Capítulo 32 - Duelo em Dupla

Adrian encarava ambas as jovens, pareciam desarmadas. Porém, em sua experiência de dois meses como herói em Testefeld, ele conseguia reconhecer potenciais inimigos. E seus instintos gritavam para ele afastar daquelas garotas. Ele sabia que ainda não podia, para que o restante do grupo recuasse, e tentasse atacar a base inimiga de surpresa.

— O que vocês querem? — perguntou ele, a voz firme, a guarda levantada, pronto para o combate iminente.

— Vocês estão em nosso território — rebateu a garota de cabelos loiros, a expressão séria.

— Esse é um território goblin, e vocês não parecem muito… goblins — comentou Eurus, postado logo atrás de seu mestre.

A ruiva cruzou os braços e lançou um olhar zombeteiro para a companheira.

— Olhe para eles, Luna. Eles duvidam de nós.

Luna sorriu de canto, e balançou a cabeça.

— Ontem vocês lutaram bem. Ficamos impressionadas.

Ela deu um passo à frente.

— Mais um passo e eu corto você. — Adrian se posicionou, a espada levantada.

Luna suspirou.

— Rooster… parece que eles não têm educação. Vamos precisar ensiná-los.

— Vocês podem vir conosco por bem… — A ruiva riu, e seus braços começaram a se esticar de forma grotesca. Sua pele se enrijecia, os dedos se alongavam em algo inumano. — Ou por mal!

O corpo dela se retorceu, os ossos estalando enquanto asas de penas avermelhadas surgiam de suas costas. Seu rosto se alongou, tomando a forma de uma cabeça de ave, o bico alaranjado brilhando sob o sol do lado de fora da caverna.

Adrian estreitou os olhos, e se colocou novamente em postura de combate.

— O que diabos vocês são?

Luna riu, como se a pergunta fosse um insulto.

— Olha só, Rooster, esses heróis nem sabem quem somos. — Seu tom era carregado de ironia e desdém.

A garota ruiva já não era mais humana. Sua cabeça havia se transformado na de uma galinha, enquanto asas imponentes substituíam seus braços. Suas pernas humanas deram lugar a garras afiadas, como as de uma ave de rapina. Ela era algo estranho, anormal.

— Antes de capturá-los, vamos ensinar uma lição a eles! — gritou Rooster, e avançou contra Adrian.

A asa dela desceu como uma lâmina, afiada e mortal. Capaz de causar um corte em uma armadura.

O ataque não foi um grande problema para Adrian, que o bloqueou com sua espada. Encurralado na entrada daquela caverna, aquele espaço confinado o deixava em desvantagem, seus movimentos limitados e suas opções eram poucas. Precisava de um terreno aberto para ativar sua habilidade e virar a luta a seu favor.

— Eurus! — chamou ele, sem desviar os olhos dos ataques incessantes da híbrida. Cada golpe era aparado com velocidade, sem deixar brecha ou vulnerabilidade exposta.

Eurus não hesitou. Girou a espada e lançou uma lufada de vento que atingiu Rooster em cheio, arremessando-a contra a parede da caverna. O impacto não causou muito dano, mas foi o suficiente para interromper seu frenesi de ataques.

— Agora! — gritou Adrian.

Com um salto ágil, eles escaparam da caverna com um belo salto no ar, e aterrissaram atrás de Luna. As posições se inverteram. Agora, as selvagens estavam presas na entrada da caverna, enquanto os heróis se erguiam no meio da floresta, com espaço para lutar.

Luna deu um pequeno sorriso. Seus olhos atentos avaliavam a situação, e se divertiam com a resistência apresentada.

— Eles são mais espertos do que eu pensava.

Rooster se levantou do chão, e sacudiu as penas para recuperar o equilíbrio.

— Cada uma cuida de um? — perguntou ela, com um brilho desafiador no olhar. — Quero ver do que o menor é capaz.

— Não se esqueça de manter o seu canto. Não quero ser pega desprevenida por um adversário forte.

A loira sorriu de canto e deu um passo à frente, o corpo relaxado. Com um movimento sutil, estendeu a mão, e uma pequena rosa avermelhada surgiu em sua palma.

Adrian observou a flor com atenção. Seus instintos gritavam que aquilo não era um simples enfeite, e sim uma amostra do poder da adversária. Ele apertou o cabo da espada, e manteve-se firme em sua posição de luta. Precisava avaliar os movimentos dela, reconhecer padrões e entender a natureza de sua habilidade antes de se expor ao ataque.

Luna não lhe deu esse luxo. Com um giro gracioso, lançou a flor contra ele.

Adrian reagiu no mesmo instante, e deu um belo salto acrobático para trás. A rosa tocou o solo, e no segundo seguinte, uma explosão sacudiu o terreno. Fragmentos de terra e pedra foram arremessados ao ar, e uma árvore próxima rachou ao meio antes de tombar com um estrondo seco.

— Luna, precisamos deles vivos! — esbravejou Rooster. Apesar de focada em sua luta contra Eurus, mantinha um olho atento no outro duelo.

