Sombrevale foi invadida?! — Enki exclamou.

    Hélio engoliu em seco, fixando o olhar nas três figuras à sua frente. À esquerda, uma mulher com cabelos ruivos e curtos, segurando firmemente um rifle. À direita, um brutamontes careca empunhava uma enorme espada com uma confiança quase desdenhosa. No centro, um homem branco e magro de aparência elegante, com um bigode bem aparado e barba por fazer, exibia um cabelo castanho cuidadosamente penteado para o lado. Ele usava uma quepe militar, sendo o capitão, enquanto os outros dois estavam equipados apenas com uniformes padrão em vermelho.

    — Soldados de Imera… — murmurou Hélio.

    Solitude está em guerra com Imera também? — Enki perguntou. 

    Hélio fez um gesto imperceptível com a cabeça, sinalizando que não queria atrair mais atenção. O grupo de militares já o observava há algum tempo, suas expressões variavam conforme suas avaliações. O brutamontes exibia um sorriso largo e despreocupado, a mulher tinha um olhar intrigado e quase sedutor, enquanto o capitão o examinava dos pés à cabeça.

    — Olha só, Lela. Um pequeno garotinho… — Feodin, o brutamontes, disse com um sorriso debochado.

    — Garotinho? Não, Feodin, ele é um um anão! — Lela riu. 

    — É um soldado de Solitude — o capitão interveio, sua voz seca e impassível.

    — Um pequeno soldado de Solitude. Não sabia que tinham homens tão baixos aqui! — Lela riu mais uma vez.

    O capitão virou o rosto para o lado, cruzando os braços e fechando os olhos em desdém.

    — Vocês não levam nada a sério! — ele disparou.

    Feodin soltou uma risada enquanto Lela revirava os olhos com um suspiro de aborrecimento. Hélio voltou-se para a cabana, percebendo que vários soldados de Imera estavam entrando, vindos da floresta.

    — Preocupado? É uma mulher, não é? Não se preocupe, eles vão cuidar bem dela… Muiiito bem — Feodin provocou. 

    A imagem da cena fez o rosto de Hélio se contorcer de repulsa.

    — Desgraçados… — ele disse baixo, fechando os punhos. — Eu vou matar vocês! — gritou.

    — Como? — o capitão perguntou, apontando para o braço queimado de Hélio. — Você está ferido e sozinho contra três de nós. Difícil vencer todos — ele olhou ao redor, avaliando os dois que o acompanhavam. — Pelo menos eu, será.

    Hélio sacou sua espada.

    Espere, Hélio! — interveio Enki. — Ouça, eles não sabem sobre mim. Temos uma vantagem. Jogue-me no chão como se eu fosse uma simples espada. Provoque uma reação e, quando menos esperarem, farei um ataque surpresa.

    Hélio considerou o plano e atendeu ao pedido de Enki, jogando-o no chão com uma demonstração de desprezo.

    — O que está fazendo? — o capitão questionou.

    — Você não conhece os costumes de Solitude? Jogar minha espada no chão significa uma coisa: dar a vocês a chance de fugirem! — Hélio respondeu com um olhar feroz.

    Um silêncio tenso se instalou. Lela e Feodin trocaram olhares por alguns segundos antes de começarem a rir. O capitão, no entanto, não participou.

    — Ele é um verdadeiro palhaço! — Lela mal conseguia conter os risos.

    — Fugir de um baixinho como você?! — Feodin também zombou.

    Enquanto eles riam, Hélio fez um gesto quase imperceptível com a mão em direção a Lela. Após um breve momento concentrando sua aura, ele a fechou e, de repente, os risos de Lela foram substituídos por gritos de dor. As queimaduras causadas pelo frio marcaram seu rosto, deixando-o em carne viva.

    Feodin, ao testemunhar o ataque com uma técnica de aura, imediatamente cessou a risada e rosnou de raiva. Ele avançou, empunhando sua enorme espada com a intenção de vingar sua companheira. No entanto, Enki, que emergiu do chão com uma velocidade surpreendente, atacou-o diretamente na garganta.

    O gigante caiu, a vida escapando de seus lábios em um último suspiro de engasgo. Enki se manteve fixo no pescoço do homem, enquanto o silêncio pesado envolvia a estrada até o vilarejo. Os gritos desesperados de Lela, com o rosto em carne viva, era o único som que quebrava a quietude da cena.

    Ele usou técnicas de diferentes tipos de aura…? — o capitão ponderou em silêncio, antes de aplaudir levemente, um sorriso frio se formando em seus lábios. — Você despertou minha curiosidade, soldado de Solitude. Mas antes de continuarmos…

    Ele deslizou uma pistola de sua cintura, apontando-a para a cabeça de Lela. Sem desviar os olhos de Hélio, o disparo ecoou e o sangue de Lela espirrou, manchando seu rosto de vermelho.

