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    Kalish sentou-se primeiro, tocando a mesa e depois sua cadeira. Acho que seria o único a tomar um assento.

    No entanto, à sua frente, apenas Clara tomou uma cadeira. Atrás dela, Dante ficava escorado na parede, ocupando o lado esquerdo, não o direito. Por algum motivo, parecia que faltava alguém ali, como se a disposição dos presentes fosse cuidadosamente calculada para transmitir uma mensagem silenciosa.

    Atrás de Kalish, seus quatro homens permaneciam em posição, rígidos e alertas. Dava para sentir o temor deles, uma tensão palpável no ar. A demonstração de força que haviam testemunhado do lado de fora, momentos antes, fora bem clara: se fizessem ou dissessem algo que não deviam, seriam rapidamente colocados em seus lugares.

    — Primeiro — anunciou Kalish, quebrando o silêncio pesado. Ele colocou a mão no bolso e puxou um pequeno frasco transparente, dentro do qual havia algumas folhas escuras, marrons e quase negras. — É um presente. Tempero do meu cozinheiro preferido. Deixa um gosto na carne incrível e também pode ser usado em outros pratos.

    Clara demorou um momento antes de esticar a mão e pegar o frasco, colocando-o ao lado com um gesto cuidadoso.

    — Queria ter algo para oferecer como um presente de boas-vindas — disse ela, sua voz calma e medida. — Mas, atualmente, estamos em fase de construção. A cidade de GreamHachi, como deve saber, teve um final trágico, e estamos recebendo muitas pessoas enquanto tentamos manter os projetos de reconstrução em andamento. As refeições, por exemplo, são uma prioridade.

    Kalish deu uma risada suave, esticando a mão sobre a mesa e respirando fundo, como se estivesse saboreando o ambiente ao seu redor.

    — Sei disso, e consigo sentir que este lugar vai prosperar — comentou, seu olhar percorrendo a sala. — Todo o material aqui é de alta qualidade, tudo que vocês forjaram é impressionante. Mal posso esperar para ver quando este lugar estiver andando com as próprias pernas.

    — Fico feliz que nos veja dessa maneira — respondeu Clara, mantendo a simplicidade e a honestidade em suas palavras. — Mas ainda temos muito caminho a percorrer.

    Kalish já havia lidado com muitos mentirosos em sua vida, como a própria Maethe, que sempre tentava disfarçar seus verdadeiros motivos por trás de uma fachada de benevolência. Maethe usava sua estadia na Zona Cega para prazer pessoal, muitas vezes se esquecendo da cidade e dos moradores que supostamente governava.

    Claro, Kalish não podia fazer comentários sobre como a cidade era regida. Afinal, eles eram bons compradores, e isso era o que importava. Ter Maethe como aliada era como ter uma pequena renda mensal garantida, uma parceria que durara mais de vinte anos. Mesmo antes da chegada da “lunática da telecinese”, como ele a chamava, a cidade já era regida por acordos com a Zona Cega.

    O que Kalish não conseguia entender era como Maethe havia sido derrotada.

    — Não vou fazer vocês perderem tempo — disse ele, sua voz agora mais séria. — Vim porque sei que Maethe morreu, e não sei o porquê. Maethe não era fraca — ele suspirou, como se estivesse revivendo memórias. — Era uma pessoa de extrema força e habilidade. Ela conquistou muitos aliados poderosos dentro da Zona Cega, alguns que ainda estão tentando entender o motivo de sua morte e da destruição. Não apenas da cidade, mas da Alta Cúpula. E, vendo Leonardo aqui, Fabiana e alguns moradores, acredito que tenha sido um motim interno.

    Ele fez uma pausa, tomando um gole de ar, seus olhos se fixando na lâmpada acima de sua cabeça. Ela brilhava constantemente, sem oscilações. Era eletricidade de verdade, algo raro e impressionante.

    — Vi Gerhman — continuou Kalish, seu olhar agora voltado para Clara. — Ele também fazia parte disso. Alguns dos amigos de Leonardo estão presentes também.

    Clara manteve a cabeça fixa, imóvel, enquanto o velho atrás dela, com um charuto na boca, também permanecia parado, observando tudo com atenção.

