Capítulo 4 – Nova Vida
Um silêncio estranho me envolve. Olho ao redor, confuso e atordoado.
Onde está todo mundo? Onde eu estou?
Tudo o que vejo é uma vasta floresta, como se tivesse surgido do nada. As árvores são colossais, de um verde tão intenso que parece pulsar, quase irreal. Suas folhas altas, lá em cima, bloqueiam a maior parte da luz, criando sombras que se movem e dançam conforme o vento passa. No ar, ouço o canto de pássaros escondidos entre os galhos. O som deles é agudo, mas tranquilizador, como se quisessem me dizer que tudo vai ficar bem. Contudo, algo dentro de mim sabe que não estou seguro. Esse lugar é diferente, sombrio.
Fecho os olhos e respiro fundo. Tento me concentrar, mas uma estranha sensação de realidade me incomoda. Passo as mãos pelo rosto para tentar me acalmar, mas, ao fazer isso, sinto algo errado. Meus dedos, minhas mãos… estão maiores. Sinto o coração acelerar. Olho para minhas mãos e dou um passo para trás, chocado. Elas estão grandes, longas, quase desconhecidas para mim.
Uma pontada de pânico me atravessa, e minha respiração se torna mais rápida. Tropeço para trás e caio de costas no chão. Em meio à dor, percebo, atordoado: Estou de volta ao meu corpo original. Sinto um misto de surpresa e desespero, e as lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto. Deitado ali, chorando como uma criança, sinto-me mais perdido do que nunca.
A chuva começa a cair, e as gotas frias batem no meu rosto, misturando-se com as lágrimas. Elas escorrem pelas folhas acima e caem com força, criando um ruído que ecoa por toda a floresta. Aos poucos, a fina garoa se transforma em uma tempestade. A água gela minha pele e faz com que o frio tome conta de mim.
Sem outra escolha, decido me levantar. Cambaleante, dou alguns passos pela floresta, procurando abrigo. Sinto o chão úmido sob meus pés, e o cheiro de terra molhada invade minhas narinas. Cada passo é mais difícil que o outro, e algo dentro de mim parece familiar, como se eu já tivesse caminhado por entre essas árvores antes. Mas como? Tento recordar, mas minha mente é apenas um borrão de lembranças vagas e distantes.
Entre as árvores, avisto uma forma escura mais à frente. Conforme me aproximo, percebo que é uma carruagem parada, solitária, sem cavalos ou condutor. Ela parece velha e desgastada, com musgo cobrindo parte de sua estrutura de madeira, como se estivesse ali há muito tempo. O silêncio ao redor é quase ensurdecedor, quebrado apenas pelo som da chuva e do vento.
Dou alguns passos incertos em direção à carruagem, pensando que talvez possa encontrar alguém para me ajudar. Mas, ao me aproximar, percebo que não há ninguém ali. Nem sinal de vida, nem pegadas na lama ao redor. Tudo está vazio, abandonado.
Minha curiosidade e a necessidade de abrigo me fazem estender a mão para a maçaneta. Lentamente, abro a porta da carruagem, e o cheiro de ferrugem e sangue invade minhas narinas. Meu coração bate mais forte. Dentro, vejo algo que jamais esquecerei: um homem morto, jogado em um canto, com o corpo coberto de sangue, manchas escuras se espalhando por todo o chão e pelas paredes da carruagem. Seus olhos estão abertos, vidrados, como se ainda estivessem presos no horror de seu último momento.
Meus instintos gritam para correr, mas minhas pernas não respondem. Fico parado, em choque, até que uma sensação de movimento ao meu redor me desperta. Olho ao redor, e o chão começa a se mexer de maneira assustadora. Como em um pesadelo, vejo mãos saindo da terra, pálidas e ossudas, puxando-se para fora do solo encharcado.
Sinto um frio correr pela minha espinha. Estou cercado. Corpos inteiros começam a emergir do chão, rostos sem vida, vazios, se virando em minha direção. Tento gritar, mas o som se prende na minha garganta. As pernas tremem descontroladamente, e logo estou de joelhos, incapaz de me mover, com o pavor dominando cada parte do meu corpo.
As figuras mortas se aproximam, seus olhos vazios fixos em mim. Eu me debato, mas é inútil. Mãos geladas me agarram, prendendo-me enquanto sou forçado a sentir cada segundo de agonia. Sinto o peso das mãos, o frio dos dedos que apertam minha pele com força sobrenatural. Uma dor insuportável explode no meu corpo enquanto eles me rasgam, como se estivessem me desmembrando, quebrando meus ossos e rasgando minha carne. A dor é intensa, real, me consumindo.
Fecho os olhos, desejando que tudo termine.
E então, subitamente, acordo.
…
Gritando, vejo que estou de volta, nos braços de minha mãe. Seu rosto está acima de mim, os olhos cheios de preocupação, e sinto suas mãos quentes segurando meu rosto com delicadeza. Ela murmura algo suave, tentando me acalmar, enquanto minhas lágrimas molham sua roupa. Tremo de medo, incapaz de entender o que é real e o que é apenas um pesadelo. Mas, por um instante, o calor dela é suficiente para acalmar meu coração.
— O que aconteceu com ele, Luiza? — meu pai perguntou, a voz rouca e trêmula. Ele se aproximava com os olhos arregalados, claramente assustado. As mãos dele tremiam levemente enquanto ele tentava entender o que tinha ocorrido.
— Acho que ele teve um pesadelo… — minha mãe respondeu, os olhos preocupados percorrendo meu rosto. Ela estava assustada também, dava para ver no olhar ansioso que lançava na minha direção, como se procurasse algum sinal de calma.
