Índice de Capítulo

    Os suspiros estavam calmos e abafados, mas facilmente palpáveis. O pulsar do coração era leve, como se fizesse carinho em seu peito, mas os olhos eram tão pesados quanto chumbo.

    Seu corpo afundava, como se estivesse sendo sugado pelo mar. Ironicamente, a sensação era de levitação, enquanto o frio insistia em abraçá-lo por inteiro.

    “Que confortável…”

    Que estranho… Isso era um presente desse mundo? As dores pareciam espancar seu peito, mas a escuridão parecia abraçá-lo, tentando afastar suas frustrações.

    “Será que posso continuar assim…?”

    As respirações eram roubadas dos pulmões gradativamente, mas isso não o incomodava nem um pouco. Eventualmente, após tanto flutuar, as costas colidiram com o chão.

    Não foi algo parecido com uma queda; na verdade, muito pelo contrário. Era como se o invisível o repousasse no chão como uma mãe que põe seu bebê em uma cama.

    “Ah…”

    A gélida temperatura do solo serviu como um pequeno impulso para que Ônix despertasse sua consciência pouco a pouco, sabendo que, infelizmente, não poderia ficar parado.

    “O mundo é realmente cruel…”

    Abriu os olhos em um ritmo lento, como se fosse a primeira vez que o fizesse. Mesmo sem observar, notou a densa escuridão que o cercava, impedindo-o de ver qualquer coisa.

    “De novo… Eu e o desespero.”

    Ergueu-se o suficiente para permanecer sentado, olhando de um lado para o outro, mas de nada adiantou. Tudo nesse lugar transbordava o mais profundo abismo.

    Desde o chão, às paredes até o teto; nada parecia existir. As sombras eram tão profundas que pareciam ocultar a mínima existência que ali, aparentemente, havia.

    Olhou para o solo, fitando o absoluto vazio, como se nem ao menos existisse um chão para se manter firme. Por algum motivo, isso não serviu para surpreendê-lo.

    “Mais um dia normal nesse mundo estranho.”

    Algumas rachaduras surgiram abaixo de Ônix, como se os vidros do abismo se quebrassem. Não demorou muito até que se tornassem fendas muito próximas da destruição.

    “Ah… E lá vamos nós.”

    O solo quebrou-se por inteiro, impedindo Ônix de permanecer ali sentado. Caiu sem um fim aparente. Não sentia nada além da velocidade da queda aumentando pouco a pouco.

    Uma agonia abraçou seu coração, como se algo o apunhalasse. Das sombras, olhares começaram a surgir, fitando o garoto em uma queda ao abismo.

    Lágrimas desses mesmos olhos nasceram, caindo ao seu redor como uma tempestade, mas não o atingindo. Ônix observou esse evento sem dizer uma palavra.

    Pouco depois, caiu em um solo mais parecido com sombras, afundando e retornando como alguém que pula em uma cama macia. O abismo ainda o abraçava.

    Sentou-se, fitando o chão, sem vida em seus olhos. O silêncio foi sua companhia até um som surgir da escuridão, perturbador e peculiar, algo que o acompanharia por toda sua jornada.

    Esses eram os gemidos de quem sofre enquanto soluça em suas próprias lágrimas. Ecoavam como a brisa do vento, mas grudavam nos ouvidos como um fone tecnológico.

    Isso machucou ainda mais seu coração, acumulando mais dores para si. Nunca foi-lhe confortável ouvir os gemidos de desespero dos outros, e nunca será.

    O chão pulsou, como uma batida de coração. As sombras movimentaram-se pelo ar, guiando o olhar de Ônix para algo diante dele, algo de onde o som vinha.

    Uma sombra. As mãos tampando os olhos; o corpo curvado para baixo, entregando-se às dores; lágrimas escorrendo pelos dedos como uma toalha encharcada.

    Ônix viu a si mesmo naquela sombra: uma vítima das dores. Desde seu nascimento, sempre teve alta compaixão pelo próximo, e isso sempre o afetou.

    Não foi diferente agora. Sua compaixão o fez acumular ainda mais dores. Ainda de joelhos, andou discretamente até aquela sombra em um ritmo leve.

