Capítulo 32 — Ah, não! Puta merda, de novo não!
Sulfurizados eram construtos extraordinários. Usando um cadáver humano que não estivesse totalmente deteriorado, um ritual de transmutação completa era realizada. Canalizando energia sagrada bruta, a pele apodrecida era misturada com a terra sulfúrica acinzentada da Selva de Concreto, criando um tecido epitelial tão resistente que conseguia parar projéteis de calibre inferior sem dificuldade. Seus órgãos eram reconstruídos com raízes, troncos, folhas e bastante clorofila.
O pouco sangue restante se tornava uma substância negra e frígida, ao ser misturada com enxofre e seiva das árvores da Selva de Concreto. Ele era menos denso que o sangue humano, o que permitia circular por todos os membros do corpo em alta velocidade, garantindo seus movimentos rápidos e poderosos.
O novo sangue negro era repleto de energia sagrada, que se manifestava fisicamente ao mudar a cor das artérias para um tom dourado. Toda vez que uma ferida era aberta ou um membro era arrancado, dependendo da concentração de energia, o ferimento iria ser fechado e o membro reconstruído em uma velocidade muito acima do que um humano normal é capaz de fazer.
Seus receptores de dor não existiam mais, o que tornava os sulfurizados máquinas perpétuas de combate. O mais impressionante envolvendo tudo isso era que, como ainda eram mortos-vivos, seus espíritos eram fracos ou inexistentes, o que os tornavam alvos perfeitos para qualquer tipo de manipulação espiritual. Criaturas perfeitas para serem comandadas até o seu inevitável fim.
Porém tinham aspectos de via dupla em relação a essas criaturas. A magia sagrada em seus corpos tinha um aspecto corretivo, ao mesmo tempo que seu propósito era manter o corpo vivo e poderoso, era seu propósito também o destruir. A energia conseguia restaurar a mente de um sulfurizado a uma versão distorcida do que a pessoa foi em vida, permitindo até que seja capaz de se livrar de qualquer controle sobre si, mas a cada momento que suas habilidades eram utilizadas, seus órgãos internos eram desgastados continuamente, até que o suporte a sua existência fosse inviável e elas retornassem a serem cascas vazias e inanimadas.
O que poderia ser uma tragédia para os sulfurizados despertos, era uma garantia para seus mestres, que não queriam lidar com uma ferramenta que pudesse descumprir seu propósito.
E naquele momento, dois sulfurizados encaravam um ao outro no meio da Selva de Concreto, apostando cada segundo do seu tempo de vida dramaticamente limitado em um confronto que apenas aceleraria o processo.
Sião estava completamente envolto em chamas. Sua pele outrora alva parecia lava de um vulcão ativo. Seus olhos brilhavam como uma estrela, os trapos que seu corpo estava envolto tinham sido completamente pulverizados, assim como seus cabelos. O mormaço ao seu redor era tão denso que chegava ao ponto de ser palpável. Suas chamas se espalharam com uma intensa fúria selvagem, incendiando todas as árvores nas proximidades.
Do outro lado, Huan Shen encarava seu oponente enquanto segurava seu fiel machado congelado na sua mão direita. A máscara em seu rosto ainda persistia, mas devido ao intenso calor, era possível ver algumas gotas de água se formando em sua superfície.
O sulfurizado respirou fundo. Quando expeliu ar dos seus pulmões, uma torrente de chamas saiu da sua boca, carbonizando o chão na sua frente. O emissário imediatamente deu dois passos para trás, pois não queria botar a prova o quão quente aquilo poderia ser.
— Pela primeira vez, eu sinto que posso finalmente ser eu mesmo! Usar todo o meu potencial sem nenhuma limitação. Mesmo que eu esteja apostando todo o resto do meu tempo de vida nisso, quero que valha a pena! Pode me ajudar nisso, estranho?
Huan Shen segurou seu machado com mais força, enquanto seu corpo entrava em postura de combate. Seus olhos afiados recaiam no sulfurizado, que parecia não ter mais nada a perder.
“Será que eu vou estar nesse mesmo estado daqui a algumas horas?”
— Prefere o silêncio agora? Estranho! Sempre parece ter alguma coisa na ponta da língua…de qualquer jeito, vou começar.
