Capítulo 31 — Encarando a morte (terceira vez já, pqp)
Finalmente tendo um tempo para si, o emissário parou para respirar fundo. O ar denso da Selva de Concreto penetrou seus pulmões sulfurosos, carregando cada parte do seu corpo com uma densa energia mágica sagrada. A cada segundo, centenas de cristais congelados rompiam sua pele, enquanto a mesma regenerava constantemente. Apenas por olhar, tinha certeza que aquele processo era insanamente doloroso, o que seria um problema se não fosse a incapacidade de um corpo sulfurizado de não sentir dor.
“Então esse é o grande experimento daquele druida. Ele criou um receptáculo que consegue absorver altas quantidades de magia, mas ao mesmo tempo negligenciar a curto prazo os seus efeitos.”
Não era atoa que ele podia conjurar enormes quantidades de gelo sem ter que lidar com a fadiga ou a dor que aquilo poderia causar. Era uma arma poderosa, mas ao mesmo tempo nociva.
“Não existe mecanismo perpétuo, tudo e todos estão sujeitos à lei da entropia. A cada vez que uso uma quantidade de magia muito acima do meu limite, sinto a minha consciência ficando mais nublada, como se eu pudesse perder o controle a qualquer momento. Também sinto como se tivesse algo em mim que estivesse faltando…”
Usando a lâmina do seu machado, o emissário fez um minúsculo talho na ponta do seu dedo. Em poucos segundos, fios se estenderam de uma borda até a outra do seu ferimento, como raízes se espalhando no solo até estar completamente fechado. Porém, a pele não ficou da mesma forma como antes. Havia uma queloide esbranquiçada sobre o lugar.
— Esse processo de cicatrização é uma merda…
De repente, seus ouvidos captaram um estalar de um galho nas profundezas da selva.
“Que merda! Será que tem mais deles? Por falar nisso, ainda tem um puto que não mandei para a terra dos pés juntos, melhor dar um fim nisso.”
Com seu machado barbado em mãos, Huan Shen seguiu calmamente em direção ao som que ouviu mais cedo. A cada passo que dava selva adentro, não podia deixar de sentir como se algo em seu corpo estivesse faltando. Ele olhou seus braços, suas pernas, tateou o rosto, mas tudo aparentemente estava ali.
Ele estava completamente imerso em seus pensamentos, quando o cheiro de enxofre queimado atingiu suas narinas. De repente, a selva escura e desértica estava envolva em um brilho alaranjado, não como um efeito mágico, mas como se houvesse uma poderosa fonte de luz em algum lugar por lá. Cinzas superaquecidas preenchiam o ambiente e deixava tudo mais difícil de respirar. Pela primeira vez em algum tempo, Huan Shen sentia uma pontada de calor.
— Será que isso é obra do sulfurizado? Tanto poder…
Não demorou muito para seus olhos pairarem no imenso fogaréu a sua frente. Era como se um meteoro tivesse acabado de atingir a superfície com todo o seu poder. Seu corpo começou a emanar mais energia frígida, como se tentasse balancear todo o calor que estava presente no ambiente.
“Será que o deus tirano que morreu nesse lugar estaria satisfeito com uma imagem dessas em seu território?”
Como uma cratera, o terreno afundava em direção a um ponto brilhante que residia no centro daquele buraco. Seus pés deslizavam através das cinzas, emitindo um chiado intenso no mais breve contato. O ar era pesado como uma montanha. Se não fosse a constituição do seu corpo, já teria sido completamente carbonizado.
Residindo sobre uma rocha parcialmente derretida, Sião olhava para suas mãos atentamente, ignorando seus arredores enquanto seu corpo emitia ondas poderosas de chamas. Huan Shen pensou em arremessar seu machado, mas ao ver que o mesmo tinha sido completamente derretido, resolveu pensar duas vezes.
— Sabe de uma coisa que eu sinto falta? — disse Sião, indiferente ao seu ambiente.
