Índice de Capítulo

    Os degraus de metal rangiam sob seus pés, o som abafado por camadas de poeira e ferrugem acumuladas ao longo dos anos. O corredor se fechava ao redor deles, estreitando-se a cada passo, as paredes manchadas por umidade e algo mais escuro, que Heian preferiu não analisar de perto. O cheiro era pútrido, uma mistura de ferrugem, carne velha e mofo impregnado.

    As escadas se bifurcavam em direções opostas, uma subindo em espiral, outra descendo rumo à escuridão, mas a descida havia sido bloqueada por entulho — concreto, vigas de ferro torcidas e fitas desgastadas pelo tempo, algumas rasgadas e cobertas de manchas escuras. Entre os escombros, corpos estavam amontoados como sacos de carne, alguns empalados contra a parede por estacas de pedra. Os rostos, ou o que restava deles, eram um testemunho mudo do horror que se desenrolara ali. Os olhos vazios pareciam acusar, perguntar, exigir respostas que ninguém jamais daria.

    Heian observou aquilo com um olhar frio. Não era apenas o local que o incomodava, mas a lógica daquilo. Por que correriam para um beco sem saída? Quem os conduziu até aqui?

    Respirou fundo e forçou o olhar para cima, acompanhando as escadas que subiam rente às paredes. A escuridão escondia seu fim, mas ele sabia que estavam subindo, cada passo os afastando dos mortos abaixo. Seus pensamentos estavam pesados, e não foi surpresa que o silêncio reinasse entre eles.

    Leonardo quebrou a quietude:

    — Estamos nos aproximando da superfície. Precisamos entender onde viemos parar. Três dias caminhando sob a terra… e devemos descansar.

    — Descansamos quando chegarmos lá em cima — respondeu Heian, a voz firme como pedra.

    Seus olhos caíram sobre a porta de ferro à frente. A ferrugem corroía as dobradiças, e a tinta descascava em tiras irregulares, revelando o metal enferrujado por baixo. Havia algo estranho nela. O corredor abaixo estava repleto de corpos, mas ali, depois de certa altura, não havia mais nenhum. Como se os que tentaram fugir nunca tivessem conseguido passar por essa porta.

    — Eles nunca chegariam até aqui — murmurou Heian. — Então por quê?

    Sua mão encontrou a maçaneta fria. Ele sentiu resistência ao girá-la, a ferrugem se recusando a ceder, até que com um estalo seco, a porta rangeu e começou a se abrir. O cheiro por trás dela era diferente, menos pútrido, mas ainda impregnado de algo errado. Algo humano.

    Quando a porta se abriu, revelou-se um corredor largo e úmido, estendendo-se para além do que as chamas podiam alcançar. O cheiro de mofo e podridão pairava no ar, espesso como neblina, insinuando segredos antigos e esquecidos. O concreto estava escurecido pela umidade, e filetes d’água escorriam pelas paredes, formando pequenos riachos que serpenteavam pelo chão irregular.

    Heian parou na soleira, erguendo a mão num gesto brusco. Juno e Leonardo entenderam o recado e não avançaram. Algo estava errado. Não era apenas a penumbra sufocante ou o cheiro de morte impregnado no ambiente. Era algo mais profundo, mais instintivo. A energia dali parecia podre, como se o próprio ar estivesse doente. Cada fibra do corpo de Heian gritava para que fechasse a porta e esquecesse o que vira.

    Um clarão piscou na escuridão. Pequeno, débil, como uma vela tremulando em meio a um vento invisível. Depois outro. E outro.

    Por um momento, Heian tentou convencer a si mesmo de que eram apenas reflexos da umidade nas paredes ou vaga-lumes que haviam se perdido naquele túmulo subterrâneo. Mas então, algo se moveu.

    Um arrastar lento. Pernas fracas tropeçando, um corpo cambaleante, saindo das sombras. E uma voz.

    Baixa. Fraca. Mas infantil.

    — Me… ajuda.