    Não a conhecia, desde o corpo à voz, mas isso não era um detalhe importante. Ele a abraçou, sentindo o frio do desespero envolvê-lo, mas, pouco a pouco, a apagou com seu calor.

    — Não precisa se preocupar… Com nada…

    Suas palavras aconchegantes visavam acalmá-la, mas, no fundo de seu coração, sabia que essa mensagem também servia para si mesmo, como um autoconforto.

    — Tudo tem um motivo; o sofrimento nunca foi em vão. Vai dar tudo certo, eu sei disso…

    Sua tentativa de ajudar o fez lembrar de como morrera, recordando-se de sua mãe ensanguentada acariciando seu cabelo momentos antes de sua própria morte.

    Um misto surgiu em seu coração. Raiva, culpa, arrependimento, mas, principalmente, desespero. As lágrimas também começaram a cair de seus olhos.

    — Eu… Sei…

    Encostou o queixo na sombra, fechando os olhos. Sentiu-a esvair-se pouco a pouco, como se estivesse absorvendo-a para seu interior gradativamente.

    Mais rachaduras foram criadas em seu coração. Seu poder de dono das sombras o condenava a carregar todas as dores físicas e psicológicas.

    Por mais que o machucasse, aceitou a absorção sem pestanejar, ficando em silêncio do início ao fim. Quando essa absorção se encerrou, um pequeno sussurro ecoou em sua mente:

    — Obri…Gado…

    Confortável como encontrar o ouro no final do arco-íris. Esse evento gravou em sua mente que seu dever nesse mundo seria absorver a maior quantidade possível de dor.

    Levou os dedos aos olhos, enxugando as lágrimas que haviam caído. Pouco a pouco, a brisa começou a se agitar, como se uma tempestade estivesse chegando.

    As sombras dançavam, deixando-se levar pelo vento. Pouco depois, começaram a juntar-se num único ponto, mas a escuridão ainda permaneceu inabalável.

    Seu acúmulo tornou-se um tornado, girando em todas as direções. Partículas escarlates explodiam ali enquanto algo tomava forma humanoide.

    Pupilas vermelhas como sangue, enquanto a esclera escura enaltecia seu formato. Os cabelos abraçavam seu pescoço e ombro, e também eram escuros como o abismo.

    Um corpo delicado como o de uma santa e macio como o de um bebê inocente. Dos pés à cabeça, as sombras a cobriam, como se fizessem parte dela; ou melhor, como se fossem ela mesma.

    Seu olhar era curioso, fitando o garoto ajoelhado à sua frente. Um sorriso singelo estampava seus lábios, como se o conhecesse desde a própria alma.

    Começou a caminhar até ele. Os passos ecoavam como cantos, leves como uma gota d’água. Sua presença era calorosa, mas não aparentava carregar alguma compaixão.

    Assim que ficou mais próxima a ele, ficou de cócoras, fitando seu olhar estrelado como um cão observando algo que não consegue entender, mesmo que tente.

    Ônix a olhou de volta, sentindo sua presença. Não o incomodava, mas também não acrescentava nada. Ela, estando ou não ali, não lhe era de diferença alguma.

    A sombra suspirou, olhando para o chão com desapontamento. Tocou gentilmente no cabelo do garoto, como se fizesse um cafuné enquanto um sorriso confortável nascia dos lábios.

    — Quando vamos começar a nos matar, meu dono?

    Inesperada, até mesmo para Ônix. Por não sentir hostilidade vindo dela, pensou que seria uma guia para levá-lo a algum lugar, mas era sua oponente.

    Seu sorriso era malicioso? Carregava algum mal ou ódio? Não, era apenas instinto. Foi criada com o único propósito de matar, e isso a mantinha “viva”.

    Ônix entendeu tudo isso apenas ao observar seu sorriso, ouvindo com atenção as palavras dessa sombra. Começou a aceitar seu destino, refletindo consigo mesmo:

    “No fim das contas… O mundo sempre vai arranjar um jeito de me fazer acumular dores.”

    Risos vazaram dessa sombra, como os de uma criança boba. Seus olhares acompanhavam o sorriso, enaltecendo a satisfação que sentia ao encontrá-lo.

