Enquanto Ivar e Elara se aproximavam da saída do andar Restrito, um frio cortante percorreu a espinha de Ivar.

    Algo estava errado.

    Ele instintivamente puxou Elara para trás de uma das estantes quando ouviu um ruído estranho, um som quase imperceptível, como se o próprio ar estivesse sendo distorcido.

    Elara prendeu a respiração, os olhos atentos.

    — O que foi? — ela sussurrou.

    Ivar não respondeu de imediato.

    Ele fechou os olhos por um breve momento, aguçando seus sentidos arcanos.

    E então sentiu.

    Uma presença.

    Algo ou alguém estava ali com eles.

    Ele abriu os olhos novamente e virou-se lentamente para a porta. O brilho azul da fechadura mágica havia desaparecido, o que significava que alguém do lado de fora a havia destrancado.

    Elara percebeu isso ao mesmo tempo que ele, e sua expressão ficou sombria.

    — Fomos descobertos — ela murmurou.

    A porta rangeu ao se abrir, e passos pesados ecoaram pelo corredor estreito.

    Ivar e Elara recuaram mais fundo entre as estantes, ocultando-se nas sombras.

    A luz fraca do ambiente revelou a figura que acabara de entrar: um homem alto, envolto em um manto vermelho escuro, com um capuz cobrindo parte de seu rosto.

    Mas o que realmente fez o coração de Ivar acelerar foi o símbolo bordado no peito da túnica, o mesmo que ele havia acabado de ver nas páginas do ritual.

    — Um cultista… — Ivar sussurrou, sua mente já calculando os próximos passos.

    O homem caminhou lentamente pela sala, seus olhos varrendo o ambiente como se soubesse que não estava sozinho.

    Elara lançou um olhar para Ivar, silenciosamente perguntando o que fariam.

    Ele ponderou por um breve segundo.

    Poderiam tentar escapar sem serem vistos, mas se o cultista notasse a ausência das páginas e das chaves, alertaria os outros.

    Poderiam eliminá-lo agora, garantindo mais tempo antes que qualquer suspeita surgisse.

    Ou poderia segui-lo e ver até onde ele iria. E foi isso que ele decidiu.

    Ivar segurou o braço de Elara, sinalizando para que aguardasse. Ela franziu o cenho, mas não protestou.

    O cultista parou diante da mesa onde a caixa estivera momentos antes. Seus dedos deslizaram pela superfície de madeira, como se procurasse algo.

    Ele então murmurou um feitiço, e um brilho fraco emanou de suas mãos.

    Ivar sentiu a tensão aumentar.

    O homem estava verificando vestígios mágicos.

    Se fosse habilidoso o suficiente, poderia detectar que alguém havia tocado nos artefatos recentemente.

    Elara se inclinou levemente para perto de Ivar.

    — Se ele descobrir, teremos que agir rápido — sussurrou.

    Ivar assentiu, os olhos fixos no cultista.

    Após alguns instantes, o homem suspirou e se afastou da mesa. Ele lançou um último olhar ao redor da sala, então virou-se e caminhou de volta à porta.

    Ivar esperou até que o cultista saísse e, em seguida, seguiu silenciosamente atrás dele, mantendo-se nas sombras.

    Elara o acompanhou, tão furtiva quanto uma caçadora espreitando sua presa.

    O corredor estreito levava a uma escadaria em espiral, descendo ainda mais fundo na estrutura da biblioteca.

    O cultista movia-se com pressa, claramente indo a um destino específico.

    Ivar trocou um olhar rápido com Elara antes de continuarem descendo.

    Eles desceram até os andares inferiores da biblioteca, e após alguns minutos, o homem parou diante de uma parede, até então comum.

    Ele ergueu a mão e recitou outra série de palavras em uma língua antiga.

    Símbolos brilharam por um instante antes de desaparecerem.

    A parede se abriu com um rangido lento.

    Do outro lado, um corredor longo e logo adiante uma sala iluminada por chamas avermelhadas se revelou.

    No centro, um simbolo estava desenhado no chão, e três outras figuras encapuzadas estavam ali, esperando.

    Ivar prendeu a respiração.

    Eles haviam encontrado algo muito maior do que esperavam.

    Elara se aproximou ligeiramente de Ivar, os olhos atentos às figuras na sala. O cheiro metálico de incenso e sangue pairava no ar, misturado ao calor opressivo das chamas.

    O cultista que haviam seguido se adiantou e parou diante do círculo, abaixando a cabeça em um gesto de reverência.

    — Os preparativos foram concluídos? — uma voz rouca perguntou.

    Um dos encapuzados assentiu.

    — Sim. Mas a caixa… foi aberta.

    Ivar e Elara trocaram um olhar tenso.

    — Alguém esteve no andar restrito? — o cultista recém-chegado questionou, seu tom endurecendo.

    — Não sabemos — outro respondeu. — A fechadura mágica não foi violada, mas há uma perturbação nos resquícios arcanos.

    O silêncio que se seguiu foi denso.

    — Então já podem ter o que precisamos — a voz rouca concluiu.

