Prólogo 2 – Monólogo do Aurelius Conflagratus Avitus
Eu francamente me pergunto quando é que de fato eu me tornei assim. Basta de pérfida humildade ou muitas palavras eufêmicas, tu sabes quem eu sou e o que eu quero a esta altura.
Quando é que eu cheguei ao estado de alma que se atina válido sacrificar o próprio irmão por viés duma finalidade?
É-me probo dizer que eu realmente não sei? Não, não é. Nunca será… Uma análise quente ou fria sobre a minha vida não logrará quaisquer dicas para compreender a minha essência.
Filho duma família nobre, marqueses. Não somente quaisquer marqueses, marqueses do Imperium Primarius. Alto, poderoso no físico e na capacidade mágica, abastado, carismático, belo, influente, com boa educação, amigos, escravos, mulheres e até mesmo uma falha família…
Qualidades e bens ímpares, é como se eu tivesse tudo em minha posse ou como se eu pudesse alcançar tudo facilmente. Todavia, mesmo assim…
Mesmo assim eu ainda sou o ser humano mais desprezível que tu irás conhecer.
Eu não tenho nenhum problema em mentir de frente para ti, não tenho problema de armar arapucas e nelas fazê-lo preso, não tenho problema em controlar cada um dos aspectos de tua vida, tê-lo a dançar eternamente na palma da minha mão.
Não tenho problema de iludir-te em doces palavras e sentimentos, muito menos de lentamente dar-te a droga para as tuas patologias. Eu não tenho problema em usar máscaras diversas a depender da situação, não tenho problema em traí-lo quando menos esperas. Não tenho problema em nada disso.
De todas as veras: mais do que óbvio é proferir que nem tudo do que eu afirmo não possuir dificuldade em fazer, eu em fato faria.
Afinal, eu ainda mantenho e cultivo a imagem dum nobre exemplar. Cousas torpes assim em nenhum bem me fariam, apenas dificultariam as minhas ações feitas por sentimentos verdadeiros.
Orgulho-me disso? Não necessariamente, mas enquanto ser-me confortável esse modo de ser, bem como agir, eu não vejo motivos para uma mudança.
«Nenhum homem pode banhar-se duas vezes nas mesmas águas, já que na segunda vez as águas já não são as mesmas, tal como é o homem», deves ter escutado tal frase, não? É dum conhecido filósofo, o Obscuri.
É utilizada usualmente para afirmar que nada é eterno, tudo muda, tudo flui, tudo se move. O seu «eu» de ontem não é o «eu» de hoje ou o de amanhã, depois de amanhã e o «eu» do último dia da tua mocidade.
Entretanto, há um erro em interpretação dessa ideia, ou mais especificamente, uma falta de compreensão dessa ideia no senso comum.
De fato, o homem e o rio jamais serão os mesmos, todavia, o homem e o rio ainda podem ser homem e rio, mas diferentes, melhores.
Nem toda mudança é necessariamente uma metamorfose, às vezes, e em muitas vezes, é apenas um envelhecimento, um enriquecimento do fato. Um aprimoramento.
Concluímos, portanto, que eu nunca mudei e possivelmente nunca irei realmente mudar. Só que isso ainda não responde a nossa trama inicial: quando é que eu me tornei assim?
A resposta é mais simplória do que o necessário: quando eu genuinamente me tornei um Conflagratus.
Isso não foi no dia em que eu recebi o milagre da vida, não foi no dia em que eu fui reconhecido como mago, não foi no dia em que eu aprendi as leis deste mundo e o papel dum marquês.
Foi sim ao dia em que eu verdadeiramente me matei e renasci como um homem desta Domus. Foi exatamente ao dia em que eu li os «Anecletos dos Conflagratus» e descobri todas as nossas dores, choros, compunções, pensamentos, cobiças, anseios, alegrias e o mais importante: eu descobri a verdade.
Atinei-me qual é o dever dum Conflagratus, atinei-me ao fato de que sou diferente, atinei-me que o imo da nossa casa há de ser eterno!
Atinei-me também ao fato de que…
— Hahaha… — olho ao espelho e não vejo o que deveria estar lá, sobre a minha cabeça. As pedras preciosas e a láurea…
— HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! — dou um soco no espelho e ele se quebra, suas micas ao chão do meu quarto estão. Minha mão se toma dum tom carmesim grotesco.
Atinei-me ao fato de que o meu direito não fora cumprido, pior: fora cruelmente usurpado.
E é por isso que eu não pouparei esforços ou sacrifícios alguns, nem me limitarei a quaisquer tipos de modos para obter o que eu aspiro e o que é meu por direito.
Enquanto eu existir, enquanto o meu coração bombear sangue, enquanto eu ainda tiver pernas para ao menos rastejar ao topo, enquanto meu cérebro permitir-me pensar sobre o meu passado…
— Odiá-lo-eis, Primus. Ao todo e perfeito sempre, odiá-lo-eis.
Não descansarei por um sequer segundo ao tempo em que os Primus não pagarem por seus pecados. Isso é o que significa ser genuinamente um Conflagratus.
Ad patria ego sensi dolor. Amen.
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