    — Tenho certeza que vou me esforçar para não perder; te enfrentar vai ser muito divertido! Vou começar agora~

    Ônix suspirou fundo, encarando as sombras que habitavam o chão. Sua vontade de lutar era tão grande quanto a felicidade que habitava em seu peito: nenhuma.

    “Queria que fosse tudo um sonho…”

    Deu-se início ao som de algo rasgando o ar, aproximando-se com velocidade. Sua atenção ainda focava o solo, negando-se a acreditar que teria que agir.

    “Talvez eu devesse só me entregar…”

    Um chute atingiu seu tórax, fazendo sua pele abaixo do pescoço ondular com o impacto, mas isso não lhe causou dor alguma. Os ossos estalaram, mas não foi incômodo.

    O corpo foi jogado para trás com o impacto, voando como se fosse algo voluntário. Ônix apenas entregou-se ao ar, deixando que o destino o levasse.

    “Desculpa…”

    Fechou os olhos, entregando suas frustrações à escuridão. Tudo era silencioso, agradável e, principalmente, vazio, como se nada nunca tivesse existido.

    “Era só isso o que eu queria…”

    Finalmente chegou ao solo, mas afundou lá como quem cai no mar. Não era capaz de respirar; as narinas estavam entupidas com suas lamentações.

    “Acho que esse é o meu adeus…”

    Algumas imagens invadiram sua mente como um ladrão. O abraço de seus irmãos; o sorriso de Celeste; os momentos com sua família e, por fim, sua mãe biológica.

    O corpo começou a flutuar novamente, em direção ao topo daquele mar de tristeza, retornando-o de pouco a pouco aonde estava anteriormente, antes de afundar.

    Ar penetrava as narinas, enchendo-as com as razões que ele tinha para lutar, até mesmo aquelas que perdeu com sua separação forçada e a morte fora de hora.

    Chegou ao topo, com os olhos universais abertos enquanto as sombras transbordavam de lá como a água de uma esponja. No fim, tudo o que lhe restou foi o desespero de seu irmão:

    “Não faça nada estúpido.”

    Mesmo que tivesse perdido quase tudo, que sua existência fosse miserável, que seu coração tivesse a incapacidade de se curar, que o ódio sempre se acumulasse em seu peito…

    Mesmo que se tornasse a morte, que as maldições penetrassem sua vida e esperança, tirando sua paz. Mesmo que tudo se transformasse em ruínas… Sua vida ainda era importante para alguém.

    “No fim das contas… O mundo sempre foi injusto.”

    E então, ele finalmente se levantou. O abismo vazava de seu corpo como o evaporar da água, flutuando em direção ao solo e grudando lá, retornando de onde viera.

    Encarou a sombra, que corria em sua direção com um sorriso inocente em seu rosto. O solo ondulava a cada passo, com o som de gotas acompanhando sua presença.

    O punho dela estava fechado, projetado para trás, focado no objetivo de machucá-lo. Ela era uma sombra que abraçou completamente todos os seus instintos.

    Ônix estava com seu olhar neutro, mas lágrimas escorriam de seus olhos com leveza. Entrou em guarda, esperando o momento em que um combate indesejado por ele começaria.

    Lá estavam eles, frente a frente: uma sombra que aceitou-se como é no momento em que nasceu; e um dono que nega sua realidade desde sua ressurreição.

    A sombra atingiu seu primeiro golpe no rosto do adversário, acertando-o precisamente enquanto alguns risos animados transbordavam de seus lábios.

    Devido ao impacto, o pescoço de Ônix foi levado ligeiramente para trás, mas isso não o impediu de revidá-lo, atacando-a no mesmo local em que foi atingido enquanto mantinha seu silêncio.

    De um lado, havia um dono que contra-atacava quaisquer golpes enquanto chorava. Do outro, uma parte de si que se divertia com o evento que estava acontecendo.

    Permaneceu assim por muito tempo. Ônix apenas revidava, na mesma tenacidade, os golpes que recebia, até que ela eventualmente sentisse a fadiga consumi-la.

