Capítulo 10: A Dança dos Predadores - Labaredas na Escuridão.
O frio da madrugada parecia mais cortante enquanto eu me movia pelo vilarejo silencioso. A raiva ainda queimava dentro de mim, quente e incômoda, mas agora estava envolta por outra sensação: inquietação. Ashley foi levada diante dos meus olhos, e eu sequer percebi. O pensamento fazia minha mandíbula se travar. Eu a deixei desprotegida por um instante, e isso foi o suficiente.
Ajeitei a capa sobre os ombros, tentando me focar. Entrar em pânico não ia ajudar em nada. Eu precisava pensar como uma caçadora, não como alguém que acabou de perder algo importante. Olhei ao redor da entrada da estalagem, buscando qualquer pista. Foi então que notei um brilho discreto à luz da lua: uma mancha escura no chão de pedra. Abaixei-me, passando os dedos sobre o líquido ainda morno. Sangue.
Meus olhos seguiram a trilha de pequenas gotas que se afastavam do local, um fio sutil de evidências que eu quase poderia ter ignorado se não estivesse procurando ativamente. O rastro se estendia por uma viela entre as casas de madeira do vilarejo, cada passo me levando para um caminho cada vez mais apertado.
Meu estômago se revirava com as possibilidades. O que quer que tenha levado Ashley estava ferido? Ou era sangue dela?
A trilha terminou abruptamente diante de uma parede de pedra, um beco sem saída. Franzi o cenho, examinando cada canto. Haviam marcas sutis no chão, arranhões recentes, como se algo ou alguém tivesse se movido rápido por ali. Eu estava prestes a me abaixar para ver melhor quando um som me fez girar na mesma hora.
Um galho se partiu.
Meus instintos assumiram o controle. Num piscar de olhos, disparei na direção do barulho, meus pés mal tocando o chão. Minha mão já estava na espada presa à cintura quando uma figura desajeitada entrou no meu campo de visão.
Era um homem. Meia-idade, cabelo azul pálido desgrenhado e uma expressão de puro terror. Ele ergueu as mãos no mesmo instante, os olhos arregalados enquanto eu me aproximava.
— P-por favor, não me machuque! — balbuciou, tropeçando para trás.
Minha mente ainda estava acelerada, processando. Ele não parecia um sequestrador. Muito menos alguém que poderia ter carregado Ashley para longe sem esforço. Ainda assim, isso não significava que ele estava livre de suspeitas.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, minha voz saindo mais fria do que eu pretendia.
O homem engoliu em seco, lançando olhares nervosos para os lados, como se esperasse que algo saísse das sombras a qualquer momento.
— Eu… vi alguém. Uma pessoa estranha andando por aqui há pouco tempo — ele murmurou.
Meus olhos se estreitaram.
— Estranha como?
— Não sei dizer…, mas não era alguém do vilarejo. Eu conheço todos daqui. E desde que a maldição começou, pessoas têm sumido todas as noites — sua expressão parecia perturbada antes de continuar. — Por isso não ousamos mais sair a noite.
Meu coração deu um leve salto dentro do peito. Ashley não era a primeira. E se eu não fizesse algo rápido, ela poderia ser a próxima a desaparecer para sempre…
***
Minha consciência retornou lentamente, como se eu estivesse emergindo de um oceano profundo e sem fim. Primeiro veio a dor: uma pressão incômoda na minha nuca, como se tivessem batido ali com força, mas não pareceu haver ferimento. Depois, a sensação do frio, o contato áspero da madeira contra minha pele. E então, a escuridão.
Abri os olhos, mas não vi nada além de um breu absoluto. O pânico ameaçou crescer no meu peito, mas me forcei a respirar devagar. Eu estava consciente. Isso significava que ainda tinha uma chance de entender a situação.
Esperei. Aos poucos, conforme meu corpo despertava por completo, minha visão começou a se adaptar. Contornos vagos surgiram na escuridão, sombras esculpidas pela pouca luz que se infiltrava pelo o que parecia ser uma janela pequena barrada por grades no topo do cômodo. A umidade no ar era densa, carregada com o cheiro ácido de madeira velha e algo ferroso.
Tentei me mover, foi só então que percebi a pressão ao redor dos meus pulsos e tornozelos. Cordas apertadas mordiam minha pele, prendendo-me a uma cadeira de madeira firme. Fiquei sem reação, testando discretamente os nós. Apertados. Muito bem feitos.
