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    Alice adentrou o anfiteatro, e sentia o tecido macio das roupas recém-adquiridas moldar-se ao corpo com perfeição. As sapatilhas de couro eram leves, como se feitas sob medida, e cada passo parecia silencioso, quase imperceptível. Ela olhou para baixo por um instante, intrigada. “Como aquele velho sabia exatamente o meu tamanho?”, pensou, mas logo foi distraída pela grandiosidade do local.

    O anfiteatro era majestoso, semelhante a um teatro de ópera renascentista. Cada detalhe era uma obra de arte. As colunas ornamentadas, feitas de mármore branco com veios dourados, sustentavam um teto abobadado que parecia ser a peça central de toda a construção. Os afrescos pintados no teto eram quase hipnotizantes, retratavam uma espécie de batalha. Havia cavaleiros reluzentes em armaduras douradas montados em dragões cuspidores de fogo, elfos arqueiros e deuses brilhantes, envoltos em auras douradas e prateadas.

    No centro de toda essa glória, no entanto, estava a figura mais inquietante. Uma silhueta negra, envolta por uma densa fumaça, erguia uma imensa foice. Sua presença no mural era um contraste violento com os outros heróis e deuses. De sua arma fluía uma névoa negra, que se espalhava como um véu sobre o campo de batalha pintado. Era apenas uma pintura, todavia Alice sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao encarar o guerreiro oculto.

    Desviou o olhar para baixo, e percebeu que as fileiras da frente já estavam ocupadas. Jovens, vestidos com roupas semelhantes às suas, simples e funcionais, feitas de couro ou algodão, enchiam os assentos. Alguns poucos destoavam do restante: havia aqueles com chapéus pontudos, ou com cetros de madeira rústica, adornados com pequenos cristais.

    Alice decidiu sentar-se nas fileiras do meio, afastada do burburinho das pessoas. Com cuidado, colocou a mochila que carregava no colo, firme entre os braços, o broche dourado guardado em um dos bolsos de sua camisa. A cada minuto que passava, o anfiteatro ficava mais cheio, e o som das conversas se tornava ensurdecedor. As fileiras do fundo logo se lotaram, e até mesmo os cantos antes vazios agora estavam preenchidos por novatos que pareciam tão deslocados quanto ela.

    Apesar do ambiente caótico, as conversas entre os muitos grupos de heróis pareciam absurdamente homogêneas.

    — Qual é a sua classe?

    — Quer montar um grupo conosco?

    — Que jogo de RPG você acha que isso aqui mais parece?

    Alice começou a se incomodar com a superficialidade das conversas ao redor dela. Não havia discussões sobre por que estavam ali, nenhuma voz que questionasse a situação ou o propósito daquele lugar. Era como se todos ao redor tivessem aceitado aquilo sem pestanejar, como se suas dúvidas e senso crítico tivessem sido removidos, tudo se resumia em apenas um eco de obediência.

    — Alice, não? — uma voz feminina soou na fileira atrás dela.

    Alice piscou, surpresa, e virou-se para encarar quem a chamava.

    — Eu?

    A garota sentada nas costas dela sorriu levemente. 

    — Lembra de mim?

    Alice demorou um segundo para processar, e então a reconheceu.

    — Amanda, certo?

    A colega assentiu, e ajustou a capa negra que vestia. Diferente das roupas simples de Alice, Beatriz usava um manto de tecido refinado, escuro como a meia-noite, com um capuz que lhe permitia ocultar parcialmente o rosto.

    — Posso me sentar com você?

    — Ah, sim… pode… — Alice respondeu, sua voz hesitante, mas um sorriso discreto escapou de seus lábios. Encontrar uma conhecida naquele lugar estranho era inesperado, mas reconfortante.

    Amanda jogou a bolsa que carregava sobre o assento e, com um movimento ágil, pulou pela fileira, em uma aterrissagem suave na cadeira ao lado de Alice.

    — O que acha? — perguntou, ao cruzar as pernas e se ajeitar.

    — Acho o quê?.

    — Desse lugar. É estranho… — suspirou Amanda. — Parece tão familiar e, ao mesmo tempo, tão esquisito. Eu devia estar me sentindo desesperada, louca, mas sei lá… me sinto tão calma… É como se eu tivesse colocado um óculos de realidade virtual e entrado em algum jogo.

    — Você jogava esses jogos? — perguntou Alice, curiosa.

    — Joguei muito… Muito MMO… Deve ser por isso que estou animada. — Amanda sorriu de leve. — É como se eu estivesse dentro de um dos meus jogos favoritos.

    — Eu já joguei todos esses jogos… — Uma terceira voz surgiu atrás delas.

    — Então você chegou… — Amanda sorriu sem olhar para trás, ela sabia quem era.

    — Não podia te deixar sozinha para criar mais confusão sem mim. — Beatriz surgiu, logo atrás no corredor e sentou-se ao lado de Amanda.

    Ao contrário das outras, Beatriz vestia roupas que imediatamente chamavam atenção. Suas camisas de couro sem mangas exibiam braços fortes, envoltos por faixas de luta novas, com nenhuma marca de uso.

    — Olá… — outra voz, mais delicada, acompanhou Beatriz.

    Emily surgiu logo atrás, e seguia sua colega com passos leves, quase tímidos, antes de se sentar ao lado delas. Também estava vestida como todas elas, porém portava um pequeno cajado de madeira de carvalho. O objeto não era muito trabalhado, entretanto não deixava de ser bonito.

    Agora, as quatro estavam alinhadas. Emily na ponta esquerda, Beatriz ao seu lado, seguida por Amanda, com Alice sentada na ponta direita.

    O tempo de conversa entre elas foi breve. Em poucos instantes, a atenção de todos se voltou para o palco, onde algo importante estava prestes a acontecer. As enormes janelas de vitrais se fecharam lentamente, e mergulharam o anfiteatro em uma escuridão parcial. A única fonte de luz agora vinha do palco, onde o mesmo trio do salão dos heróis esperava para falar. O primeiro a falar foi Magnus. Seu sorriso era caloroso, quase tranquilizador, mas Alice sentia que por trás daquela expressão amigável havia algo mais.

    — Finalmente… Acho que todos estão aqui… — Ele se virou para a terceira integrante do trio, que até aquele momento permanecera em silêncio. — Consegue fazer a contagem para nós, Lívia?

    — Setecentos e cinquenta e seis recrutas — respondeu a garota, apenas de olhar a multidão.

    Alice analisou a jovem com mais atenção. Lívia vestia o mesmo uniforme branco que Andreas usava mais cedo no estante, marcado com a insígnia de uma lua e uma estrela vermelhas. 

    — Mil recrutas, então… tivemos… — Magnus parou, e começou a fazer gestos vagos com os dedos, como se usasse as mãos como calculadora.. — Duzentas e quarenta e quatro desistências na nossa primeira hora.

    — Cento e quinze foram julgados por Mefistófeles. Existem desertores que fugiram da apresentação… — Ela fez uma pausa, olhou para os outros heróis veteranos ao redor do palco e ordenou para eles: — Classifiquem-nos como heróis de terceira classe. Podemos julgá-los depois.

    Magnus deu um longo suspiro, como se estivesse prestes a fazer um anúncio importante.

    — E quanto a vocês… — Ele olhou para a plateia com um semblante sério, e deixou uma leve tensão se criar no ar. — Vamos começar as atividades. Sei que todos estão ansiosos para iniciar o tutorial…

    Ele deu um leve sorriso, e então girou as mãos no ar. Imediatamente, uma grande tela holográfica azulada apareceu diante de todos e ocupou o centro do palco.

    — Vamos começar com uma pequena história, sobre o que é Testfeld e o motivo de todos estarmos aqui… — Angeline tomou seu lugar ao lado da tela, pronta para começar a apresentação.

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