Huan Shen cobria o rosto instintivamente, pois não confiava na plena capacidade de regeneração daquele corpo. Seus braços estavam completamente queimados, tendo parte dos seus músculos expostos.
— Um hambúrguer com queijo. Minha tia me levava sempre para comer um nos finais de semana quando eu passava o final de semana com o filho dela. Tinha uma barraca que ficava a mais ou menos três quilômetros de casa. O fogão era minúsculo, o cheiro de carvão empesteava o ar, o óleo era de procedência duvidosa e tínhamos sérias dúvidas sobre como aquela carne era produzida, mas quando aquilo atingia o céu da boca…maravilhoso! Sempre me perguntei como algo que parecia tão ruim atingia um resultado tão bom.
“Onde ele quer chegar com isso?”
Huan Shen permanecia em silêncio, observando atentamente os movimentos do sulfurizado. Aos poucos, seu corpo se adaptava às altas temperaturas e começava a baixá-las.
— Era tudo tão simples, sabe? Éramos dois adolescentes vivendo a melhor fase da nossa vida, onde tudo que tínhamos de fazer era tirar boas notas e não jogar o nome da família na lama. De repente, veio a vida adulta, veio a Kelly e então nós dois não éramos mais amigos. Tudo parecia piorar vertiginosamente. As pessoas não eram mais gentis, meus companheiros me ignoravam, todo mundo que amei um dia ficou desapontado com o que me tornei quando virei um adulto. Onde estava aquela criança prodígio? Aquele jovem radiante e enérgico? Por que tudo parecia uma merda?
— Não achava que sulfurizados conseguiam reter memórias do seu passado.
Sião esboçou um sorriso no rosto.
— É por isso que Heferus nos criou com data de validade. Não sei se percebeu, mas tem algo faltando nos sulfurizados evoluídos, como eu e você.
Dois toques sutis no lado esquerdo do peito responderam todas as dúvidas do emissário. Sua mão encostou na região, mas não foi capaz de sentir a mesma energia pulsante que sempre sentiu toda sua vida.
— Ele sabia que conforme nós evoluíssemos, o controle dele sobre nós iria enfraquecer e eventualmente iríamos superá-lo. Por isso, toda vez que usamos nossas habilidades, o coração é desgastado até não existir mais. Quando isso acontece, não temos mais do que algumas horas até nos tornarmos tão rígidos quanto um troco enquanto nosso corpo apodrece.
Aquela notícia pegou Huan Shen completamente desprevenido.
— Não é possível! Deve haver um jeito de reverter isso.
Risadas incrédulas ecoaram da boca do sulfurizado.
— A vida é uma merda, né? Arrancaram o coração do seu peito, qualquer vestígio de humanidade em seu corpo morreu naquele momento. Acha que todos terão seu momento heroico e morte honrosa? Porra nenhuma! A maioria de nós morre na sarjeta, feito bosta, completamente incapaz. Achou que tanto poder vinha assim de graça? Pois é, aqui se faz, aqui se paga.
O emissário cerrou os punhos. Quando ele justamente decidiu lutar pela sua vida, estava prestes a perdê-la novamente.
— Eu não tenho que ouvir isso de você. Não vou desistir tão fácil assim. Aquela bruxa deve saber de alguma coisa. Nem que eu tenha que arrancar cada um dos seus dedos, ela vai me dizer algo útil!
Huan Shen virou suas costas e se encaminhou na direção do templo, até que de repente uma coluna de fogo surgiu na sua frente. O brilho era tão intenso que o deixou atordoado por alguns segundos.
— Que porra você está fazendo? — perguntou o emissário, enquanto tentava restabelecer seu equilíbrio.
— Nós dois não temos muito mais do que algumas horas de vida. Por que não temos uma última diversão? O que é mais poderoso? Meu fogo ou o seu frio? Não devemos isso aos leitores?
“O que te faz imaginar que tem alguém lendo essa porra?”
— Isso é uma perda de tempo do caralho. Mas se quer tanto assim morrer, não vou te dar tempo para se arrepender!
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