Forçando meus olhos a enxergarem melhor, analisei o ambiente ao meu redor. Eu estava em um porão… ou algo semelhante. O chão era de pedra, as paredes de madeira reforçada, sem janelas convencionais ou qualquer saída óbvia. Um arrepio percorreu minha espinha ao notar outra coisa.
Eu não estava sozinha.
Do outro lado do cômodo, duas figuras estavam presas do mesmo jeito que eu. Uma mulher e um garoto. Eles estavam imóveis, cabeças caídas para frente. Meus dedos se fecharam em punhos, a respiração suspensa. Estariam vivos?
Antes que eu pudesse tentar dizer algo, notei que minha boca estava selada por um tecido amarrado, mas antes que eu pudesse tentar algo um som quebrou o silêncio. Uma porta se abriu em algum canto da sala, e um facho de luz crua invadiu o espaço.
Me esforcei para não reagir, mantendo os olhos entreabertos e a respiração calma. Fingi ainda estar desacordada enquanto observava a figura que entrou.
Alto, de postura rígida e movimentos calculados. A luz não me deixava ver detalhes do rosto, mas sua presença era sufocante. Ele avançou pelo cômodo, seus passos ecoando pelo chão de pedra. Parecia procurar algo… ou alguém. Meu coração martelava contra o peito, mas continuei imóvel.
Depois de vasculhar um baú próximo à parede, ele se voltou para o outro lado do porão. Sua atenção recaiu sobre a mulher amarrada. Sem hesitação, ele a agarrou e a ergueu com facilidade, como se não pesasse nada.
Os olhos dela se abriram. Por um instante, vi o terror em seu rosto antes que a porta se fechasse novamente, lançando o porão de volta à escuridão. Eu continuei imóvel, mesmo quando meu corpo gritava para que eu reagisse.
Eu não sabia o que estava acontecendo. Mas uma coisa estava clara. Se eu não descobrisse uma maneira de sair dali… eu seria a próxima.
Tentei mover os dedos, testando qualquer brecha na amarra que me prendia, mas a pressão nos pulsos continuava firme, a corda áspera cavando minha pele, tornando-a quente e dolorida. Meu peito subia e descia em respirações curtas e controladas, tentando não ceder ao desespero. Eu precisava encontrar uma saída, uma forma de alertar alguém. Meu olhar se voltou para o teto de madeira antiga, repleto de rachaduras e marcas do tempo. As paredes úmidas emanavam um cheiro terroso, e uma fina corrente de ar se infiltrava por alguma fresta invisível, esfriando minha pele. Cada sombra no ambiente parecia querer me engolir, como se o próprio porão estivesse vivo, conspirando para me manter ali.
Mas antes que eu pudesse raciocinar sobre qualquer coisa, um som distante me fez prender o ar nos pulmões: Passos.
Eles ecoavam com urgência, descendo uma escada apressadamente. Meu corpo se travou no mesmo instante, e então a porta do porão se abriu com um rangido abrupto, batendo contra a parede com um estrondo seco. A figura sombria atravessou a soleira e começou a andar de um lado para outro, os pés pesados esmagando tábuas podres com cada passo brusco. Ele estava transtornado. Seu comportamento errático era um misto de frustração e inquietação, como um predador que percebeu que caiu em uma armadilha.
Meu coração pulsava forte contra as costelas enquanto eu me esforçava para manter meu corpo imóvel, os músculos rígidos, quase inanimados. Ele girou sobre os calcanhares e veio em minha direção. Cada segundo se arrastava como uma eternidade enquanto ele se aproximava. Quando parou diante de mim, sua presença impôs um peso sufocante no ar. Meus pulmões pareciam se fechar, minha respiração ficou curta e instável, e o suor frio escorria pela minha nuca. Então, ele começou a murmurar, sua voz grave reverberando como um sussurro enraivecido.
— Não acredito que cometi um erro como esse… — Seu tom era carregado de frustração e desprezo. — Não era essa garota imunda quem ele queria.
Minha mente latejava com cada palavra.
— Eu tenho certeza que era a com o manto vermelho…, mas não era ela… NÃO ERA ELA!
