Capítulo 10 - Vagus
— Tê! — exclamou Thays, vendo seu irmão descer de uma carruagem na entrada do Palácio Lawrence.
Rodeando a fonte d’água em formato de uma serpente marinha, Thays correu para abraçar seu irmão. Com o braço ainda enfaixado, Theo rangeu os dentes e ao sentir uma leve pontada no braço fraturado, mas logo aprovou o abraço da irmã.
— Lady Luanne — disse Camille, surpresa pela presença da Sacerdotisa de Alunne. Curvando-se, complementou: — É uma honra vê-la aqui…
— Aaaah, Camie — disse descontraída. — Não precisa de tais formalidades. Somos família aqui dentro.
Após a saída de Ethan da carruagem, Etrian ordenou que um grupo de mordomos retirassem as malas e levassem até à residência. Enquanto recuperavam as malas, Theo caminhou até sua mãe.
Ficando de frente a Camille, o menino afundou o rosto na cintura de sua mãe.
— Descobriram alguma coisa sobre o pai do Magnum? — Ele perguntou com uma voz melancólica.
— Ainda não, filho… — Os lábios de Camille se contorcem. — O senhor Anton ainda está desaparecido… Mas o Magnum foi levado para uma casa melhor.
Ele sacudiu a cabeça, afirmando que não. Afinal, nenhuma casa é melhor que a sua própria…
Após o desaparecimento de Anton durante o Cataclismo Negro, Magnum ficou uma semana sob custódia da polícia de Loureto, assim como todas as crianças que tiveram seu parentes mortos, hospitalados ou desaparecidos após o evento mundial.
Antes de irem para Athenian, uma dessas crianças caiu sob os cuidados de Ethan e Camille…
Com Michel tendo falecido durante o Cataclismo, e sua mãe ficando em estado grave onde perdeu a vida apenas alguns dias depois, Agnes Hansen seguiria o mesmo destino de Magnum; ser enviado para um orfanato e sumindo do campo de visão da família Lawrence.
Porém, por serem íntimos da família nobre, Agnes fora adotada pelos Lawrence. Magnum também havia entrado na mira do casal; embora não fosse adotado como um membro da família, Ethan queria pegá-lo como seu aprendiz e, futuramente, torná-lo chefe de alguma secretaria do ducado.
Sendo próximo de Anton, ele desejava um futuro melhor para o garoto… Mas, antes que pudesse agir, Magnum já havia sido levado por uma instituição de outro Ducado, ao qual se recusou a devolver qualquer um dos jovens adquiridos.
Eles alegaram que o Duque Landwell queria todos para sua guarnição ou serventia, sem exceção. Infelizmente, a lei daquele império permitia esse tipo de ação.
Mas Theo, mesmo não sabendo o paradeiro de seu amigo, queria ao menos poder informá-lo sobre o que aconteceu com seu pai caso se encontrem no futuro.
Segurando Theo com um abraço, Camille conversou por alguns momentos com Ethan e Luanne, enquanto Thays tentava acompanhar os assuntos. Porém, todos se diziam respeito ao estado do Duque.
Se comparado à noite anterior, Ethan estava tratando as coisas com uma perspectiva mais agradável.
Porém, a noite foi se apresentando cada vez com mais intensidade. Os poucos postes de luz da entrada já não conseguiam iluminar cantos distantes da pequena praça. Ainda assim, uma luz nos olhos da serpente d’água na fonte iluminava a verdadeira entrada da casa.
Num pequeno morro, onde uma mini-muralha de tijolos de pedras cinzas se erguia por seis metros, duas escadarias se divergiam pelas laterais, dando acesso aos campos superiores. Entretanto, ao sair do abraço de Camille, Theo olhou para algo no centro das escadas…
No meio da pequena muralha uma estátua de dois metros jazia numa reentrância: um homem cravando sua espada na base da estátua.
Erling Lawrence, o homem que criou a base daquele território. Um dos antigos revolucionários, responsáveis por aplicar um golpe de estado nos antigos ditadores e, indiretamente, responsáveis pelo atual grupo Titãs existirem.
Embora não tenha ligação sanguínea com Ethan, o atual Duque reivindicou o território pois, após a morte de Erling na praça imperial no dia do Protesto Governamental, Loureto se tornou posse da família Caesar.
Observar a imagem de Erling trouxe alguns pensamentos conclusivos para Theo.
— Pai, mãe… Quero conversar com vocês amanhã de manhã. Posso? — Theo perguntou, apoiando-se novamente em Camille.
— Eh… Pode… — disse Ethan, hesitante.
Camille olhou para Luanne, buscando refúgio. No entanto, nem mesmo a madrinha sabia o que falar.
— Tá. Mamãe, onde está a Agnes?
Sem conseguir responder ligeiramente, Camille teve suas palavras roubadas por Thays.
— No esconderijo de vocês — retrucou a filha mais velha.
Theo balançou a cabeça, como se tivesse obtido a confirmação que ele precisava. Saindo de onde todos estavam conversando, Theo caminhou até a escadaria à esquerda — ele sempre achou que aquela era a rota mais curta para chegar ao campo, sendo que ambas escadarias eram equivalentes.
Desnorteado e engolindo em seco, ele desapareceu do campo de visão dos adultos.
No primeiro poste, na entrada daquela praça, o piar de uma coruja branca ambientou a noite. Levantando voo pelo campo da residência, a coruja pousou no telhado frontal do palácio, onde uma pequena torre inativa serviu de refúgio.