    Juno estremeceu. O som ecoou no corredor, distorcido, como se tivesse atravessado um longo túnel antes de chegar até eles.

    — Por favor, tio… me ajuda.

    Foi quando Veronica, silenciosa até então, emergiu em suas mentes com um tom severo que nunca usava.

    — Fechem essa porta. Agora. Subam para a superfície e nunca mais falem sobre isso.

    O clarão piscou de novo, e Heian percebeu a verdade. Não eram luzes. Eram olhos. Piscando. Observando.

    O que saiu da escuridão não era uma criança.

    O rosto era pequeno, mas deformado. Cicatrizes cruzavam sua pele pálida, rachaduras abertas em carne morta. Os olhos, grandes demais, brilharam por um instante, verdes como brasas numa fogueira moribunda.

    — Isso não devia estar vivo — murmurou Veronica. Sua voz tremia, como se até mesmo ela, que vira tanto, estivesse assustada. — Nada do que está aí dentro devia estar vivo.

    A coisa virou a cabeça devagar, num ângulo que um humano jamais conseguiria. O pescoço estalou. E então, a voz mudou:

    — Tia Juno…

    Juno congelou.

    — Por que você matou meu papai, tia Juno?

    A coisa não se moveu, mas os olhos não piscavam mais. Fincaram-se nela, como se pudessem perfurar sua mente.

    Leonardo agiu rápido. Agarrou Juno, tapando sua boca antes que ela dissesse qualquer coisa. Heian não perdeu tempo — fincou os pés no chão e empurrou a porta para fechá-la.

    Mas então, com um horror crescente, percebeu que sua luz os havia traído.

    A esfera branca, aquela que conjurara para iluminar o caminho, seguiu seu braço ao recuar. E atravessou a soleira, flutuando para dentro do corredor.

    A última coisa que Heian viu foram os olhos verdes piscando no escuro. E então, dezenas. Centenas. Todos se abrindo ao mesmo tempo.

    — Corram! — gritou Veronica.

    Heian puxou o máximo que pôde, mas algo bloqueou o caminho. Uma mão, deformada e esquelética, havia segurado a porta, deixando seus dedos trincados contra a parede, mas impedindo qualquer possibilidade de fechar.

    Os olhos das criaturas se mostraram naquele pequeno filamento. Heian, Juno e Leonado não tinham mais a luz com eles, mas dava pra ver as tonalidades de verdes se aproximando rapidamente.

    — Corram, seus idiotas! — Veronica rugiu em suas mentes. A voz dela carregava desespero e fúria em igual medida. — Eles são Sugadores. Não vão parar. Nunca. Eles devoram tudo, pele, ossos, alma. Corram!

    Heian usou seu pé e chutou a mão da criatura, o jogando pra dentro. Fechou e girou. Juno e Leonardo desciam pelas escadas, mas Heian pulou lá de cima. Ele chegou até lá embaixo e não tocou o chão, flutuando.

    Leonardo saltou da escada, também flutuando, mas com Juno agarrada em si.

    Heian fez outra luz emergia de sua mão, mas quando olhou pra cima, um grito feroz e agressivo emergiu da porta, batendo com tanta força que as paredes também vibravam.

    — Porra, o que estão fazendo? — Veronica perguntou mais irritada do que antes. — Eu mandei correr, seus vermes. Corram o máximo que puderem, por tudo o que acreditam ser sagrado. Corram.

    A porta explodiu. E então, tudo foi caos.

    — Me ajuda — as vozes soavam juntas, como um canto macabro, dos confins do inferno. — Me ajudem a voltar a vida…

    Heian acelerou rapidamente para fora, na direção do corredor. E então, percebeu… os corpos que estavam jogados nos chão foram todos ganhando uma cor verde, a mesma energia que os Sugadores emitiam lá de cima.

    Ele usou o teto, ficando mais próximo, e Leonardo os seguiu.

    — Não parem nos caixotes — o alerta de Veronica veio mentalmente. — Não parem até chegarem na superfície. E rezem, rezem para que ainda tenham Felroz nesse inferno de túnel.

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