    Ela caiu de costas no chão, com os braços ao horizonte como se sentisse conforto. Seu sorriso era misturado com seus ofegos enquanto os olhos fechavam em felicidade.

    — Foi… Muito divertido, né?

    Ônix estava de pé, olhando-a de cima. Não sentia fadiga alguma, muito menos alguma dor física o consumir, mas o que ele menos sentiu nisso tudo foi diversão.

    Sua resposta, como esperado, foi o silêncio. Aquela sombra começou a se dissipar pelos pés, sendo movida para o corpo de Ônix para que também fosse absorvida.

    Não sentiu desespero, nem mesmo tentou fugir, apenas aceitou. Seu destino como sombra era esperar que seu dono eventualmente aparecesse, e esse dia chegou.

    Antes de desaparecer por completo, olhou no fundo de seus olhos, notando um abismo ainda maior que sua existência habitando aqueles estranhos olhares.

    Um pequeno incômodo nasceu em seu peito. Por que seu olhar era ainda mais sombrio que ela mesma? Isso a irritou um pouco, causando algo parecido com ciúmes.

    — Por que… Está tão triste?

    Essa não foi uma pergunta acolhedora, e sim algo próximo da curiosidade. Sua insatisfação a fez desejar aumentar ainda mais esse desespero, apenas para que ela fosse a causa disso.

    — Da próxima vez, vou conseguir… Vou dar muito mais trabalho, meu, e apenas meu, dono.

    Isso certamente foi um aviso que vai se cumprir, quebrando ainda mais o coração de nosso pobre garoto. A absorção foi concluída não muito tempo depois.

    Lá encontrou-se ele novamente: o silêncio e o vazio. Não esperava mais nada dessa escuridão, apenas o aguardo do próximo evento que talvez pudesse começar.

    Um pequeno e incômodo barulho começou a ecoar, vindo de suas costas, como se uma placa luminosa piscasse em erro devido à falta de energia.

    Ao olhar para trás, lá estava ele: o sistema ciano minimizado. Apareceu apenas depois de Ônix terminar seu tutorial, sem nem ter lhe dado alguma instrução.

    Sua aparição agora não foi para aconchegá-lo ou parabenizá-lo, foi apenas para dar as informações que o jogador precisava saber, e nada mais ou menos.

    S1 Minimizado
    Você será teleportado de volta nove segundos após terminar de ler as informações entregues abaixo referentes ao tutorial concluído:

    Nova passiva: Olhos Universais

    Informações: Você, sem esforço, consegue observar tudo como um único conjunto da forma que realmente é, como se estivesse vendo tudo em câmera lenta.

    Informações adicionais: Devido a isso, seu mundo pode se tornar chato pela lentidão ou agradável, caso você aproveite cada minúsculo momento.

    Nova Habilidade: Acúmulo do Desespero

    Informações relevantes: Você acumulará dentro de si quaisquer sentimentos negativos de toda sombra que absorver. Qualquer coisa da qual você tirar a vida ou que morrer próximo de ti involuntariamente se tornará uma sombra e será absorvida pelo seu corpo. Dependendo de como ela estava antes de ser absorvida, pode te odiar, amar ou não ter nada contra nem a favor.

    Informações adicionais: As únicas sombras que não irão gritar no seu subconsciente ou te amaldiçoar serão aquelas que não foram absorvidas com rancor, arrependimento ou contra sua vontade. Elas só são visíveis a ti.

    Informações secundárias: Elas podem te amaldiçoar, desde que a maldição não seja desnecessária ou crítica demais.

    Informações confortantes: O sistema de absorção de sentimentos demora mais para as sombras que te odeiam; no entanto, eventualmente, todo o ódio será tomado para si e, dependendo de como será sua personalidade conforme você as absorva, elas reagirão de acordo.

    Poder atualmente disponível após o término da missão: 2%

    Assim que terminou de ler, esse mesmo sistema explodiu, transformando-se em uma névoa de sombra que também foi absorvida pelo chão.

    Ônix começou a afundar, como se estivesse em uma areia movediça. Olhou para o teto, fechando os olhos logo após, esperando que tudo acabasse logo.

    Próximo capítulo: Poderes.

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