Sentada à beira do telhado, balançando as pernas pelo relevo das telhas de cerâmica, Agnes olhava intuitivamente para o horizonte… Distante, resquícios da capital Loureto se mostravam com as luzes residenciais iluminando a floresta que lhe separava. Porém, a poluição visual não era o bastante para sobrepor o brilho das estrelas.
A lua, dominada pelas nuvens diurnas, não revelou seu brilho minguante naquele momento.
Atenta aos movimentos no campo da casa, onde os últimos mordomos entravam na residência, seus ouvidos foram inundados…
As vozes dos mordomos rapidamente se tornaram num berro estrondoso e ensurdecedor, acompanhado pelo som de um vidro se quebrando. Os estilhaços ecoavam pelo vácuo de sua mente.
Tapando os ouvidos, ela fungou. Lembrando-se do nome de sua mãe, contorceu-se enquanto expulsava o ar dos pulmões com violência. Suas narinas ficaram puras e irritadas. Ela adotou uma frequência respiratória desenfreada conforme as lágrimas se formaram.
— Ei… Que depressivo — disse Theo, repousando a mão no ombro da menina.
Sentando ao lado de Agnes, o Jovem Mestre também olhou para a direção da capital. Theo balançou as pernas enquanto tentava controlar seus pensamentos.
Mas, o silêncio mórbido de Agnes o fez reconsiderar instantaneamente.
— Sobre aquele fantasma… — disse Theo, olhando para seus pés.
— Theo, não…
— Sim, Agnes. Precisamos falar dele, pois… Eu acredito em você.
A menina despertou instantaneamente do estado de tristeza.
— Como… é?
— Eu acredito no que você viu, Agnes. Acredito que existem coisas nesse mundo que nossos olhos podem ver, mas nossa mente não explica…
Agnes ficou atenta às palavras do seu irmão.
— Falou igual um adulto…
Theo riu sorrateiramente.
— Bom, acho que vou me tornar um no futuro, né? Ah não ser que eu morra antes…
Olhando para seu irmão, Agnes ficou incrédulo com as últimas palavras. Ela o encarou como se estivesse julgando-o intensamente; como resposta, Theo inclinou a cabeça, fechou os olhos e fingiu um sorriso meigo.
— Por que… Você disse isso?
— Vagus — respondeu subitamente, como se já tivesse uma resposta pronta. — Nos dias que fiquei com a tia Sthefanny, perguntei sobre as Quatro Grandes Ordens…
As grandes organizações que um desviante está fadado a servir no futuro…
Myrddin, a ordem dos desviantes conjuradores; onde a maioria da casta social está presente, os responsáveis pelo equilíbrio do mundo mágico.
Solomon, a ordem dos desviantes sobrenaturais; onde os médiuns se concentram para estudar o sobrenatural, os seres de outras dimensões, a cosmologia do universo e, por fim, atribuição de invocação.
Fulmenbour, a maior sociedade científica do mundo; os responsáveis por estudar, criar e desenvolver as leis da alquimia e ciência que estuda os núcleos de energia, também onde a economia global está monopolizada e concentrada.
Por fim, mas sendo a mais importante… Vagus, onde os reis se desenvolvem e os herois nascem; onde a segurança do mundo está garantida, e a força é armazenada. A organização onde o conhecimento das três anteriores é armazenada em prol da paz global.
As Quatro Grandes Ordens foram fundadas há séculos pelos antigos revolucionários, mas ganharam toda essa visibilidade apenas após o julgamento daqueles que contrariam as leis do mundo.
O sonho de todo desviante é se tornar um membro de alguma dessas quatro organizações… Às vezes, até mesmo de humanos.
— Eu irei me tornar um agente de Vagus… Irei descobrir cada estilhaço desse mundo e seus mistérios. Além disso, encontrar os fantasmas culpados pela morte deles…
— Theo… — disse Agnes estagnadas ao notar a intensidade do olhar do garoto.
Não era o olho de Theo… Mas sim do seu alter-ego…
Recordando-se do dia de sua morte, a voz do cavaleiro negro ecoou pela mente de Liam… Aquele ser estava envolvido tanto na morte do ex-general, quanto na morte de todos aqueles civis.
O instinto egoísta de Liam queria saber apenas da sua parte… Mas, Theo queria descobrir o motivo daquele cavaleiro em matar tantas pessoas.
‘O garoto tem uma presença amargurada…’ um pensamento vazio rompeu o silêncio da coruja que observava as crianças.
‘Por ventura, o que você está fazendo aqui, espirito da noite?’
Uma luz flamejante surgiu atrás da coruja, transformando a noite, dentro daquela pequena torre, no dia mais ensolarado.
Girando o pescoço, a coruja encontrou a fonte daquela presença.
‘Fênix… O guardião desse lar… Então era você que estava protegendo a família Lawrence enquanto o Duque estava fora? Por não notei sua presença…’
‘Você não me respondeu, espirito da noite. Sabe muito bem que só pode haver um guardião por residência…’
‘Ei, ei. Calminha… Eu só estou aqui como visita.’
‘Eu sei… Desde que vão em breve, não me importo.’
Um pequeno fantasma flamejante sobrevoou para o lado da coruja, abandonando a parede de fogo que Fênix havia adotado.
‘O que a sua deusa está preparando para esse garoto?’ perguntou olhando para Theo.
‘Hm… Assuntos divinos não podem ser ditos, até para mim. Entretanto, caso queira um lance… Acho que só o destino de Araav pode nos dizer.’
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