— Isso tudo só por causa de um pesadelo? — meu pai disse, tentando conter a irritação, mas a frustração transparecia no tom grave. Ele olhava de mim para minha mãe, sem entender a intensidade da situação.
— Ele é apenas um bebê, você tem que pegar leve — retrucou minha mãe, com uma expressão de julgamento que fez meu pai desviar o olhar por um instante. — Nossa… ele fez xixi. Acho que ele precisa de um banho.
— Logo agora? — meu pai suspirou, a frustração evidente no tom de voz, como se a noite tivesse sido longa demais para ele lidar com isso naquele momento.
— Sim, e anda logo. Pegue a bacia dele. — Minha mãe falou com pressa, a preocupação estampada no rosto.
Enquanto eles discutiam sobre o banho, eu ainda sentia a memória daquele pesadelo pulsando dentro de mim, como um eco sombrio. Cada segundo parecia trazer de volta as sensações intensas e angustiantes do sonho. Era como se meu corpo estivesse preso a uma dor profunda, sentindo cada osso ser esmagado e queimando de forma intensa, apesar de saber que não era real. A sensação de calor e ardor era tão vívida que até minha pele parecia sentir o toque do fogo. Talvez o banho realmente me ajudasse a me acalmar.
Meu pai voltou com a bacia e me pegou nos braços, descendo cuidadosamente as escadas. Cada movimento parecia solene, como se até ele estivesse incomodado pelo pesadelo ter causado uma reação tão forte. Lá embaixo, encontramos Aiza, que olhava curiosa para a situação.
— O Lucas teve um pesadelo, e vamos dar um banho nele pra acalmá-lo um pouco — explicou meu pai, enquanto colocava a bacia no chão.
Aiza se aproximou com um semblante gentil e compreensivo, inclinando-se para olhar em meus olhos.
— Nossa, Lucas… que ruim. Espero que você tenha sonhos melhores quando dormir de novo — ela disse com um sorriso suave e carinhoso.
Com um gesto leve, ela colocou a mão sobre a minha cabeça e murmurou: — Durma com os anjos, Lucas.
Enquanto sentia a água morna me envolvendo, aos poucos a tensão no meu corpo começou a se dissipar. Aquele banho realmente me trouxe um alívio que nem eu sabia que precisava.
…
Três anos se passaram.
Durante esses três anos, aquele mesmo pesadelo retornava todas as noites, como um visitante indesejado. Cada vez que eu fechava os olhos, lá estava ele, pronto para me arrastar de volta àquela agonia. Eu acordava chorando, meu corpo tomado por uma angústia que parecia real, mesmo sabendo que tudo aquilo era apenas um sonho.
Mas, nesses três anos, também houve progresso. Aprendi a falar, ainda que só dissesse frases curtas e simples, como se não quisesse me aprofundar demais. Aprendi a ler também, o que se tornou uma habilidade essencial para escapar da monotonia. No entanto, depois de tudo o que aconteceu com minha tia e esses pesadelos constantes, eu praticamente não podia sair de casa sozinho. Sempre havia alguém me vigiando, um olhar atento e preocupado que me seguia por onde eu fosse.
Mesmo com essa vigilância constante, encontrei uma maneira de me refugiar: a biblioteca da minha mãe. Era um lugar vasto, com estantes repletas de livros que cobriam do chão ao teto. Assim que me livrava das vistas dos adultos, corria para lá, me escondia e passava horas perdido entre as páginas, explorando mundos que não me eram permitidos. Li mais de 30 livros sobre magia, embora nunca tenha conseguido realizar nada grandioso.
No entanto, descobri que a magia nesse mundo era dividida em tipos e níveis que me fascinavam.
A Magia da Natureza era o primeiro tipo que encontrei, a base de todos os elementos — água, fogo, terra e vento. Esta magia permitia controlar esses elementos e combiná-los para criar fenômenos poderosos, desde tempestades até chamas eternas. No entanto, o que mais me intrigava eram as habilidades de cura e a capacidade de revitalizar terras devastadas, uma faceta que eu não imaginava possível.
A Magia da Criação era o próximo nível, acessível apenas para aqueles que dominavam a natureza. Ela envolvia transformar a própria mana em objetos e seres, algo que exigia um controle impressionante. Havia contos de magos que criavam armas indestrutíveis e até golems vivos, mas também advertências sobre os riscos de perder o controle ao tentar manipular tanto poder.
Por fim, a Magia Interestelar parecia o auge do poder mágico. Diziam que apenas dois magos na história haviam chegado a esse nível, transcendendo as leis da natureza. Eles eram capazes de manipular o universo, criar estrelas e até buracos negros. Os textos falavam deles como lendas vivas, magos que se tornaram algo além do humano.
Além dos tipos de magia, também havia níveis de poder. Desde o Iniciante, que mal conseguia acender uma chama, até o mítico Nível Dragão, em que os magos eram quase deuses. Cada nível tinha exemplos fascinantes, como Mestres Intermediários capazes de invocar criaturas elementais e Grão-Mestres que podiam moldar montanhas e manipular rios inteiros.
Enquanto lia, imaginava até onde eu poderia chegar. No fundo, queria pelo menos alcançar o nível de Aprendiz, mas sabia que seria difícil. A maioria das crianças só despertava para a magia aos nove anos, mas algumas, com talento excepcional, conseguiam antes disso. Também soube que cada pessoa nasce com um limite, uma barreira que determina até onde podem ir. Meu azar era tão grande que provavelmente meu limite seria o mais baixo possível.
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