Índice de Capítulo

    — O seu inimigo sempre vai querer que você demonstre a fraqueza — disse Render, a voz ecoando na mente de Dante como uma lembrança distante, mas firme. — Claro que eles querem ver suas falhas. Eles querem o garoto que habita o seu coração, filho. Alimentam o que não deve ser nutrido para que você erre.

    Dante continuava seu caminho pela rodovia desolada de Kappz. Cada passo ressoava no concreto frio e rachado, enquanto a tempestade ao seu redor soprava com fúria, chicoteando seu rosto e cobrindo seu casaco com uma fina camada de gelo. Ele recusava o uso dos jatos ou qualquer artifício tecnológico. Não precisava flutuar, não precisava correr. Seus pés tocavam o chão com a firmeza de quem carregava um propósito inabalável.

    A cada passo, Render continuava a ecoar:

    — Para que eles possam ver o garoto morrer, precisam matar o homem primeiro.

    Dante cerrava os dentes, sentindo o peso das palavras de seu pai. Aquela voz persistente que tantas vezes o empurrou para frente, mas também o lembrou de seus próprios erros.

    — Antes deles tentarem te matar, você precisa crescer.

    Ele assentiu sozinho, o vento congelante tentando roubar o calor que queimava em seu peito. Seus olhos fixos na direção de GreamHachi ignoravam o perigo iminente. Ele sabia dos Felroz espreitando nas sombras dos antigos túneis de metrô, sabia dos zumbidos distantes das criaturas aéreas que caçavam no inverno, e também havia sentido os rastros de Energia Cósmicas deixadas por algum Feroz que devorou uma Pedra Lunar.

    Nada disso importava.

    Ele caminhava com passos firmes, um homem em direção ao Aquário Feudal, pronto para finalizar o que havia começado.

    Acima, sobrevoando os céus cobertos por nuvens densas e cinzentas, Heian, Marcus e Leonardo observavam o velho avançar.

    — É a primeira vez que vejo ele assim — disse Marcus, os olhos fixos na figura solitária abaixo. — Ele sempre sorri antes de enfrentar algo grande. Sempre tem aquela brincadeira pronta. Mas agora… parece um homem que já decidiu tudo.

    Heian, usando sua habilidade de voo para manter os três no ar, não tirava os olhos de Dante. Cada movimento do velho parecia carregado de uma gravidade incomum, como se o tempo desacelerasse em torno dele.

    — Não quero estar certo — disse Heian, franzindo o cenho. — Mas será que ele está fazendo isso de propósito?

    — Propósito, como? — perguntou Leonardo, intrigado. — Ele poderia voar até lá. Estamos a menos de dois quilômetros da cidade. Se já não sabem que estamos aqui, vão descobrir em segundos.

    — Exatamente — respondeu Heian, pensativo. — Se Maethe sabe que ele está vindo, então cada passo dele é uma mensagem. Caminhar pela rua é dizer que ele não tem pressa. Que não precisa correr para salvar Clara.

    Leonardo e Marcus trocaram olhares, tentando absorver a ideia.

    — Ele quer mostrar que pode fazer isso no tempo dele — completou Heian, como se articulasse um raciocínio ainda em construção.

    — Mas por que ele nos quer aqui, então? — perguntou Marcus, voltando os olhos para Heian.

    Heian manteve-se em silêncio por um instante, olhando para Dante lá embaixo, a figura solitária caminhando em meio ao desespero da tempestade.

    — Porque ele quer que nós sejamos testemunhas. Seja para a vitória dele… ou para o desastre. — A voz de Heian era grave, mas carregava um peso de verdade. — Dante não quer enfrentar isso sozinho. Mesmo que não precise de nós para lutar, precisa que estejamos aqui para limpar o caminho.

    Os três ficaram em silêncio, observando enquanto Dante continuava sua marcha implacável, indiferente ao frio, à dor ou ao perigo que o aguardava em GreamHachi.

    O tempo passou, mas o clima permaneceu inalterado, pesado e gélido. A única mudança perceptível era a luminosidade que emanava das muralhas de GreamHachi. Tochas altas e tremulantes revelavam silhuetas de homens alinhados com precisão, cada metro quadrado da fortificação tomado por soldados em prontidão.

