Capítulo 410 - Lamaçal.
Os dois avançavam pelo lamaçal pantanoso, mas apenas Colin afundava na podridão pegajosa. A lama atingia seu abdômen, sugando-lhe o calor, mas Morwyna estava acima disso, mantida longe do frio pelos braços firmes de Colin.
Ele a carregava com facilidade nas costas, suas mãos segurando suas coxas com firmeza enquanto ela envolvia os braços ao redor de seu pescoço. O cheiro pútrido do pântano ainda tornava cada respiração, um desafio, mas, envolta pelo calor dele, Morwyna sentia-se protegida do pior daquela jornada.
A luz trêmula das pedras incrustadas no teto lançava reflexos fantasmagóricos na água negra, tornando a travessia ainda mais irreal.
Eles já caminhavam há quase uma hora, e não havia sinais da rebelião — nenhuma voz, nenhum som além do ocasional, gotejar da caverna e o barulho das águas lamacentas sendo cortadas pelos passos pesados de Colin.
Ela hesitou antes de perguntar.
— Será que Samantha e os outros conseguiram escapar?
— Não precisa se preocupar. — Colin respondeu sem hesitar. — Samantha é competente, conheço-a há anos. E os outros pareciam bem capazes para mim. Nos encontraremos em Gheskou.
Morwyna abaixou um pouco o rosto, sentindo a respiração quente dele contra sua pele.
— O senhor é bem otimista… ou talvez eu esteja sendo pessimista demais… me perdoe.
Colin não respondeu de imediato, apenas continuou marchando pelo pântano interminável, seus músculos tensos a cada passo que dava contra o solo viscoso.
Morwyna pressionou o rosto contra as costas dele, o calor do corpo de Colin irradiando através de suas vestes úmidas.
“Ele é quente… aconchegante…”
O pensamento a surpreendeu, e ela se repreendeu mentalmente por isso. Não deveria estar focada nisso naquele momento. Mas não podia negar a sensação segura que a proximidade dele trazia. A força em seus braços, a firmeza com que ele a segurava, a forma como sua altura a mantinha acima do frio e da lama que ameaçaria consumir qualquer um de estatura menor.
Se estivesse sozinha, seus membros já estariam dormentes, seu corpo tremendo, lutando para não afundar completamente naquela armadilha pantanosa. Mas com ele, ela estava protegida.
Sem querer, seus dedos se apertaram levemente contra os ombros dele.
Colin notou, mas nada disse. Apenas seguiu em frente, implacável como sempre. O silêncio entre eles se estendeu por um momento antes de Colin quebrá-lo.
— Seu pai… que tipo de homem ele é?
Morwyna desviou o olhar, como se a resposta fosse algo que ela não quisesse encarar diretamente.
— Ele… acho que ele não é um bom homem… — Sua voz saiu hesitante, quase um sussurro.
Colin arqueou uma sobrancelha, sem diminuir o ritmo da caminhada.
— Não é?
Ela apertou os lábios, pensando em como responder.
— Meu pai é… um rei temido. Respeitado. Para os outros Elfos Negros, ele é um governante implacável. Mas… para mim, ele sempre foi alguém distante. Frio. As únicas palavras que me dirigia eram ordens ou reprimendas.
Colin soltou um breve som de entendimento, mas sua mente estava em outra coisa.
— E as fraquezas dele?
Morwyna franziu o cenho, balançando a cabeça.
— Eu… não conheço nenhuma. — Seu tom carregava um peso de frustração. — Ele é um Monarca Arcano da Pujança e do Céu. Os anciões dizem que ele é o Elfo Negro mais poderoso da história.
Colin permaneceu em silêncio, digerindo a informação. Se fosse verdade, então enfrentá-lo não seria algo simples.
— E os Elfos Negros? Eles o seguem cegamente?
Morwyna assentiu.
— Eles são fiéis ao meu pai. Extremamente fiéis. Para eles, ele não é apenas um rei… é um símbolo. Um pilar que mantém nosso povo forte.
— Mesmo aqueles que ele trata como lixo?
— Eles aceitam. — Sua voz carregava um toque amargo. — Porque acreditam que a supremacia dos Elfos Negros vem antes de qualquer coisa. Desde crianças, nos ensinam que somos superiores, que fomos feitos para dominar e que o mundo pertence a nós por direito. Para eles, obedecer a um rei poderoso é o único caminho para preservar essa supremacia.
Colin bufou.
— Supremacistas… — murmurou, um sorriso seco surgindo em seus lábios.
Um silêncio breve se instalou entre eles antes de Colin falar novamente.
— E você, Morwyna? Já pensou em ser rainha?
Ela se sobressaltou levemente, e seu rosto corou em uma mistura de surpresa e constrangimento.
— Q-quê?
— Você tem sangue real. Seu pai governa com mãos de ferro. Você nunca imaginou estar no trono? Que eles precisassem de mudança para se dar bem com as outras raças?