Eu gelei. Manto vermelho… Selene! Seria ela o verdadeiro alvo? Ele estava à sua procura e, por um erro, acabou me capturando. Mas agora… o que será de mim? Se ele perceber que não sirvo a seus propósitos, o que fará comigo? Eu precisava dos meus poderes de volta. Sem eles, eu estava completamente indefesa, e o pensamento do que poderia acontecer me apertava o estômago como garras invisíveis.
O breve silêncio foi interrompido por um estrondo. Meu sequestrador congelou no lugar. Outro estrondo veio logo depois, seguido de mais um.
As explosões se espalhavam pelo vilarejo como um trovão ecoando em sequência. As paredes tremeram, partículas de poeira caindo do teto e escapando pelas brechas como cinzas de uma fogueira. O som era ensurdecedor, reverberando pelo porão como se o próprio chão estivesse prestes a ceder. Então, um clarão ofuscante atravessou a única fresta na madeira, rasgando a escuridão e iluminando todo o espaço por uma fração de segundo.
E foi o suficiente para que eu o visse. Seu rosto emergiu das sombras. Feições bem definidas, olhar frio como aço temperado, cabelo azul-marinho despenteado, formando um contraste severo com as vestes negras, manchadas de sangue seco. Mas nada disso me fez prender o ar como o detalhe mais alarmante de sua aparência: Sua pele.
Ela parecia um vaso antigo prestes a se despedaçar. Rachaduras profundas corriam por sua face, expondo fendas escuras que se espalhavam como veias petrificadas. Algumas partes estavam acinzentadas, como se a vida estivesse se esvaindo dele pouco a pouco. Meu sangue gelou.
A corrupção de cores… O pensamento atravessou minha mente como um raio. Aquele homem estava doente. Mas o que o levou a sair no meio da noite tirando pessoas do seu sossego para fazer sabe-se lá o que com seus destinos.
Antes que eu pudesse processar, um estrondo ainda mais poderoso sacudiu o porão, e um grito abafado se espalhou na distância. O vilarejo estava em chamas. E Selene… Ela estava lá fora.
O homem ergueu a cabeça no mesmo instante, seu olhar fixo na direção do teto, como se pudesse enxergar além das paredes do porão. Os estrondos lá fora se intensificavam, e ele cerrou os punhos com força, seus dentes rangeram.
— O que diabos está acontecendo lá fora? — rosnou entre dentes.
Seu corpo, que até então parecia pesado e carregado pela própria exaustão, moveu-se em um piscar de olhos. Em uma explosão de velocidade, ele cruzou o porão e escancarou a porta, desaparecendo no mesmo instante, deixando para trás apenas o som abafado de suas passadas apressadas subindo a escada.
Senti a ausência da presença dele como se o próprio ar tivesse se tornado mais leve. Mas não havia tempo para alívio. O caos lá fora podia ser sua única chance de escapar. Forcei os pulsos contra as amarras, mas a corda mordia minha pele, resistindo a cada tentativa de afrouxá-la.
O desespero formigava sob minha pele. Eu não podia ficar ali esperando o pior. Então, um pensamento veio como um relâmpago.: Os poderes…
Tentei me lembrar do instante em que os despertei pela primeira vez. O calor que percorreu meu corpo, a onda avassaladora de energia que parecia borbulhar dentro de mim, incontrolável e imprevisível. Se ao menos eu pudesse acessar aquilo de novo…
Fechei os olhos com força, tentando ignorar o medo, tentando cavar fundo dentro de minhas memórias. Respirei fundo, sentindo a poeira e o mofo queimando a garganta, me forcei a lembrar. Como me senti naquele dia? O que fez meu poder despertar?
Forcei cada músculo do corpo a reagir, tentei evocar aquela mesma sensação, tentei agarrar qualquer fio de energia que pudesse emergir. Mas nada aconteceu. Nenhum brilho, nenhum calor, nenhuma resposta.
O que estava errado?
Abri os olhos, com os punhos cerrados de frustração. O suor deslizava pela minha testa, e minha respiração estava pesada, ofegante. Eu não sabia quanto tempo tinha até o sequestrador voltar… ou até que algo pior acontecesse.
Foi então que um movimento sutil capturou minha atenção. Acima de mim, no topo do porão, onde estava uma pequena janela gradeada que deixava pequenos filetes de luz atravessar, algo se moveu.
