Acabou não chovendo naquela noite.

    No dia seguinte, começou a clarear e a multidão que transitava parecia ainda mais enérgica. O número de transeuntes parecia ter aumentado e, como resultado, as pessoas que convidavam os clientes para suas lojas estavam ainda mais barulhentas. Pelo que as crianças, que não usavam suas mochilas escolares, estavam dizendo, hoje era feriado.

    Eu deixei escapar um enorme bocejo. O ar úmido parecia ter ido embora e o calor recém descoberto era muito confortável.

    Haviam muito mais estranhos no feriado, mas as pessoas que me notavam, às vezes deixavam restos de comida, um pedaço de pão ou algo assim para mim. Já que eu estava começando a ficar com fome mesmo, eu comia com gratidão depois que me certificava de que eles tinham ido embora.

    No entanto, nada era tão delicioso quanto o que a senhora me trouxe na noite passada. Mas como eu não tinha mais esse luxo, terminei toda a comida que me foi dada.

    Em contraste com o clima de feriado nas ruas, a senhora parecia estar ocupada. Mesmo quando a noite chegou, o número de pessoas caminhando parecia não ter diminuído em nada. Foi bem depois da hora do almoço que ela veio me trazer um pouco de peixe.

    — Sinto muito pela demora, gatinho.

    — Peguei comida com os que passaram por aqui, então achei que ficaria tudo bem, mas parece que eu estava com mais fome que pensei… — eu disse me desculpando.

    Então, quando ela recolheu o prato de papel, ela prometeu me trazer mais na hora de fechar e voltou para a loja.

    — Olá, como está?

    Enquanto eu tirava um cochilo entre os sacos de lixo, ouvi uma voz familiar. Quando abri meus olhos, percebi que estava começando a escurecer. Levantei minha cabeça e olhei para a rua. E parado ali estava o homem de óculos de ontem. Na sua mão havia uma lata que parecia deliciosa e ele se aproximou lentamente enquanto olhava diretamente para mim.

    O que esse cara estava pensando?

    ‘Ele acha que eu sou uma aberração, ou está pensando em me levar embora?’, pensei comigo mesma enquanto encarava ameaçadoramente aquele homem, como que dizendo que se ele chegasse mais perto eu o morderia.

    O homem para e coça a cabeça, como se estivesse encrencado:

    ─ Ah, cara. Você é tão cauteloso assim?

    Sim, você está anos-luz de distância de me enganar, meu jovem — eu disse ao homem.

    Quando eu disse isso, ele inclinou a cabeça e murmura um: “Hmm”, antes de abrir a tampa da lata. Naquele momento, um cheiro delicioso como o de ontem roçou a ponta do meu nariz, me fazendo mover as orelhas. 

    ─ Não rosne, eu trouxe uma coisa para você.

    O homem disse enquanto, gentilmente, coloca a lata na minha frente e recua, colocando uma distância entre nós. Ele está mostrando consideração? Talvez o que ele esteja tentando dizer é algo como: “Eu não vou te machucar.”

    Que ridículo. Não vou confiar em você de jeito nenhum.

    Eu me aproximo da lata, cautelosa como sempre, e dou uma encarada no homem, para mantê-lo longe enquanto eu comia. A comida enlatada era tão deliciosa que era uma pena comer tão rápido, em um estado de alerta. Me vendo comer, o homem parecia estar levemente aliviado. De repente, ouvi uma voz conhecida perto deste “Itou-san”, e a senhora que me trouxe comida agora pouco apareceu.

    ─ Oh, se não é o Itou-san.

    Ouvindo o cumprimento, ele também respondeu com um educado:

    — Olá.

    ─ Também foi entregar seu manuscrito hoje?

    ─ Não, hoje eu só estava conversando com alguém do ramo…

    ─ Entendo. Não te vejo por aí com tanta frequência, então pensei que encontrá-lo aqui de novo era um pouco estranho.

    A senhora, então, continuou:

    ─ Sua esposa vem aqui com bastante frequência para fazer compras.

    ─ Bem, você não está errada ─ reclama o homem enquanto coça sua bochecha ─, eu… hã… estou sempre ocupado escrevendo, então…

    ─ Bem, enquanto estiver fora, pode ser bom dar uma caminhada e olhar o distrito comercial, não acha? Você faz um pouco de exercício e tem muita coisa nova chegando nas lojas hoje, então todas elas ficarão abertas até mais tarde.

    ─ Um, estão com promoção?

    ─ Ora, já está pedindo desconto?

    A senhora ri e o homem sorri envergonhado.

    Eu esvaziei o conteúdo da lata rapidamente e pulo de volta para o meu esconderijo entre os sacos de lixo. Embora o homem tenha soltado um: “Ah!” ao se virar para mim, eu fui mais rápido.

    ─ Olha só. Ele fugiu, não foi?

    Depois que a senhora diz isso, o homem se abaixa e ajunta a lata vazia. Ele tira uma sacola branca do bolso e coloca a lata dentro dela.

    ─ Haa… Parece que ele ainda é arisco quando estou por perto…

    ─ É assim que a maioria dos gatos de rua agem. Afinal, muitos não conseguem confiar em uma pessoa imediatamente.

    A senhora diz, tentando consolar o homem. Ele resmunga um:

    ─ Entendo… 

    Eu fui abandonada. No entanto, é ele quem tem uma expressão de dor no rosto. Talvez ele estivesse tentando simpatizar comigo, mas não precisa. Eu não serei enganada por ninguém. Se a minha consciência tivesse surgido antes de eu ter sido abandonada, pode ser que eu confiasse, mas o que eu tenho agora não é nada além de instinto. Eu, simplesmente, não posso confiar nos humanos nem ninguém além de mim.

    O tempo claro continuou por mais quatro dias, o peixe que a senhora me dava e a lata que o homem trazia se tornaram minhas refeições. Graças a isso, minha barriga estava sempre cheia e parei de sentir qualquer pontada devastadora de fome. Viver assim era muito bom.

    No quinto dia, estava muito nublado já cedo.

    A senhora abriu a sua loja e, numa rara ocasião, trouxe uma lata já no começo da manhã enquanto murmurava:

    ─ Parece que vai chover hoje.

    Se ela estava aqui tão cedo, isso significava que ela estaria muito ocupada para sair durante o dia. Foi isso que eu pensei enquanto comia minha refeição.

    As estradas cinzentas voltaram a ter a mesma aparência da primeira vez que as vi. Um fluxo de pessoas cansadas e carros ​​preenchia o mundo diante dos meus olhos. O ar também estava um pouco úmido e, embora eu não me sentisse muito confortável, me enrolei e me escondi atrás dos sacos de lixo. E então, deixei minha mente relaxar por um tempinho para poder cair no sono.

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