Sua mão direita se ergueu suavemente na direção do emissário. De repente, um simples estalar de dedos provocou uma intensa erupção no solo que Huan Shen sustentava seus pés. Alguns milésimos de segundos antes das chamas o alcançarem, seu corpo se jogou para a direita. Como o surgimento do sol, um brilho alaranjado iluminou toda a vegetação por uma fração de segundos, seguido de uma torrente de chamas intensas que pareciam terem sido conjuradas do próprio inferno.
Como se não tivesse sido o bastante, a mão esquerda do sulfurizado se estendeu na direção de Huan Shen. Da ponta dos seus dedos, pequenas esferas flamejantes começaram a rotacionar em torno do próprio eixo, aumentando o seu tamanho exponencialmente em uma velocidade absurda.
Vendo que não teria tempo hábil para se esquivar, o emissário ergueu seu braço esquerdo e conjurou um escudo de torre em seu braço, completamente feito de gelo. Era menor que seu criador em questão de alguns centímetros, mas tão grossa quanto uma porta de carvalho.
“Isso foi o melhor que consegui fazer? Puta merda eu tô frito! (literalmente)”
As esferas flamejantes voaram em múltiplas direções, mas todas teleguiadas no mesmo alvo. Elas se moviam feito beija-flores ávidos por néctar, porém tinham a mesma perversidade das vespas.
Sem poder esperar apenas pelo contato, que poderia surgir de qualquer direção, o emissário ergueu seu escudo e correu na direção de Sião, mas imediatamente duas esferas se moveram em sua direção como flechas cortando o ar.
Huan Shen ergueu o escudo, mas o impacto não era o que ele esperava. A pancada foi tão intensa que transformou seu escudo límpido e translúcido em um vitral completamente rachado. Antes que conseguisse restaurá-lo, a outra esfera conectou mais um impacto, estilhaçando sua arma em dezenas de pedaços e jogando seu corpo para trás.
“MERDA! ISSO QUEIMA!”
Seu corpo caiu rolando pelo chão, completamente indefeso. Imediatamente, Huan Shen tentou se levantar e restabelecer suas defesas, mas tudo que conseguiu fazer foi erguer seus braços para mitigar a terceira esfera flamejante que o atingiu na direção do tórax.
A sensação de receber uma bola de fogo era algo esquisito e desagradável. A textura era similar a um produto gelatinoso, facilmente passando através de superfícies sólidas em seu caminho. Porém o mais breve contato causava uma dor similar a ter sua pele arrancada. O calor intenso e concentrado transformava qualquer coisa em cinzas.
Se Huan Shen não tivesse com o corpo de um sulfurizado, era certeza absoluta que haveria um buraco no meio do seu peito. Graças a resistência dele, quando a esfera explodiu e se dissipou, haviam sobrado apenas queimaduras de quarto grau em toda a parte superior do seu corpo.
— Vamos lá, eu nem comecei a me aquecer direito! — disse Sião, com duas esferas flamejantes circulando sobre sua cabeça.
“É por isso que ele era o mais poderoso entre os três. É irônico imaginar que se ele tivesse se juntado à luta mais cedo, eu não teria nem chance.”
Embora não sentisse dor, boa parte das ligações ósseas do seu corpo foram completamente incineradas. Ele podia sentir um pequeno formigamento em algumas regiões, provavelmente a energia sagrada estimulando o crescimento celular para regenerar o que foi perdido.
— Tá se divertindo? — perguntou Huan Shen, enquanto cuspia seu sangue negro.
O sulfurizado fez um biquinho.
— Não tanto quanto eu gostaria. Achei que você duraria mais, porém parece que ainda sou a forma perpétua de vida. Mas você não decepcionou tanto assim, ainda está vivo para receber o que sobrou das minhas esferas flamejantes. Não é pessoal, é só porque eu já as conjurei e preciso usá-las.
O emissário soltou uma risada, mostrando seus dentes enegrecidos.
— Tá me parecendo meio pessoal, não vou negar.
— Talvez seja um pouco — respondeu Sião. — Vai preparando um lugar no submundo para mim, pode ser? Daqui a pouco seguirei você na morte.
Com mais um estalar de dedos, as esferas flamejantes avançaram brutalmente no emissário caído. O impacto primeiro gerou um clarão pela selva, seguido de uma onda de choque que empurrou até mesmo Sião alguns centímetros para trás. Para finalizar, uma onda flamejante pulverizou tudo que estava em um raio de vinte metros, deixando nada além de cinzas ao redor.
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