Morwyna desviou o olhar, sua expressão ficando subitamente séria.
— Eles nunca aceitariam uma mulher como rainha…
Colin ergueu uma sobrancelha e a deixou continuar.
— Os Elfos Negros valorizam força acima de tudo — ela suspirou. — E, para eles, os homens são os guerreiros, os líderes. Meu irmão está na linha de sucessão. Eu nunca fui considerada para nada além de uma ferramenta política, uma peça que pode ser movida para fortalecer alianças… ou… fortalecer os exércitos dele…
— Então, você não tem nenhum poder no seu próprio povo.
Ela riu, mas o som foi amargo.
— Nenhum…
Colin não respondeu imediatamente. Mas agora ele sabia algo que poderia ser útil. Se Morwyna não tinha lugar entre os Elfos Negros… talvez fosse possível fazer com que ela encontrasse um em outro lugar.
Morwyna ficou em silêncio por um momento, sentindo o balançar rítmico do corpo de Colin conforme ele avançava pelo pântano. O calor dele ainda a envolvia, protegendo-a do frio penetrante da lama, mas sua mente estava tomada por uma inquietação.
— Senhor Colin… — ela começou, hesitante. — Você… você vai ajudar os Elfos Negros?
Colin não respondeu de imediato. Seus olhos dourados estavam fixos à frente, analisando o caminho, mas sua mente estava longe, ponderando a questão.
— Mudar a mentalidade de um povo não é algo que se faz de um dia para o outro — ele disse enfim. — Requer tempo, gerações de mudança. Requer líderes dispostos a quebrar tradições e enfrentar resistência dentro de sua própria raça. Requer sangue, suor e sacrifício.
Morwyna abaixou a cabeça, compreendendo o peso daquelas palavras. Então Colin continuou, seu tom suavizando.
— Mas eu ajudarei. Conheço muitos Elfos Negros que são bons. Nem todos são como seu pai. Alguns sequer se parecem com ele em mentalidade ou comportamento. E tem você…
Ela ergueu os olhos, surpresa.
— Você é uma mulher doce e gentil.
O calor subiu por seu rosto, e ela apertou os braços ao redor dele, tentando esconder seu rubor.
Colin soltou um suspiro e mexeu os ombros levemente.
— Mas falamos disso depois. Vou começar a correr agora. Se eu ficar nesse frio por mais tempo, mesmo com esse corpo resistente, vou congelar.
Morwyna arregalou os olhos.
— Correr? Aqui?!
Antes que ela pudesse protestar, um trovão seco ressoou no ar.
Cabrum!
Faíscas elétricas começaram a circular pelo corpo de Colin, ziguezagueando por suas vestes encharcadas. Os fios de seu farrapo escuro se arrepiaram com a energia pulsante. Então, com um único impulso poderoso, ele saltou para fora do pântano, pairando no ar, sustentado por um círculo mágico que se formava sob seus pés.
— Segure-se firme.
Morwyna, ainda atordoada com a súbita mudança de cenário, apertou instintivamente os braços ao redor do pescoço dele, suas mãos agarrando-se com mais força.
Então, num ribombar de trovão, Colin desapareceu.
Longe dali, no epicentro de um círculo mágico colossal, Rian ajoelhava-se, seu rosto uma máscara de tormenta e fúria contida. A luz pulsante do feitiço lançava sombras distorcidas ao seu redor, refletindo o peso de sua frustração.
Um sacerdote se arrastava até ele, deixando um rastro de sangue pelo chão enegrecido. Sua voz tremia tanto quanto seu corpo.
— Mestre… os prisioneiros… a maioria se foi… Recuperá-los levará meses, talvez anos. E não podemos arriscar a ira de Runyra… as notícias… Runyra venceu Lumur também…
Ele hesitou, como se cada palavra fosse um golpe em sua própria garganta.
— Alguns dos que recapturamos falam de um homem imponente… tatuado, de pele escura. Foi ele quem iniciou a revolta.
Rian cerrou os punhos, seu corpo vibrando de ódio. O chão tremeu sob ele quando seu poder escapou num surto de fúria.
— Coen… Ele previu essa fuga desde o início? — rugiu ele, sua voz transbordando veneno. — Por isso insistiu que Colin fosse poupado? Malditos sejam! Fomos tolos em confiar naquele verme!
O sacerdote, apesar de suas feridas, forçou-se a continuar.
— Mestre… e o ritual?
Rian inspirou fundo, deixando a raiva se solidificar em algo mais letal — determinação.
— Prossigamos. Mesmo sem os apóstolos, será suficiente para convocar um dos príncipes do Abismo.
O sacerdote engoliu em seco, mas acenou com a cabeça.
— O que é necessário?
Rian ergueu-se, sua silhueta imponente banhada pelo brilho do círculo mágico.
— Reúna os remanescentes. É hora de completarmos o portal e trazermos ao abismo a esse mundo.
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