Uma sombra. Pequena e ágil… prendi a respiração, alguém… ou alguma coisa estava ali. E estava observando.
***
— Pense! — exigi, estreitando os olhos para o homem diante de mim. — Qualquer detalhe pode fazer a diferença.
O homem se encolheu levemente, os ombros curvados, como se o próprio ar ao redor dele tivesse se tornado mais pesado.
— Eu… eu juro que vi alguém — murmurou, torcendo as mãos calejadas. — Mas estava escuro. Tudo que lembro é que a figura se movia rápido… muito rápido.
Minha mandíbula se contraiu. Isso não era o suficiente. Cada segundo desperdiçado era um segundo a mais longe de Ashley.
Ele olhou para mim, talvez esperando alguma resposta, alguma outra pergunta. Mas eu já não estava mais prestando atenção nele. Meus olhos percorriam cada centímetro do beco, absorvendo cada detalhe com a precisão de um caçador. O chão de terra levemente revirado, marcas desorganizadas de pegadas… e então, algo que me fez estreitar o olhar: Uma pegada mais funda, distinta das outras.
Me agachei, tocando de leve a borda da marca. A pressão na terra indicava que a pessoa que a fez exerceu muita força aqui…, mas por quê?
Meus olhos se ergueram. As paredes ao redor do beco eram altas, mas não impossíveis de escalar. Para alguém normal, seria uma barreira. Para alguém como eu… ou como o sequestrador… era só um obstáculo menor.
Ele não andou por aqui. Ele saltou.
Me levantei devagar, uma conclusão óbvia martelando minha mente. Quem quer que estivesse carregando Ashley não era uma pessoa comum. Se ele teve força para saltar de um beco estreito segurando alguém nos braços, então minha suspeita estava certa: eu não estava lidando com um medíocre qualquer.
Fechei os olhos por um segundo, sentindo meu sangue ferver sob a pele.
— Eu vou encontrar você, Ashley. — Minha voz saiu baixa, mas firme. — Nem que tenha que transformar esse vilarejo inteira em cinzas.
Um pensamento relampejou em minha mente. Se eu fosse alguém tentando esconder algo em um lugar como esse, onde eu escolheria? A resposta veio quase de imediato: Porões.
A estrutura das casas daqui era antiga, e a maioria delas seguia um mesmo padrão arquitetônico. Construções velhas tendem a ter fundações reforçadas, e muitos desses vilarejos isoladas utilizavam porões não apenas como depósitos, mas como refúgios contra ataques ou desastres naturais. Se alguém quisesse esconder uma pessoa sem chamar atenção, um porão seria a melhor escolha.
Mas havia um problema: eu não sabia exatamente quais casas possuíam porões. Nem todas tinham, e vasculhar aleatoriamente cada uma delas me custaria um tempo que eu não tinha.
Foi então que a solução veio como uma centelha em minha mente: explosões.
Se eu causasse uma detonação forte o bastante em um local aberto, poderia observar como o deslocamento de ar e o calor se propagavam pelo vilarejo. Casas comuns, construídas diretamente sobre o solo, absorveriam o impacto da onda de choque de maneira uniforme, dissipando a pressão sem grandes perturbações. Mas casas com porões seriam diferentes. O motivo? Oco.
Porões criam uma diferença na densidade do solo sob a construção. Quando uma explosão ocorre, a onda de choque viaja pelo ar e pelo chão, mas qualquer espaço oco sob uma estrutura faz com que essa onda reverbere de maneira diferente. Enquanto uma casa sólida apenas absorveria a vibração, uma casa com um espaço subterrâneo criaria um deslocamento de poeira sutil ao redor das frestas do piso, das janelas ou das portas.
E mais do que isso: o calor da explosão faria com que o ar dentro desses espaços ocos se expandisse rapidamente, escapando por pequenas aberturas. Isso criaria uma leve distorção térmica no ar, visível para olhos atentos.
Se eu lançasse uma explosão no lugar certo e observasse atentamente, poderia perceber quais casas reagiam de maneira incomum à explosão. E em uma delas, sem dúvida, eu encontraria Ashley.
— Isso vai ser divertido — sorri de canto.
