Capítulo 185: Tambores
Os grilhões de ferro cravavam-se profundamente nos pulsos de Clara, suas bordas cortantes deixando marcas vermelhas e inchadas na pele. As correntes, grossas e pesadas, arrastavam-se pelo chão úmido, ecoando um som metálico e rouco a cada movimento mínimo.
Ela tentou esticar os braços, mas as correntes puxavam-na para trás, mantendo-a presa ao centro da cela fria e escura. O teto baixo parecia sufocá-la, e as paredes de pedra, negras e musgosas, exalavam um cheiro de mofo e decadência.
A luz era escassa, vindo apenas de uma tocha distante, cuja chama tremeluzia como um sopro prestes a se apagar. Seu reflexo dançava sobre a poça de água suja no chão, formada pela mistura de neve derretida e chuva que gotejava de uma fenda no teto.
Clara olhou para aquela luz, tão fraca e distante, como se fosse a única coisa que a mantivesse ligada ao mundo exterior. Seus olhos pesados fecharam-se por um instante, mas ela os abriu novamente, lutando contra a exaustão que a consumia.
A cabeça dela balançava lentamente, o corpo fraco e dolorido, e a escuridão ao redor parecia se mover, como se a cela girasse em um ritmo lento e hipnótico. Já não sabia há quanto tempo estava ali – horas, dias, semanas?
O tempo havia perdido o significado, dissolvido naquela escuridão interminável. Ela tentou se concentrar, tentou se lembrar de algo, de alguém, mas a mente dela era como a cela: vazia, fria e sem esperança.
A porta rangeu com um som metálico e longo, como se estivesse anunciando algo sombrio. A luz que invadiu a escuridão era agressiva, atingindo os olhos de Clara com força. Instintivamente, ela virou o rosto para o lado, tentando proteger-se daquele clarão inesperado. Mas, mesmo sem enxergar, o som dos passos leves ecoando no chão úmido revelou que não estava mais sozinha.
— Parece que ainda não cedeu. — A voz cortou o silêncio. Clara conhecia aquele tom; tinha ouvido repetidamente durante o que parecia uma eternidade. Uma semana inteira sendo torturada por essa mesma presença, que insistia em fazer sua mente trair os nomes das pessoas que ela jurou proteger.
A figura de Maethe surgiu, delineada contra a luz. Seus cabelos azulados desceram em cascatas enquanto ela se abaixava, aproximando-se do rosto de Clara com uma expressão que oscilava entre o escárnio e a curiosidade doentia.
— Eu fico assustada, sabia? Me disseram que você tinha uma enorme força de vontade, mas nunca achei que fosse tanta. — Maethe inclinou a cabeça, estudando cada reação de Clara, como um predador que saboreia a luta de sua presa antes do golpe final. — Está triste porque seus amigos ainda não perceberam que você não é você? — A falsa preocupação em sua voz era carregada de sarcasmo. — Só quero um nome, Clara. Nome e sobrenome daquele velhinho que tentou matar o Raver. Tão desesperado, tão fraco. Só isso.
Clara, com esforço, abriu um dos olhos. Sua visão estava turva, mas ainda conseguia distinguir o rosto jovem e cruel de Maethe. A expressão daquela mulher parecia iluminada pelo prazer sádico de controlar a situação.
— Ficaram tanto tempo lá fora — continuou Maethe, levantando-se levemente para observar a cativa de cima. — Sem casa, sem futuro. E ainda assim, ousam ter esperança. Como seres impuros podem se agarrar a algo tão nobre? Essa palavra deveria ser proibida para gente como vocês, que vivem no meio das criaturas demoníacas.
Clara respirou fundo, a dor no corpo latejando a cada segundo. Mas, mesmo naquele estado, encontrou forças para murmurar:
— Vai… se foder.
A risada de Maethe ecoou pela sala, fria e cruel, como o som de vidro se partindo.
— Eu já estou assim, querida. — Seus olhos brilharam com uma fúria controlada. — Você acha que minha cidade não sofreu depois que seu amigo passou por lá? Ele destruiu casas, incendiou bairros inteiros. Famílias perderam tudo, soldados passaram dias lutando contra as chamas. Seu povo fez isso. E eu passei dias reconstruindo os sonhos do meu povo enquanto amaldiçoava vocês.