— Fique calma — respondeu Luna, sorrindo de lado. — Apenas um teste para medir a força dele.

Ela ergueu as mãos até os cabelos, e um detalhe estranho começou a se formar: duas longas orelhas de coelho emergiram no topo de sua cabeça. Então, com um gesto despreocupado, deslizou os ombros, e deixou seu quimono cair suavemente no chão.

Por baixo, ela usava um elegante terno preto, completo com gravata vermelha, a figura de um mágico de espetáculo.

— Bagukegi, sabe o que é isso, herói? — indagou ela, um tom calmo e compassado, e outra rosa brotou de sua mão.

Adrian ficou em silêncio, a espada levantada, pronto para se defender do próximo ataque.

— Bagukegi — repetiu Luna, brincando com a flor entre os dedos —, é o termo para a habilidade de transformar objetos comuns em armas letais.

Antes que Adrian pudesse processar completamente suas palavras, ela girou o braço com fluidez e lançou a rosa em sua direção.

Dessa vez, a explosão aconteceu antes mesmo da flor tocar o solo. O impacto repentino desestabilizou Adrian no ar, interrompendo seu salto e o lançando contra o chão. Ele rolou algumas vezes antes de conseguir recuperar o equilíbrio, a mente zunindo com o choque.

Luna riu ao vê-lo caído.

— Sabe, essa técnica… foi uma velha amiga que me ensinou — disse ela, ao invocar outra flor, dessa vez uma violeta. Levou-a ao nariz, e inalou seu aroma com um certo pesar. — Foi a única coisa que ela me deixou… Antes de…

Ela soltou um longo suspiro, como se estivesse afastando uma lembrança indesejada. Então, seus olhos voltaram a brilhar com determinação.

— Não importa. Vocês virão conosco.

— O que são vocês? — Adrian estava curioso sobre a natureza dos poderes dela, a transformação da colega dela em uma ave, e a estranha aparição de duas orelhas de coelho na cabeça de Luna.

— Seu povo nos chama de selvagens, acham que nossa natureza animal é destrutiva. Tanto que enviam vocês, heróis, para nos caçar e nos matar. Somos mais do que isso.

Adrian não perdeu tempo com palavras para tentar rebater o discurso de sua oponente. Girou sua lâmina em um arco ágil e avançou sem hesitação. Sua espada traçou rápidos cortes no ar, não eram golpes devastadores, porém uma enxurrada precisa, projetada para testar a velocidade e os reflexos adversários.

Luna, no entanto, era mais rápida. Seus movimentos eram graciosos, tão fluidos como o vento. Ela saltava entre as árvores, e desviava de todos os ataques de Adrian com facilidade quase provocativa.

— Rooster, agora! — Sem desviar o foco da luta, ela ordenou para sua companheira. 

Rooster ainda estava em luta contra Eurus. Ela dominava a batalha, com seus ataques ferozes das suas asas e penas afiadas como lâminas. Eurus lutava com todo o seu vigor, para tentar se defender da melhor forma que podia. Sem a dominância da batalha, não podia impedir que sua adversária ativasse sua habilidade.

A híbrida abriu o bico e soltou um grito estridente, tão agudo que era capaz de estourar o tímpano de alguém desprevenido. O som reverberou pela floresta, atingindo Adrian e Eurus em cheio. Ambos instintivamente levaram as mãos aos ouvidos, tentando abafar a dor lancinante.

Luna sorriu ao ver Adrian cessar seus ataques para se proteger do barulho.

— Agora sim, estou completa!

Seu olhar cintilava com algo diferente. Um brilho selvagem, um novo ímpeto de batalha.

Ela estendeu a mão para trás e, com um gesto brusco, jogou-a para frente.

Do mais completo nada, uma imensa árvore brotou de sua palma. O tronco colossal surgiu do vazio e desabou sobre Adrian com força esmagadora. Assim como as flores, o tronco explodiu ao tocar no chão, e deixou uma enorme cratera na floresta, e derrubou várias outras árvores fortes, criando uma espécie de clareira artificial.

O impacto sacudiu a montanha. O solo tremeu, rochas e pedregulhos se desprenderam das encostas, rolando em avalanche. A entrada da caverna se fechou, soterrada.

Contudo, Adrian não era um simples herói, e não seria esmagado tão facilmente.

No último instante, ele canalizou sua energia na lâmina e golpeou o chão com um corte de vento. A força gerada o impulsionou para longe, e ele conseguiu escapar da explosão.

Ele pousou a alguns metros de distância, um pouco sem fôlego. Todavia, ele ainda permanecia de pé e sem ferimentos graves. Então, Adrian riu, e começava a se entreter com a batalha e o desafio da batalha.

— Você disse precisar de mim vivo… mas parece que está tentando me matar.

Luna girou uma mecha branca de cabelo entre os dedos, e exibiu um sorriso enigmático.

— Eu sei dos meus limites.

Adrian girou a lâmina em um movimento firme e a ergueu diante de si.

— Que tenhamos uma boa luta!