    As ameias estavam lotadas, mas o verdadeiro poder se concentrava nas duas torres que se erguiam sobre a cidade. Janelas abertas revelavam os canhões colossais, suas bocas largas apontadas diretamente para frente. As mesmas armas que haviam derrubado o Felroz voador agora estavam preparadas, aguardando o momento de disparar.

    Dante, no entanto, permaneceu impassível diante da exibição de força. Seu queixo erguido desafiava a ameaça implícita, enquanto ele respirava fundo, os olhos fixos no horizonte.

    — Heian.

    A voz firme cortou o vento, alcançando o homem que sobrevoava as proximidades. Heian ouviu seu nome e imediatamente desceu, pousando com leveza ao lado de Dante. Sem hesitar, começou a caminhar ao seu lado, esperando por instruções.

    — Estou ouvindo — respondeu Heian, com a mesma gravidade no tom.

    A ordem de Dante veio fria e cortante:

    — Acabe com a muralha deles. Não quero que sobre nada.

    Nesse momento, Marcus e Leonardo também desceram do céu, um pouco trêmulos e desorientados. Era a primeira vez que experimentavam o voo prolongado, mas seus olhos estavam atentos ao que se desenrolava.

    Dante virou-se para eles, os olhos carregados de determinação, como se cada palavra fosse um peso que ele lançava sobre seus ombros.

    — Acabem com qualquer um que avançar. Eu só vou parar quando chegar ao centro da cidade. Qualquer um que se aproximar… eliminem.

    O tom era absoluto, sem espaço para questionamentos.

    Os três homens trocaram um olhar rápido, sentindo a intensidade daquela ordem. Então, quase em uníssono, responderam com firmeza:

    — Sim, senhor.

    Heian apertou os punhos, sentindo o poder pulsar em suas mãos, enquanto Marcus ajustava seu rifle, e Leonardo sacava as lâminas que carregava consigo.

    Acima, as tochas ainda tremulavam na muralha, e os canhões permaneciam imóveis, como se aguardassem o primeiro movimento. Mas Dante não olhava para eles. Seu foco estava muito além, no centro de GreamHachi, onde a verdadeira batalha o esperava.

    Quando os três subiram novamente aos céus, Dante permitiu que um sorriso se formasse em seus lábios. Não era um sorriso de alegria, mas de uma convicção amarga. Seja qual fosse a lógica de GreamHachi ao sequestrar Clara ou enviar uma impostora no lugar dela, não haveria espaço para perdão.

    Com a determinação marcada em cada movimento, Dante deu mais um passo, e a sola de sua bota tocou o concreto frio. No mesmo instante, uma onda de energia reverberou pelo chão, espalhando-se em direção à cidade. A terra tremulou como se fosse um tambor, cada passo seu marcando um ritmo profundo e ameaçador.

    A vibração não era apenas física. Era um anúncio, uma advertência para aqueles que o desafiavam. Cada estrutura erguida por mãos humanas tremia ao seu redor, como se a própria cidade temesse sua chegada.

    Os homens que agora aguardavam nas muralhas eram os mesmos que haviam subestimado sua bondade da última vez. Eles tinham sobrevivido por misericórdia, mas dessa vez não haveria clemência.

    — Deixe o garoto morrer… — murmurou Dante, mais para si mesmo do que para qualquer outro.

    Outro passo ecoou como um trovão abafado. O concreto pulsava sob seus pés, cada batida ritmada, como um tambor de guerra.

    —…Para se tornar o homem que quer ser.

    Era como se ele carregasse um exército invisível, um pelotão inteiro marchando ao som de tambores graves e ressonantes. Mas não havia exército. Não havia ninguém ao seu lado. Apenas Dante, surgindo da escuridão que cobria a cidade e da tempestade de neve que o envolvia.

    O contraste era marcante: um homem solitário, avançando com a força de mil, seu ritmo tão cadenciado quanto implacável. O gelo derretia sob seus pés, enquanto a cidade adiante parecia ser engolida pela ameaça iminente de sua presença.

    Esse era Dante, Comandante de Kappz.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota