Capítulo 192: Viva
— Dante. — A voz de Clara era um sussurro entrecortado pelo desespero. Ela tentou dar um passo à frente, mas suas pernas fraquejaram, recusando-se a sustentá-la. O chão subiu ao seu encontro em um impacto seco. Seu olhar disparou para o lado, onde o velho homem lutava para respirar, os dedos crispados ao redor da própria garganta. Um líquido espesso e escuro escapava de sua boca, misturando-se ao vermelho vivo do sangue. — Leonardo… me leve até ele!
O espadachim permaneceu imóvel por um segundo a mais do que deveria, seus olhos fixos na figura de Maethe. Ela ainda estava afundada contra a parede, o concreto rachado ao seu redor como uma teia de aranha, o impacto do golpe visível na pedra estilhaçada. Então, num rompante, Leonardo girou sobre os calcanhares e correu até Clara. Ele esticou a mão, e ela fez o mesmo, buscando desesperadamente por um resquício de controle na situação caótica.
Mas Leonardo não a segurou com delicadeza. Com um movimento brutal, agarrou seu pulso e, com um urro, arremessou-a pelo ar na direção de Dante. O gesto não foi um erro. Não foi um pedido de socorro. Foi um ato de desespero.
— Ah, não mesmo.
A voz de Maethe cortou o ar como um fio de navalha. De dentro da cratera que seu próprio corpo havia criado, ela ergueu o braço com uma precisão letal. O ar ao redor de Clara se dobrou em um vórtice invisível, comprimindo-se ao seu redor como um casulo sufocante. A jovem foi jogada para o lado, sua queda amortecida pela bolha de ar que a segurava — mas ainda assim, aterrissou pesadamente ao lado de Dante.
Ele cuspia sangue, a respiração irregular, os olhos perdidos em um ponto distante.
Clara se lançou sobre ele, sacudindo-o pelos ombros. Seu próprio corpo tremia, o coração martelando contra as costelas.
— Dante! Dante, me escuta!
Mas ele não respondia. Não reagia. O som dos golpes e gritos ao redor parecia abafado, como se algo estivesse puxando sua consciência para um abismo sem fundo.
— Ele não vai escutar.
A voz de Maethe veio carregada de diversão perversa. Ela finalmente se desprendia da parede, os músculos retesados, o braço esquerdo grotescamente dobrado para dentro — mas nem mesmo isso apagava o sorriso de escárnio estampado em seu rosto.
— Todos aqueles que tentaram escapar sem a permissão da portadora da habilidade acabaram da mesma forma. Perdidos. A mente humana é frágil, assim como o corpo. E quando pressionada… ela sempre cede.
Leonardo deu um passo à frente, colocando-se entre Dante e Maethe. Sua espada brilhou ao ser erguida, refletindo a pouca luz que conseguia atravessar a poeira suspensa no ar. Seu corpo ainda não havia se recuperado dos embates anteriores, os músculos clamavam por descanso — mas ele sabia que descanso não era uma opção. Agora que o velho homem não se movia mais, ele não precisava apenas defender. Agora, podia atacar.
O plano estava em andamento.
— Parece que está enganada quanto a isso.
Ele avançou sem hesitação, e sua lâmina riscou o ar com velocidade mortal. Golpe após golpe, cada estocada um borrão prateado, dez ataques desferidos em uma fração de segundos. Mas apenas dois conseguiram cortar a pele de Maethe. Apenas duas linhas finas surgiram, um traço escarlate contra sua pele pálida.
Leonardo sentiu os músculos se contraírem.
Essa luta vai ser complicada demais.
Maethe caminhou em sua direção sem pressa, o passo manco não diminuindo em nada a presença sufocante que emanava. Sua aura era espessa, densa como uma sombra viva, uma presença que parecia saída diretamente dos confins do inferno.
E ela sorria.
O mesmo sorriso que Dante carregava nos momentos de crise.
— E qual seria esse plano tão brilhante? — Ela inclinou a cabeça, o olhar carregado de escárnio. — Me matar, sacrificando seu melhor guerreiro?
A risada que escapou de seus lábios foi um som seco, cruel.
— Que ideia estúpida. Vocês perderam. E são tão patéticos que sequer conseguem admitir.
Ela ergueu uma das mãos, os dedos sujos de sangue tocando o próprio peito com orgulho.
— Esta cidade próspera há mais de dois séculos. Vocês acham mesmo que são capazes de derrubar nossa cultura, nossa história? — Sua voz era um sussurro venenoso, carregado de arrogância absoluta. — Eu sou a dona de GreamHachi. Eu sou a senhora da cidade de Kappz. Eu sou a herdeira de todo este continente.
Seu olhar percorreu cada um deles, sua postura transbordando superioridade.