    O cultista recém-chegado se ergueu e apertou os punhos.

    — Se for o caso, precisamos comunicar Lorde Kaygon imediatamente. Não podemos permitir que o ritual seja comprometido.

    Ao ouvi isso, Ivar sentiu um frio percorrer sua espinha, com uma mistura de ódio. Seja lá o que estavam planejando, precisavam detê-los antes que fosse tarde demais.

    Então, um dos cultistas se virou para o símbolo no chão, recitou palavras arcanas, e então a figura de Kaygon apareceu.

    Era uma projeção, um ritual utilizado apenas por magos que ultrapassaram suas capacidades mágicas, pelo estudo ou por pactos.

    E então, recuperaram as páginas restantes? — Kaygon perguntou.

    O cultista hesitou por um momento antes de responder.

    — Ainda não, meu senhor. Mas acreditamos que alguém as tenha encontrado. Há vestígios de magia no local onde a caixa foi guardada.

    A figura projetada de Kaygon permaneceu imóvel por um instante. Então, seus olhos brilharam com um tom carmesim.

    — Isso é inaceitável! Vocês juraram que tudo estava sob controle. Se essas páginas caírem em mãos erradas, o equilíbrio do ritual será quebrado.

    O tom de sua voz era calmo, mas carregava uma ameaça implícita.

    — Lorde Kaygon, encontraremos o responsável e recuperaremos as páginas. Ninguém sairá vivo desta cidade sem que saibamos.

    Ivar cerrou os punhos, controlando a raiva. Kaygon, seu padrasto, um homem envolvido em corrupção e mortes de não humanos em massa, além de assassinar a mãe, a esposa e a filha de Ivar, um Lorde que manipulava cultos e sociedades secretas como peças em um tabuleiro.

    E agora, ele estava diante da prova de que Kaygon realmente estava envolvido.

    — É ele, Elara. É Kaygon… — Seus dentes rangeram e seus olhos púrpuras emanaram um energia desconhecida — …esse verme ainda terá o que merece… eu irei me vingar, pela minha mãe, pela minha esposa, pela minha filha e por todos que sofreram em suas mãos.

    — E você terá sua vingança, Ivar. Mas agora não podemos fazer nada, apenas observar e escutar. Vamos obter toda a informação que pudermos aqui, mas não podemos ser vistos — respondeu Elara.

    Ivar respirou fundo, tentando controlar a raiva que fervia dentro de si. Seu corpo tremia levemente, não de medo, mas de fúria contida.

    A energia que emanava de seus olhos se dissipou lentamente, mas a promessa de vingança permanecia ardendo em sua alma.

    Kaygon.

    O nome ecoava em sua mente como um lembrete cruel de tudo o que havia perdido.

    Elara tocou seu braço, firme, mas sem agressividade.

    — Concentre-se, Ivar. Se nos descobrirem agora, perderemos qualquer chance de impedir esse ritual e acabar com Kaygon de uma vez por todas.

    Ele fechou os olhos por um breve segundo e assentiu.

    Lá embaixo, os cultistas ainda aguardavam instruções.

    — O artefato só pode ser usado uma única vez, encontrem essas páginas imediatamente. Se necessário, varram cada canto desta cidade. Eu não aceitarei falhas! — ordenou Kaygon.

    Os cultistas se curvaram em reverência, cada um deles entendendo a gravidade da situação. O tom frio e implacável de Kaygon não deixava espaço para erros.

    — Sim, meu senhor. Partiremos imediatamente.

    A projeção de Kaygon começou a se dissipar, mas antes que sumisse completamente, ele fez um último aviso.

    — Se falharem, não precisarão retornar.

    O silêncio pesado que se seguiu fez Ivar prender a respiração. Ele sabia que Kaygon não fazia ameaças vazias. Esses cultistas seriam descartados como meros peões se não cumprissem sua missão.

    O líder encapuzado se ergueu e gesticulou para os demais.

    — Dividam-se. Quero informações sobre qualquer movimentação suspeita na cidade. E verifiquem os mercadores de relíquias. Se alguém estiver tentando vender ou esconder as páginas, encontraremos.

    Três dos cultistas assentiram e deixaram a sala, movendo-se com pressa pelo corredor oculto.

    Elara se inclinou ligeiramente para Ivar.

    — Isso nos dá pouco tempo — sussurrou.

    Ele apertou os punhos, os olhos voltando para o círculo ritualístico.

    O líder cultista virou-se para o último membro restante.

    — Quanto ao sacrifício?

    O homem de manto vermelho assentiu.

    — Está sendo mantido nas celas abaixo do santuário. Ela ainda resiste, mas não por muito tempo.

    Ivar trocou um olhar com Elara.

    — Precisamos descobrir quem é essa prisioneira, se ela é importante para o ritual deles, precisamos impedir que a levem — murmurou.

    Ela concordou.

    — E se houver uma chance de salvá-la, precisamos agir rápido.

    O cultista fez um gesto com as mãos e a parede começou a se fechar novamente.

    Ivar e Elara não tinham mais como sair. Eles estavam presos do lado de dentro, e a única escolha seria lutar.

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