    — Pronto. Só eu e você. Agora, me diga, como você usou dois tipos de aura?

    Hélio recuou alguns passos ao testemunhar a execução, mas rapidamente se recompôs.

    — Você acha mesmo que eu vou dizer? — ele respondeu.

    — Não, claro que não. Isso tiraria toda a graça. Aliás, devo parabenizá-lo pela estratégia. Soltar sua espada como se não fosse nada, provocar um ataque, e depois manipulá-la com telecinese foi realmente admirável. Tenho que admitir, se eu estivesse no lugar daquele lixo, eu também estaria morto. Claro, um homem como eu nunca se colocaria em tal situação.

    E tudo graças a você ter me ouvido — comentou Enki com uma pitada de orgulho. Hélio quase revirou os olhos.

    — Mas agora surge um pequeno problema… — o capitão continuou, colocando a mão no queixo enquanto refletia. — Como você usou telecinese em sua espada logo após queimar o rosto daquela mulher com o frio? Todo aura desperta possui apenas um tipo de aura: Serpente, Bode ou Leão… sempre um desses. Telecinese pertence à Aura do Bode, que envolve alteração, enquanto a técnica de frio que você usou pertence ao Leão, que lida com destruição. Não vejo você usando um anel, colar, brinco, nada que possa lhe conceder mais um poder… Então, tudo indica que foi sua espada — ele apontou para Enki. — É um equipamento de aura, não é? Só isso explica.

    “É um equipamento de aura, não é?” — Enki zombou com uma voz mesquinha. — Ele fala como se tivesse descoberto algo extraordinário. Podemos acabar com esse cara agora, Hélio. O que você acha?

    — Pare de lamber a própria pica. — Hélio respondeu ao capitão, ignorando Enki. — Minha espada não possui selos. Olhe mais de perto, se quiser.

    O capitão estreitou os olhos, tentando enxergar melhor, mas não conseguiu identificar nenhum selo.

    — De fato, nenhum selo visível. Mas com o soldado por cima dela, fica difícil enxergar com clareza.

    Uma ideia surgiu na mente de Hélio. Ele sabia que em suas atuais condições, sem saber o nível de seu adversário, por não estar mais com o selo ativo em seu pulso e já ter usado bastante aura naquela técnica de expandir o calor, ele poderia morrer. Com isso em mente, recuou alguns passos, colocou as mãos atrás das costas e fechou os olhos. 

    — Então me diga, capitão, como eu poderia usar telecinese na minha espada se eu não consigo mover minhas mãos ou sequer olhar para ela? Nós dois sabemos que essas são as duas condições essenciais para ativar um equipamento de aura. — Hélio afirmou com tranquilidade.

    — Não seja tolo — o capitão respondeu, ajustando o quepe. — Vejo pelo menos sete maneiras de matá-lo agora mesmo. Mas você não se colocaria em uma situação como essa sem ter uma carta na manga. Se sua intenção era provocar um ataque meu, você falhou.

    — Falhei, é? Você tem uma pistola. Por que não atira em mim? Seria um ataque à distância, sem riscos. 

    O quê?! Você enlouqueceu, Hélio? Se está confiando que eu consiga rebater uma bala, você está enganado! — desesperado, Enki afirmou. 

    Hélio permaneceu em silêncio, sua expressão calma e imperturbável. O capitão, observando-o com desconfiança, deslizou a mão para a cintura, onde duas pistolas de percussão de tiro único estavam ocultas sob suas vestes. Uma delas já havia sido usada contra Lela, então ele sacou a outra.

    — Realmente, seria um ataque sem riscos — disse, apontando a arma para a cabeça de Hélio. — Um tiro bem dado na cabeça. Não há homem que sobreviva a isso.

    — Estou esperando… — Hélio provocou, sua voz firme.

    Hélio, o que você está pensando?! Eu… — Enki começou, mas foi interrompido pela inspiração pesada de Hélio. — eu acho que devo confiar em você.

    Nos segundos tensos que se seguiram, o capitão imeriano estava à beira de disparar, o dedo pressionando o gatilho com força. Hélio, no entanto, permanecia imóvel, a postura firme, o peito estufado e o queixo erguido, como se desafiasse a própria morte.

    — Estamos a apenas dez metros de distância. Meu dedo está pronto para puxar o gatilho. Seria um tiro fatal bem no meio da sua testa. E, mesmo assim, você continua aí, parado, sem que um único músculo seu trema…

    Um sorriso suave surgiu nos lábios de Hélio, e ao perceber isso, o capitão começou a rir.

