Capítulo 35 — Confrontando a Bruxa (Não deu muito certo)
Os dois se encararam por uma quantidade considerável de segundos. Kalira não conseguia decifrar qual seria a próxima reação do emissário, pois sua expressão simplesmente não mudava. Então, seus ombros relaxaram e um suspiro saiu da sua boca.
— Eu tô meio cansado de ficar te olhando de cima, pode se levantar. Mas não tente fazer nenhuma besteira, não costumo deixar janelas para arrependimentos tardios.
Mais uma vez, a bruxa estava completamente indefesa como resultado das suas ações. Não havia mais magia, nem arma, nem encantamento ou maldição que tivesse forças para conjurar. Se tivesse pouco mais de três minutos com aquele sulfurizado desacordado, teria colocado uma maldição em seu corpo para garantir sua obediência e lealdade. Mas obviamente, tudo tinha que dar errado.
Mesmo tudo tendo acabado daquela forma, as coisas aconteceriam baseado na sua capacidade de adaptação. Mesmo que fosse poderoso e com muito poder mágico, aquele homem na sua frente não passava de um brutamontes. Era só dar a ilusão que estava acompanhando seu raciocínio que quando o mesmo abaixasse sua guarda, iria colocá-lo em seu devido lugar.
— Eu estava me perguntando para onde aquela garota presa no acampamento tinha ido, mas acabei de notar que você se parece demais com ela. As protuberâncias no seu corpo, a sua sombra irregular e seus olhos negros como o sono profundo…você é uma bruxa das sombras, né?
A ausência de palavras tomou conta da boca de Kalira. Aquele homem era muito mais esperto do que a média que estava acostumada a lidar. E isso era perigoso.
— Talvez eu seja…e saber disso te ajuda em quê?
— Um druida e uma bruxa das sombras. Definitivamente cai um raio duas vezes no mesmo lugar. De todos os registros que li envolvendo bruxaria, sua espécie era conhecida por ser traiçoeira, manipuladora e extremamente vingativa. Talvez seja até melhor eu aproveitar esse momento em que você está fraca e fazer você voltar a ser uma história dos livros infantis.
No instante em que as mãos do emissário começaram a ser revestidas em grossas camadas de gelo, Kalira sentiu que seu tempo de vida estava sendo reduzido drasticamente. E pelo fato de nenhum dos outros sulfurizados parecerem ter sobrevivido, ele não era do tipo que blefava.
— Espera! Posso ser útil para você! — disse Kalira, erguendo as mãos.
“Só preciso apertar mais um pouco e ela solta.”
O ar começou a ficar denso em suas mãos, tomando gradualmente a forma de um machado danês.
— Você já me transformou em um monstro com um tempo de vida curto. Não tem nada que você possa fazer nesse momento.
Seus passos se direcionaram na direção da bruxa, que recuava proporcionalmente a cada vez que o mesmo se aproximava.
— E-eu posso te curar! Te fazer ser um humano novamente!
Huan Shen parou por alguns segundos.
“Então ela resolveu abrir o jogo. Mas ainda pode ser um blefe, preciso pressionar um pouco mais.”
Erguendo sua mão esquerda lentamente, gelo começou a romper o solo atrás de Kalira. Antes que a mesma conseguisse cogitar em fugir, uma parede congelada se formou completamente nas suas costas. A névoa fria que saía do construto indicava que o mais leve toque naquela superfície poderia transformá-la em uma estátua de gelo.
— NÃO OUSE ME ENGANAR COM SEU VENENO TRAVESTIDO DE PALAVRAS, BRUXA! — bradou Huan Shen, cravando seu machado no solo.
“Sempre quis dizer isso para uma bruxa! Que bom que nem todas foram extintas.”
A cada segundo, a morte parecia mais próxima de Kalira. Ela não tinha velocidade e nem poder para se afastar da ameaça que Huan Shen representava. Tudo que poderia impedir sua morte certa era uma ideia que não passava do campo da teoria.
— Eu juro que posso! Seu processo de sulfurização foi diferente dos outros! Se conseguirmos recuperar seu coração humano, eu posso realizar um ritual para purificar seu sangue negro e restaurar seus órgãos antigos!
Huan Shen ergueu uma sobrancelha. A resposta não era absurda. Na verdade, ela era, mas bruxaria sempre foi algo absurdo, então ainda estava dentro do minimamente aceitável.
“Talvez esse seja o caminho.”
— É bom você estar falando-
De repente, uma sensação de entorpecimento atingiu seu corpo. Uma letargia súbita, acompanhada de uma perda de sentidos. A parede e o machado congelado começaram a rachar e seu corpo cambaleou.
“Que porra tá acontecendo? Será que minha hora chegou? Usei magia demais?”
Sua visão começou a embaçar e seus músculos a cederem. Usando toda sua força de vontade, Huan Shen se apoiou no próprio joelho, tentando manter a consciência.
“Não! Não! Eu não posso ir embora agora! Tudo isso foi por nada? Anda, fica de pé, desgraçado!”
O desespero começou a florescer dentro da sua mente, junto com a ansiedade e até mesmo o medo. Pela primeira vez em muito tempo, Huan Shen não queria morrer.
Foi então que sua consciência desmoronou, levando-o direto para a mais profunda escuridão. Tanto o seu machado quanto a muralha de gelo se desfizeram em névoa, sumindo pelo ar.
Kalira respirou fundo, aliviada que seu plano tinha dado certo. Se havia algo mais persistente que baratas, era a determinação das bruxas em se livrar de qualquer situação a qualquer custo.
Garantindo que a atenção do emissário estivesse em sua cara de desespero, ela usou uma maldição tão antiga que costumava ser negligenciada por outras bruxas. Uma fumaça transparente que perturbava o fluxo místico na região em que se expandisse. Como os sulfurizados eram criaturas majoritariamente mágicas, uma quantidade considerável de fumaça poderia colocá-los em inatividade por um tempo.
Mas uma maldição daquelas não vinha sem um custo. Ao olhar para sua mão esquerda, notou que seu dedo anelar tinha sido queimado até a base. A partir daquele momento, não importava o corpo que possuísse, aquele dedo iria sempre apodrecer e sumir.
— Não acredito que esse boneco infeliz me fez passar por tudo isso! Meu querido dedo anelar, companheiro inseparável do dedo médio. Minhas noites serão frias e solitárias em sua ausência.
A bruxa estava possuída de raiva. Por mais de cem anos, seus planos eram seguros e mesmo que eles dessem errado, tinha salvaguardas que conseguiam mantê-la viva e intacta. Porém, em menos de meio-dia, passou por duas experiências que quase colocaram fim em sua vida de forma permanente. Era muito estresse para pouca recompensa.
— Que merda eu faço agora?
Vendo Huan Shen completamente desacordado no chão, ela começou a cogitar as possibilidades. Matá-lo agora poderia livrá-la de um perseguidor poderoso, mas também não fazia muito sentido perder tempo com isso, pois ele iria morrer em breve. Mas também, se o deixasse ali, ele poderia acabar sendo reclamado pelo druida. Isso era uma alternativa pior, pois seu trabalho seria mais uma vez sacaneado por aquele filho da puta.
— E se eu matar dois coelhos com uma cajadada só?
Ela olhou para o emissário novamente, mas dessa vez tanto seus olhos e suas mãos estavam carregados de intenções e ambições. Kalira tinha trabalho para fazer e não iria perder tempo dessa vez.
— Hoje será o dia que você morre, Heferus.
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