— E não há ninguém que possa dizer o contrário.
— Eu não lembro de nada — Dante confessou, a voz soando mais rouca do que esperava. Ele encarava o horizonte enquanto falava, mas a Oficial Dalia, sentada no concreto, não desviava os olhos dele. A forma como balançava a cabeça, um sorriso de canto surgindo, indicava que achava graça de algo.
— Depois que caí aqui, ajudei bastante gente… — continuou Dante, sentindo o peso das palavras em sua língua. — Mas sempre esqueço que preciso voltar pra casa.
Dalia inclinou ligeiramente a cabeça, observando-o com aquele olhar calculista que sempre o desconcertava.
— Gosta daqui, não é? — perguntou, o tom carregado de uma certeza que Dante não queria admitir. — Dá pra ver pela forma como fala do que fez por eles. Tem certeza de que quer voltar agora?
A pergunta o pegou de surpresa. A resposta deveria ser simples. Rápida. Mas algo nele hesitou.
— Claro que tenho — respondeu de imediato, ignorando o desconforto que lhe rastejava pelo peito. — A tecnologia daqui é precária, mas encontrei um jeito de melhorar as coisas. Se eu…
— Dante. Dante. — A voz dela cortou sua fala, e a mão se ergueu em um gesto firme. — Pare de mentir pra si mesmo.
Ele piscou.
— O quê?
— Eu sei que está dividido, mas continua repetindo que quer voltar o mais rápido possível, como se isso fosse verdade. Todo mundo sente sua falta, isso é óbvio. Mas se voltar agora, essas pessoas aqui não terão onde morar, como sobreviver.
Dante negou com a cabeça antes mesmo de processar as palavras.
— Eu vou voltar o mais rápido que eu posso…
— Recruta Dante.
Ele travou. Seu estômago afundou. Quando Dalia o chamava assim, a bronca vinha na certa.
— Quero que pare de mentir pra mim — ordenou, a voz carregada de algo que ia além da seriedade. — Seja sincero.
A pressão em seu corpo veio leve, mas perceptível. Se Dalia quisesse, poderia forçá-lo a sentir dor apenas para arrancar a verdade. Mas não o fez. Em vez disso, esticou a mão e tocou seu peito, bem onde a ansiedade costumava se instalar como um nó sufocante.
— Perder as pessoas é doloroso demais — murmurou. — Perder aqueles que admiramos e amamos nos adoece.
Dante sentiu um tremor percorrer sua espinha. Ele segurou a mão dela antes que pudesse se afastar.
— Eu perdi vocês todos.
Dalia não cedeu.
— Perdeu? — Ela negou com a cabeça, um meio sorriso cansado no rosto. — Nós estamos te esperando. Faremos isso por anos, se for preciso. Mas essas pessoas ao seu redor não podem esperar.
A pausa foi quase cruel.
— Mate o garoto e deixe o homem florescer.
As palavras de seu pai. Um eco distante de um passado que Dante tentava esquecer. Uma lembrança da disciplina que lhe fora imposta desde cedo: ser racional acima de tudo, dar tudo de si sem nunca se perder no processo.
Ele fechou os olhos por um segundo. Inspirou fundo. Então, abriu-os e encarou os rostos ao seu redor — todos aqueles que a Capital lhe entregara um dia.
— Então… — sua voz saiu firme, mas carregada de algo que antes não estava ali. — Podem esperar por mais um tempo?
Tecno foi o primeiro a rir, ainda segurando o Cubo de Comunicação. Com um movimento casual, lançou o aparelho para Dante, que o pegou sem esforço.
— Velho idiota — murmurou Tecno, o sorriso sem disfarçar o respeito. — Sempre vamos te esperar voltar. Demore o tempo que for. Faça o que for necessário. Mas não volte sem antes ter feito o melhor que pôde com as coisas que tem.
— Honre a Capital — acrescentou Freto. — Honre a gente.
Crish, sempre mais silenciosa, apenas assentiu, o olhar carregado de aprovação.
Então, Talia se aproximou. Ela era a mais perto depois de Dalia, e se abaixou diante dele. A visão de sua irmã vestindo o uniforme da Capital, uma verdadeira cadete do Comando, fez algo apertar dentro dele.
O maior orgulho de Dante.
— Viva para voltar pra gente, lembra? — A voz dela era suave, mas carregava um peso impossível de ignorar. Ela piscou para ele. — Mamãe e papai vão te matar se você morrer sem entregar suas cartas. Então, lembre-se de escrever. E, mais do que isso… lembre-se de viver.
Ela segurou seu rosto por um instante, os olhos buscando os dele.
— Você não é um soldado, Dante. Você é meu irmão.
Algo em seu peito explodiu.
Sem pensar, sem hesitar, ele se jogou para abraçá-la.
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