não hesitou.
Ela estendeu a palma, e a Energia Cósmica que reunira explodiu em um relâmpago azulado. O clarão rasgou o ar, seguido por um estrondo que reverberou pela cidade em ruínas. Poeira e destroços se ergueram em um véu denso, ocultando a silhueta da criatura.
Juno relaxou os ombros, permitindo-se um momento de triunfo. Ela recuou um passo, os olhos buscando entre a névoa para avaliar o estrago que causara.
— Por que os humanos são tão arrogantes? — A voz rouca e distorcida do Felroz rompeu o silêncio, um sussurro ameaçador que gelou sua espinha.
Dois braços emergiram da poeira, e então o Felroz pulou, rápido como uma flecha. Um dos membros estendeu-se de maneira antinatural, mais longo do que deveria ser possível.
Longe demais para me acertar, pensou Juno, mas o golpe veio, direto ao seu peito. Ela arfou, surpresa, quando o impacto a lançou para trás. Antes que pudesse reagir, outro braço desceu, rápido e brutal.
Juno ergueu os próprios braços para se defender, bloqueando o ataque, mas não viu o golpe seguinte. Um segundo braço a atingiu na barriga, e a força do impacto a lançou como uma boneca quebrada contra a mureta da rodovia. O concreto rachou e se desfez ao seu redor, e por um momento, sua visão turvou.
— Idiota — zombou Veronica, a voz gotejando desprezo. — Está achando que está lutando contra um humano? Vai morrer mais rápido do que eu pensei. Que maravilha, vou ser desligada hoje mesmo.
Juno abriu os olhos com esforço, sentindo o peso das pedras sobre seu corpo e o gosto amargo de sangue na boca. Sua respiração estava pesada, e cada movimento enviava ondas de dor por seus músculos. O Felroz estava se aproximando novamente, seus passos pesados ecoando na rodovia como tambores de guerra.
— Levante-se, sua tola — a voz de Veronica cortou sua mente como uma lâmina fria. — Ou você realmente quer morrer aqui?
Juno apertou os dentes, empurrando os destroços que a cobriam. Ela se forçou a ficar de pé, os joelhos tremendos, mas a determinação brilhando em seus olhos. A criatura parou a poucos metros dela, os braços se contorcendo de maneira grotesca, prontos para atacar novamente.
— Certo, seu desgraçado — murmurou Juno para si mesma, cerrando os punhos. A Energia Cósmica começou a pulsar novamente, mais intensa desta vez, envolta em um brilho azul cintilante.
O Felroz avançou, mas Juno não esperou. Ela disparou para a frente, deixando um rastro de luz no ar. A criatura tentou acertá-la com um dos braços alongados, mas Juno se abaixou, deslizando pelo chão e se posicionando atrás dela.
Um golpe rápido. Juno concentrou a energia em suas mãos e desferiu um soco contra as costas do Felroz. O impacto ressoou como um trovão, enviando ondas de choque pelo corpo da criatura. Ela rugiu de dor, mas não caiu. Em vez disso, girou o torso de forma impossível, seus braços se movendo como chicotes em sua direção.
O primeiro golpe passou perto demais, cortando o ar ao lado de seu rosto. Juno desviou para trás, mas o segundo a atingiu na perna, derrubando-a no chão. Ela rolou para longe, sentindo o calor da dor irradiar de sua coxa, mas manteve o foco.
— Você está brincando com isso, Juno! — gritou Veronica em sua mente. — Pare de lutar como se fosse humana. Use sua vantagem!
Juno cerrou os dentes, ignorando o sarcasmo da IA. Ela se concentrou, deixando a Energia Cósmica fluir livremente. O brilho azul ao seu redor se intensificou, e faíscas começaram a saltar de sua pele.
— Vamos acabar com isso.
Ela correu novamente, mais rápido do que antes, uma linha de luz azul se desenhando atrás de si. O Felroz tentou atacar, mas Juno desviou com precisão, seus movimentos se tornando mais fluídos e calculados.
Ela saltou, impulsionada pela energia, e girou no ar. Sua perna, agora envolta em um arco de luz azul, desceu como um machado, acertando o ombro da criatura. O impacto fez o Felroz cambalear para trás, seus braços se movendo descontroladamente.
Mas Juno não deu tempo para ele se recuperar. Ela pousou e, em um movimento contínuo, ergueu ambas as mãos, canalizando a Energia Cósmica em um único lapso de poder condensado. Uma energia tão pura que o próprio Felroz arfou em medo.
— Acabe com isso de uma vez! — gritou Veronica.
Juno lançou a esfera contra o peito do Felroz. A explosão foi ensurdecedora. A luz azul engoliu a criatura, e uma onda de choque varreu o local, levantando poeira e fragmentos de concreto.
Quando a poeira baixou, Juno estava ajoelhada no chão, ofegante. Ela piscou algumas vezes, sentindo o peito arder e seus olhos querendo colar. Se perguntou naquele pequeno segundo como Dante fazia aquilo de um jeito tão… fácil.
Sua boca se abriu, e ela iria ceder ao cansaço. Usar sua Energia Cósmica daquele jeito foi irresponsabilidade. Ela deixou os ensinamentos de Dante de lado para seguir os conselhos de Veronica, e quase morreu.
Era certo culpar a IA pelos seus erros?
— É melhor se levantar agora — ouviu Veronica, surpresa. — Porque ele ainda está vivo.
A linha amarelada do olfato se esticou mais uma vez em linha reta. A poeira foi cedendo, e o corpo do Felroz crescia mais e mais. A Pedra Lunar, Juno a viu. Estava bem no meio do pescoço, se remodelando aos poucos, torcendo contra a carne, mas aparente.
— Levante, garota — ouviu mais uma vez de Veronica. — Estou falando sério. Merda, o que aconteceu?
Os braços. O relâmpago que ela usou por último foi perto demais, causando dormência completa em seus membros. Era por isso que não conseguiria se mexer mais. Juno foi cedendo ao cansaço, mas não deixou de encarar a criatura nos olhos.
Se fosse pra morrer sozinha ali… que fosse olhando para ele. Sentia tristeza, seus olhos se encheram de lágrimas. Dante, Clara… ela os deixaria pra sempre. Não queria, não ali, ser morta. Suas escolhas foram todos ruins naquele dia, mas não era culpa de Veronica.
Desde o começo, ela subestimou mesmo sendo avisada.
— Desculpe, mestre.
O soco com um urro demoníaco desceu na direção de sua cabeça.
Houve um som seco, partindo de cima. No segundo depois, o berro da criatura se tornou de dor. Uma lamuria se afastando a passos curtos. Juno forçou os olhos. A primeira coisa que viu foi um dos braços pretos e retorcidos do Felroz caído bem diante dele.
Veronica soltou uma risada seca e sem humor algum.
— E a cavalaria chega para salvar a donzela.
De dentro de um dos prédios, o som seco de uma trava era puxada. E o olhar frio do atirador se mostrava novamente eficiente. Naquela cidade, ninguém conhecia melhor os esconderijos do que ele.
— É o Marcus — comentou Veronica. — Ele veio limpar a sua bunda.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.