    — Maethe morreu porque foi gananciosa demais.

    A resposta seca de Clara fez Kalish erguer uma sobrancelha, surpreso pela franqueza.

    — Diz isso por qual motivo? — perguntou ele, sua voz carregada de curiosidade.

    — Porque eu conheci a mulher que fazia acordos com você — respondeu Clara, sua voz firme, mas contida. — Não só a conheci, como fui sequestrada por ela. Presa dentro do Arco de Vidro, na cidade. — Ela puxou a manga do casaco, revelando as marcas no pulso, ainda vivas, um testemunho silencioso do que havia sofrido. — Uma semana presa. Ela achou que eu cederia.

    — Você derrotou Maethe? — a pergunta partiu de Fred, um dos homens de Kalish, sua voz cheia de incredulidade. — Desculpe, senhora. Não sei nem como dizer, mas Maethe era forte demais até mesmo para alguns dos melhores soldados da Zona Cega.

    Clara negou com a cabeça, mantendo a sobriedade.

    — Nunca disse que eu a derrotei. Ele fez isso. — Ela apontou com a cabeça para trás, onde Dante estava. — Dante fez com que ela sentisse o gostinho do que ela mais fazia com os demais ao redor.

    Kalish sentiu sua garganta arder. O velho, Dante, nem se mexeu, apenas continuou a fitá-los com um olhar penetrante.

    — Não só Dante, mas Heian, Leonardo e Marcus estavam lá naquele dia — continuou Clara, tocando a tampa do frasco de vidro que Kalish havia dado, balançando-a de um lado para o outro, quase a deixando cair antes de puxá-la de volta. — Maethe, Raver, Januário, Zephir e mais alguns outros. Eles perderam suas vidas quando desafiaram não só o meu povo, mas aqueles que tentam sobreviver do lado de fora. Por isso, Maethe foi gananciosa.

    Era mais claro do que nunca que Clara Silver dava as ordens dentro da Cuba, mas era Dante quem comandava as ações. Ah, o título.

    — O Comandante de Kappz — disse Kalish, o título chamando a atenção dos quatro homens atrás dele. — Esse seria você, Dante?

    — Apenas sou o que Clara me pede para ser — respondeu Dante, puxando o charuto da boca e deixando a fumaça escapar lentamente enquanto falava. — E não sou o único. Tem outros com o mesmo título que eu.

    Leonardo, Heian… aqueles olhos que os encaravam, esperando que eles cometessem um erro para dar o bote. A Cuba era um ninho de pequenos dragões que crescia bem debaixo dos olhos da Zona Cega. Um lugar onde pessoas dedicadas se uniam para crescer, sem se importar com vizinhos barulhentos e autoritários.

    A Cuba parecia um ótimo lugar, próspero.

    — Lutou contra Maethe mesmo, velhote? — Jodrick, outro dos homens de Kalish, avançou, sua voz desafiadora. — Não acredito que tenha conseguido derrotá-la sem sacrificar nada. Eu gostaria, se for do interesse do meu senhor e da sua senhora, de uma demonstração de força.

    Kalish virou na cadeira, visivelmente perturbado.

    — Por que quer lutar agora? Que tipo de respeito e educação é essa?

    Clara também esperou a resposta de Dante, que finalmente se moveu, erguendo a mão com um sorriso tranquilo.

    — Posso fazer isso, minha senhora.

    Kalish viu Clara abrir um sorriso, não um sorriso bondoso, mas um que transmitia plena consciência do que aconteceria em seguida.

    — Veio de um lugar distante demais, senhor Kalish. Descanse e amanhã cedo terminamos nossas boas-vindas. Creio que seu rapaz também queira descansar antes de duelar, é o mínimo que peço.

    A ideia parecia um pouco distante para Kalish. Ele não conhecia Dante, mas a habilidade de Jodrick era suficiente para enfrentar os melhores dentro da Zona Cega, nas três zonas. Se Dante errasse um pouco, ele seria cortado ao meio. Um teste como esse poderia custar mais do que apenas a amizade — poderia custar uma vida.

    Foi então que Dante levantou a mão, sorrindo com uma confiança que parecia inabalável.

    — Prometo que pego leve.

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