Mesmo sob a ameaça e a dor, Clara manteve seu olhar fixo. Havia uma chama em seus olhos, pequena, mas inquebrável.
— O erro… dele foi não ter destruído tudo.
A provocação fez o sorriso de Maethe desaparecer. Ela ergueu uma sobrancelha, intrigada.
— Você ordenou que ele nos poupasse? — perguntou, inclinando-se mais perto, como se quisesse capturar cada palavra.
Clara negou com a cabeça, sua respiração entrecortada, mas seu tom carregado de firmeza.
— Não… Ele tem um… coração bondoso. Mas o problema… é que ele não é só uma pessoa boa…
A expressão de Maethe escureceu. Sem aviso, sua mão agarrou o pescoço de Clara, seus dedos afundando na carne com brutalidade. Ela puxou o rosto de Clara para cima, forçando-a a encará-la, e então a empurrou contra a parede com violência.
— A cadela diz que seu dono é bondoso… — sibilou Maethe, com raiva transbordando de cada palavra. — Mas bondade não traz esperteza. Quantos homens já perderam tudo por serem bondosos? Quantos morreram assistindo aqueles que amam sendo trucidados? Você será executada hoje, sem pressa. Sua cabeça e esses lindos cabelos brancos serão enviados como presente ao seu abrigo. Quer tanto revê-los? — Um sorriso distorcido surgiu em seu rosto. — Vou fazer questão de costurar seus olhos, para que eles assistam você se aproximar.
Mesmo com a mão firme em sua garganta, Clara deixou escapar uma risada rouca, desafiante, carregada de um desprezo que só alguém em completo controle de sua própria dignidade poderia exibir.
— Me matar… só irá trazer… mais dor. — Sua voz saiu entrecortada, mas o peso de suas palavras era sólido.
Maethe estreitou os olhos, seu sorriso transformando-se em uma linha fria e calculista.
— Para os seus Impuros, toda dor é necessária. — Com um movimento brusco, ela empurrou Clara contra a parede. O impacto reverberou pelo ambiente, fazendo as correntes rangerem e ecoarem em um som quase fantasmagórico.
Clara sentiu o choque percorrer seu corpo, mas mesmo assim não desviou o olhar.
— Quanto mais tempo eu perco com você, mais tempo seus amigos são forçados a brigar entre si — continuou Maethe, o tom carregado de veneno.
Clara tossiu, recuperando o fôlego, mas sua resposta veio sem hesitação:
— Você não conhece eles. Não conhece nenhum deles.
Ela cambaleou, seus pés buscando um equilíbrio precário no chão escorregadio. As correntes puxavam seus braços para trás, mas, em um esforço concentrado, Clara segurou-as com força e ergueu a cabeça. Seu corpo frágil escondia uma alma que não se curvava.
— Mas eu já conheci gente como você — disse, sua voz ganhando firmeza. Cada palavra era uma lâmina afiada, cortando a pretensa superioridade de Maethe. — Gente que se dizia impossível de derrotar. Gente que governava com teias de mentiras e maldições sobre os outros. Nenhum deles viveu tempo suficiente para contar suas histórias.
Maethe riu, mas o som parecia menos seguro. Ainda assim, ela inclinou-se para frente, aproximando-se perigosamente.
— Por isso existem pedidos… e milagres. — Clara completou, sua voz rouca, mas inabalável.
O sorriso de Maethe voltou, mas dessa vez com escárnio evidente.
— Nenhum milagre vai te tirar daqui, Clara Silver. Nem mesmo se você implorar pelo resto da sua vida.
Clara sustentou o olhar, e o brilho sombrio de seus olhos era como um abismo, profundo e ameaçador.
— Não se preocupe. — Ela respirou fundo, o peito subindo e descendo em um ritmo controlado. — Pra você e sua cidade, eu já pedi a destruição.
A última palavra pairou no ar, pesada como um trovão prestes a cair. Maethe hesitou, mas apenas por um instante. Sua confiança permaneceu, mas a dúvida que Clara plantou em seu coração era como uma fagulha, pequena, mas perigosa, esperando para se transformar em incêndio.
De repente, da porta, um dos soldados apareceu, tão rápido e ofegante, apontando para cima.
— Senhora — a garganta embolou com a saliva, tossindo um bocado. — Ele voltou. Aquele velhote voltou.
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