Sem hesitar, ergui a mão e comecei a conjurar as chamas. Se esse sequestrador achava que poderia se esconder no escuro, estava prestes a aprender o que significa brincar com fogo.
Eu avançava pelas ruas do vilarejo, sentindo a tensão crepitar no ar ao meu redor. Cada passo que eu dava reverberava no chão frio sob meus pés, e a única coisa que quebrava o silêncio era o som seco das minhas explosões. O fogo dançava em meus dedos, iluminando as paredes manchadas e as sombras distorcidas das casas antigas. Mas eu não tinha tempo para me preocupar com a vilarejo ou com os olhares aterrorizados dos moradores que espiavam de trás das janelas. Tudo o que importava era resgatar Ashley.
A primeira casa com um porão que encontrei me deu uma esperança breve e furiosa. Arrebentei a porta com um chute e desci os degraus de pedra sem hesitar, pronta para arrancar Ashley dali. Mas, em vez disso, encontrei um casal e seu filho, encolhidos em um canto escuro, os olhos arregalados pelo medo. O homem ergueu as mãos num gesto apavorado.
— N-Nós não fizemos nada! — Ele gaguejou. — Só estamos aqui porque achamos que estavam atacando o vilarejo!
Senti um nó apertar minha garganta de frustração. Apenas pessoas comuns se escondendo do caos. Me virei e saí sem dizer nada. Eu não podia perder tempo.
Continuei explodindo ruas e becos, observando atentamente como as construções reagiam ao impacto. Encontrei mais porões, mais pessoas assustadas, mas nenhum sinal de Ashley. A dúvida sussurrou em minha mente, venenosa. E se eu estivesse errada? E se estivesse desperdiçando tempo enquanto… não.
Não havia espaço para incertezas. Eu ia encontrá-la, nem que tivesse que reduzir esse vilarejo a cinzas. Então, na próxima explosão, algo mudou.
A casa diante de mim reagiu de um jeito diferente. O ar quente escapou pelas frestas, mas havia algo estranho ali. O som da madeira rangendo era mais abafado, como se resistisse a um peso invisível. As janelas estavam cobertas de poeira grossa, intocadas por anos, e a porta… a porta não parecia ter sido aberta em muito tempo, exceto por marcas de arranhões recentes, fundos e irregulares, como se alguém tivesse tentado sair dali com desespero.
Meu coração acelerou. Eu me preparei para entrar quando uma sombra se moveu na entrada.
A figura emergiu lentamente, alta e encapuzada, o manto negro esvoaçando ao redor de seu corpo como se tivesse vida própria. A luz das chamas que dançavam em meus dedos iluminou seu rosto por um instante… a pele estava rachada, pálida, parecendo algo prestes a se desfazer. Aquilo… aquilo não era normal.
Meus olhos se estreitaram.
— Você… — minha voz saiu carregada de fúria. — Algo me diz que você levou alguém que pertence a mim.
A figura inclinou a cabeça de leve, como se não compreendesse a pergunta. Ou como se não se importasse.
Então, sem aviso, avançou. A hostilidade rasgou o ar entre nós como um trovão. Um peso sufocante me envolveu, como se uma tempestade estivesse prestes a desabar sobre mim. Mas eu não recuei. O calor dentro de mim aumentou, minhas chamas subindo pelos dedos como serpentes famintas.
Meus lábios se curvaram em um sorriso frio.
— Você conhece o inferno? — estreitei os olhos, deixando o fogo consumir tudo ao meu redor. — É melhor começar a rezar para quem quer que seja seu Deus antes que eu chegue até você.
As chamas explodiram ao meu redor, engolindo a escuridão e pintando o vilarejo com um brilho ardente. O calor ondulou no ar, distorcendo as sombras enquanto minha magia se intensificava, pulsando como um coração prestes a explodir. Se aquele maldito achava que podia me parar, estava prestes a descobrir que não há nada mais perigoso do que alguém com sangue fervendo e um propósito inquebrável.
— Sou Selene Emberfell, primeira filha de sua linhagem, forjada nas chamas implacáveis do Reino do Fogo. A guerra é minha essência, e qualquer um que ouse desafiar meu poder conhecerá a dor de uma morte agonizante, consumido pelas chamas até restarem nada mais do que cinzas.
Fim do Capítulo 10 – A Dança dos Predadores: Labaredas na Escuridão.
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