    — Quanta ironia! Aqui estou eu, com uma arma apontada para a cabeça de um homem, e ainda assim não consigo puxar o gatilho, porque não faço ideia do que ele é capaz de fazer! É como se eu estivesse segurando um Sete de Copas, mas sentisse que você tem um maldito Quatro de Paus… — com um movimento rápido, ele guardou a pistola.

    — Ou talvez eu esteja apenas blefando e tenha um simples Rei. — Hélio acrescentou.

    — Se for isso, você joga muito bem — admitiu, ajeitando o quepe mais uma vez. — Você deve ter algo que eu ainda não vi. Mas o que será…?

    — Descubra. Eu lhe dou todo o tempo que precisar, capitão.

    O capitão começou a observar o ambiente ao redor.

    Não vejo ninguém por aqui, nem sinto o cheiro de presença alguma, mesmo usando o faro de um cão. A telecinese veio realmente dele… — pensou, fixando o olhar no braço de Hélio. — Queimaduras. Elas não cobrem todo o braço, apenas as feridas. O frio pode ter causado isso. Mas como? Como ele usou telecinese se a aura dele é claramente a do Leão? Estou deixando algo escapar. Mas o quê?… Talvez ainda possa ser sua…

    No pescoço de Feodin, a espada de Hélio permanecia imóvel, exceto pela pedra em seu cabo que pulsava levemente. O capitão franziu o cenho ao finalmente notar, mas logo em seguida, começou a rir. Suas risadas, inicialmente contidas, logo se tornaram quase descontroladas, chamando a atenção de Hélio, que abriu os olhos e arqueou uma sobrancelha.

    — Impressionante! — disse o capitão, tentando recuperar o controle. — Verdadeiramente impressionante, soldado! Posso saber o seu nome?

    — Meu nome é Hélio Salvatore. — respondeu desconfiado.

    — É uma honra duelar contigo, Hélio Salvatore! Sou Cadell de Valois, capitão do oitavo esquadrão de Imera, e faz muito tempo desde que me deparei com alguém como você. — Cadell limpou um pouco da baba nos cantos da boca e se ajeitou. — Devo admitir, você tem coragem. Acabou de blefar com uma pistola apontada para sua cabeça… Mas eu já descobri como usou a telecinese — seu tom ficou mais sério.

    Duvido que ele saiba. — Enki murmurou.

    — Não foi você. Foi a pedra na sua espada.

    Droga…

    — Olhe. — Cadell apontou para o ferimento no braço de Hélio. — Seu braço está queimado, mas apenas onde há cortes, o que sugere que a queima foi causada por um elemento, o mesmo poder que você manifestou há pouco. Então, se o poder da sua aura realmente vem do Leão, como você usou telecinese? A resposta é simples: você não usou — ele fez uma pausa, examinando o entorno. — Não há ninguém aqui com telecinese para agir em seu lugar. Suspeitei disso desde o início… até que observei sua espada mais uma vez — seu dedo apontou para Enki. — As pulsações. Reconheço essa pedra no cabo. Ela veio do olho de um dragão. Se minhas suspeitas estiverem corretas, estou verdadeiramente fascinado com sua presença… Enki, o filho de Gagadum.

    Os olhos de Hélio se arregalaram em choque.

    O quê?! Ele sabe sobre mim?! — Enki quase gritou, incrédulo.

    — Parece que acertei em cheio. Sua expressão entrega tudo… — Cadell soltou uma risada sutil. — Gagadum Brockovisky, um inventor do século XIII obcecado com a ideia de criar vida. No entanto, todos os seus experimentos falharam, até ele criar Enki. Foi uma aposta audaciosa da minha parte, pois Enki não era uma espada, e sim apenas uma pedra. Mas essa no cabo é verde e pulsa como um coração, exatamente como descrito nos livros. E é uma pedra capaz de usar telecinese em si própria e falar com o hospedeiro. Agora, como ele acabou incrustado em uma espada? Deixe-me pensar… Anões do Norte, talvez? Só eles teriam tal engenho.

    Ele até descobriu como eu acabei nesta espada! — Enki sussurrou, impressionado.

    — Aliás, parabéns novamente, Salvatore. Foi um belo plano o que você fez agora. E eu caí direitinho… — Cadell sentiu um leve tremor vindo de uma árvore próxima. — O plano de me atrasar, me enredar em diálogos sobre sua estratégia, enquanto ganhava tempo. Tempo suficiente para minha querida Hella Valentine chegar e me colocar em desvantagem — ele olhou para uma das árvores e viu Hella encima de um dos galhos.

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