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    Quando a porta finalmente se abriu, Dante saiu de dentro do ambiente carregado com o cheiro acre de fumaça e fuligem. Seus passos eram firmes, embora o peso das últimas horas estivesse claro em sua postura. Durante seis longas horas, ele havia suportado os berros e gritos de Decoral. Agora, do lado de fora, ajeitou os ombros e limpou discretamente alguns fios de cabelo chamuscados que haviam caído sobre sua roupa.

    Marcus, que estava sentado em uma cadeira próxima, se levantou assim que o viu. Caminhou em direção a Dante com expressão neutra, mas havia um brilho de expectativa em seus olhos.

    — E então, o que temos? — perguntou Marcus, cruzando os braços.

    Dante soltou um suspiro pesado, tirando o casaco vermelho das costas. Ele o sacudiu, espalhando fuligem no ar antes de responder.

    — Foi demorado, mas conseguimos o que precisávamos. Clara está em um lugar chamado “Caixa Preta”, dentro da Alta Cúpula. Gerhman disse que é um local isolado, afastado da parte rural.

    — O plano é ir até lá? — Marcus perguntou, inclinando-se ligeiramente para frente, a atenção fixa em Dante.

    — Sim, mas alguém precisa ficar para garantir a segurança aqui. — Dante passou uma mão pelos cabelos desalinhados, os olhos estreitos enquanto ponderava. — Juno e Jix ficam. Arsena e Magrot também. Não podemos deixar nada ao acaso.

    Marcus assentiu sem hesitar.

    — Vou avisar a eles agora mesmo.

    Dante deixou-se cair em uma cadeira próxima, os olhos vagando até a janela à sua frente. A neve caía lá fora, carregada pelo vento, formando redemoinhos silenciosos. Ele fixou o olhar, mas sua mente estava longe. As imagens de Decoral sendo consumida pelas chamas douradas e restaurada em agonia ainda queimavam em sua memória. Não era algo que ele desejava ter presenciado, muito menos ordenado, mas a ameaça de GreamHachi continuava ressurgindo como uma praga. Cada dia trazia novos problemas, e agora, com a Cuba de Heian em andamento, parecia impossível deter as peças que a Alta Cúpula movia incessantemente.

    A porta do prédio novo se abriu atrás dele. Dante ergueu a mão sem sequer virar o rosto, os olhos ainda presos à janela e ao espetáculo hipnotizante da neve.

    — Gerhman, chame Leonardo pra mim, por favor.

    Os passos pesados e metálicos de Gerhman soaram pela sala antes de desaparecer. Logo, outro som mais calmo se aproximou. Magrot parou ao lado de Dante, sua presença massiva preenchendo o espaço.

    — Posso perguntar uma coisa? — Magrot começou, sua voz grave e cheia de hesitação.

    Dante virou-se para ele com um meio sorriso.

    — Até duas, se quiser.

    Magrot hesitou por um momento, o rosto marcado por cicatrizes se contraindo com uma expressão de dor. Não era pelas chamas que havia conjurado, mas por algo muito mais profundo.

    — Você vai atrás da Clara?

    Dante soltou uma risada seca.

    — É claro que vou. Clara é tão importante quanto você, Magrot. Não importa o que pensem, ela é parte do que mantém tudo isso de pé. — Ele voltou os olhos para a janela, onde o frio do lado de fora parecia refletir sua própria raiva contida. — Eles acham que podem nos deter, que ficaremos paralisados porque têm Clara. E, talvez, estariam certos, se não soubéssemos exatamente onde ela está.

    O silêncio caiu entre os dois por alguns instantes, pesado como chumbo.

    — Aquele lugar nunca foi bom — disse Magrot, finalmente, sua voz carregada de amargura. — Eles queimaram uma mulher e seu filho porque acharam que eram de fora. Heian ficou preso ali por anos. Leonardo quase morreu, e a família dele foi humilhada de todas as formas.

    Magrot encarou Dante, os olhos endurecidos como pedra.

    — Não sei o que vai fazer, mas seja lá o que for, queime o ninho dos ratos antes que se espalhem.

    Dante se virou, seus olhos encontrando os de Magrot.

    — E o que você propõe?

    Magrot não vacilou. Com firmeza quase cruel, sua boca se moveu para dizer:

    — Mate todos que estão na Alta Cúpula.

    Dante manteve os olhos fixos na janela enquanto ouvia Magrot. A neve caía lá fora, silenciosa, mas o clima dentro da sala estava pesado, carregado de tensão.

    — Aquelas pessoas não vão ter para onde ir depois que os líderes caírem. O sofrimento pode levá-las a encontrar motivos para vir até nós. Como você lidaria com isso? — questionou Dante, sua voz carregada de seriedade.

    Magrot não respondeu de imediato. Ele sabia que lidar com a morte era simples em comparação com o sofrimento. A morte era rápida, uma conclusão imediata, mas o sofrimento era uma sentença que corroía lentamente. As lembranças mais sombrias, os arrependimentos insuportáveis, e as ideias mais destrutivas surgiam nesse estado. Era o que transformava homens em sombras de si mesmos.

    Dante estudou a expressão de Magrot, percebendo a hesitação. Não permitiria que ele se perdesse nesse ciclo de pensamento.

    — Resgatar Clara é a prioridade — concluiu Dante antes que Magrot pudesse responder. Ele inclinou a cabeça ligeiramente, um sorriso breve surgindo em seu rosto. — Eu faria o mesmo por você, mesmo depois de você ter tentado jogá-la de um prédio uma vez.

    A risada de Dante quebrou o momento tenso, ainda que brevemente. Magrot abaixou os olhos, balançando a cabeça com um toque de vergonha.

    — Peço perdão por ter feito algumas coisas — murmurou Magrot. — Clara me deu uma oportunidade única aqui. Onde posso continuar ajudando o doutor.

    — Não se preocupe, Magrot. Quando nos perdemos, ficamos esperando por uma luz para nos guiar de volta ao caminho certo. Sempre ouvi isso da minha mãe. — A voz de Dante vacilou levemente ao mencionar Linda. A saudade sempre o atingia nesses momentos. — Nós trazemos a luz para este mundo.

    Magrot ergueu os olhos, encontrando os de Dante.

    — E vai precisar da minha luz?

    A imagem das chamas douradas queimando Decoral passou pela mente de ambos. Apesar do que tinha feito, Magrot parecia intacto, nem cansado, nem exausto. Apenas pronto.

    — Gostaria que ficasse para tomar conta do abrigo. Arsena e Duna também ficarão. Preciso que cuidem de um outro assunto para mim.

    Magrot assentiu, mas arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.

    — Não tenho problema com isso, mas Arsena esteve treinando a semana toda. Se não deixar a garota dos raios para trás, ela vai ficar irritada.

    Dante reconhecia o antagonismo latente entre Arsena e Duna. Elas eram rivais desde antes de serem forçadas a trabalhar juntas. Ele sabia que a irritação de Arsena seria inevitável, mas não havia escolha.

    — Ela fica também. Esse assunto é de importância para vocês dois.

    Magrot estreitou os olhos, o rosto assumindo uma expressão de desconfiança.

    — E o que seria?

    Dante voltou-se para ele, sua expressão mais sombria.

    — Sobre um homem que caminha na cidade de Kappz vestido de negro. — Ele fez uma pausa, deixando o impacto das palavras assentar. — Alguém que diz ser dono de dois jovens lutadores, que teve o laboratório destruído e seu pessoal morto.

    O rosto de Magrot se transformou, seus olhos ficando vagos enquanto uma memória dolorosa parecia emergir. Ele ficou em silêncio por um longo momento, como se estivesse lutando contra algo em sua mente.

    — Ele está aqui? — perguntou Magrot finalmente, sua voz quase um sussurro. — Tem certeza?

    Dante assentiu lentamente, seus dedos coçando a palma da mão como um hábito nervoso.

    — Foi o que Luma me contou. — Ele voltou o olhar para a janela, observando o frio do lado de fora como se buscasse respostas no vento. — Seu colega Havok está procurando por vocês.

    As palavras caíram como uma pedra. Magrot engoliu em seco, mas nada mais disse. Havia coisas que não precisavam ser verbalizadas, especialmente quando o passado voltava para assombrar o presente.

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