Capítulo 243: Maldição de Reversão
— Eu já ouvi alguns homens dizerem que a maior morte não é quando se perde a vida, Dante — disse Render, de pé. Ele sempre se mantinha com o queixo erguido, com sua espada atrás das costas. A aura sempre de um homem orgulhoso. — E sim quando perdem sua própria força. A morte não é a pior das tragédias.
— E qual seria, pai?
— A inutilidade.
Dante acordou de sua lembrança quando a espada de Moonlich veio zunindo em direção de sua cabeça. Ele abaixou, deixando o ataque passar. A espada voltou, e de novo e de novo. Por quase dez vezes, ele teve de desviar em alta velocidade.
Quando Dante segurou o pulso de Moonlich, sentiu seu corpo gritar pela dor e também pelo cansaço. Tempo demais lutando, tempo demais sendo forçado a gastar sua energia vital.
Mais uma vez, ele segurou o pulso. Sua perna e seus pés forçaram a frente, mas Moonlich nem mesmo moveu um centímetro. A criatura sorriu pra ele, mostrando um escárnio entre seus dentes, e sua mão o acertou no rosto, o enviando de volta para trás.
De costas, Dante parou.
Seu cansaço, seu corpo, sua mente… ele tentou ergueu o braço. Tremendo, sem força alguma.
— Parece que você está um pouco cansado, não é? — Moonlich veio caminhando em sua direção. Sua espada erguida, o verde vibrando como seus olhos. — Um humano achando que iria conseguir vencer uma criatura manchada. A vida tem dessas, Comandante Dante, Dante. Algumas vezes, você perde, outras vezes, você perde mais ainda.
O braço de Dante foi pisado por Moonlich.
— Parece que existe um limite até mesmo para um humano forte. Sua habilidade claramente poderia me vencer. No entanto, somos abençoados, minhas criaturas e eu. Dotado da habilidade de me regenerar, dotado da habilidade de aperfeiçoar. E o que um humano teria?
A dor era imensa. Sua mão perfurada, seu corpo cansado, sua mente perturbada. Sem sua Energia Cósmica… que hipocrisia. Sempre alertou aos demais que não dependessem da sua Energia, das suas habilidades, mas nunca esteve tão próximo da morte quanto agora.
— Não costumo dizer isso para humanos. — Moonlich parou bem em cima. — Hoje, em especial, farei uma exceção. Teria uma última palavra para mim? Eu direi aqueles que você ama quando eu arrancar a cabeça deles do lugar.
Dante fechou os olhos. Sua energia já estava praticamente esgotada, seu corpo desgastado e sem um pingo de força para continuar. Não era culpa de ninguém, a não ser a dele própria de estar ali. Se não fosse pelo seu orgulho, pela sua arrogância de querer lutar.
— Últimas palavras, ele disse a você. — A voz de Render novamente apareceu em sua mente. — Nunca imaginei que estivesse próximo da morte, filho.
Dante abriu os olhos. O céu azul era diferente do negro que Kappz tinha. E as nuvens eram gentis, com os ventos quentes ao invés do inverno incessante. Ele levantou rapidamente, sentado na grama de casa.
Não era a primeira vez, nem a segunda. Mais uma vez, ali presente, encarando seu pai de costas, fitando o horizonte.
— Não posso te ver — disse Render. — Existe muito espaço e tempo até que possamos nos encontrar novamente. Mas, eu sinto sua Energia Cósmica desaparecer aos poucos. Deve ser algum tipo de inimigo mental.
Dante se levantou, assustado.
— Pai, estou aqui. Eu vejo o senhor. Eu estou…
— Se morrer longe de casa, não posso recuperar seu corpo, filho. Espero que saiba disso. Sua mãe e irmã nunca saberão e eu serei quem contarei. Infelizmente, você ainda parece não estar pronto.
Render virou-se na direção de sua casa, caminhando.
— Uma pena… garoto.
Dante esticou a mão, mas o mundo inteiro se fechou novamente. Ele abriu os olhos, vendo Moonlich de costas, mas sua espada estava encaixada. Tremendo, Dante levantou a cabeça. A lâmina verde havia penetrado seu peito. O sangue estava ao seu redor, mais do que antes, criando uma armadura de líquido seco.
Mas, era sua carne e sua roupa, elas estavam misturando-se bem no lugar onde a lâmina havia penetrado. Dante ficou estático, essas eram habilidades. Não as suas… mas eram a de Freto e Crish, que ainda guardavam nos filamentos de sua vestimenta.
Mesmo agora, eles ainda me protegem. Ele segurou a lâmina, mas ela não se libertava. Estava encaixada.
Mesmo agora, eles ainda me esperam. Não posso morrer. Não posso…
Ele forçou o corpo para frente. Não funcionava. Nada.
— Humanos são fracos — a voz soou em sua cabeça. — Não sacrificam nada. Não sacrificam a própria vida para vencer.
Era… Vick? Por que ela estava falando com tanta… raiva?
— Dante, você teve tudo para vencer o mundo, mas agora, está um passo da própria morte. Sua morte resulta no fim de tudo que construiu. Você deseja morrer como um humano?
— Não. — Sua voz saiu baixa demais, mas todos os demônios do Abismo pareceram ouvi-lo. Incluindo Moonlich. — Não quero morrer aqui.
A criatura manchada virou, sorrindo. Ele abriu os braços, fazendo as demais partes de seu exército responderam com sons de batalha. Batiam suas armas no chão, gargalhando.
— Parece que acordou, humano. Mas, não possui muito tempo. Pensou nas suas últimas palavras? Pensou no que…
— Eu faço qualquer coisa, Vick. — Dante ainda segurava a espada. Sua voz falhou, mas não tinha tempo para manter a postura. — Faço… qualquer coisa.
— Está implorando? — Moonlich começou a ir em sua direção novamente. — Não aprendeu que misericórdia não é um ato pessoal? Mas, agora que pediu, farei com que morra de maneira mais rápida.
Dante fechou os olhos, tentando puxar a espada. Ela não queria sair de jeito algum. Tentou forçar pro lado, mas nada. A pressão, as amarras, tudo estava misturado no corpo de Dante, prendendo a arma.
— Para salvar uma vida, precisa dar algo equivalente — ouviu Vick novamente. — Doe tudo o que conquistou e eu te farei vivo.
Dante não entendeu o que ela queria dizer.
— Se entregue a única maldição que você não pode fugir, e eu salvarei sua vida.
Dante não pensou duas vezes. Ele precisava viver. Ele precisava sair dali para sua casa. Para Clara. Ele precisava voltar.
— Aceito.
Moonlich deu uma risada, encarando as criaturas abissais ao seu redor.
— Estão vendo? Ele enlouqueceu. É assim que os humanos deveriam rastejar diante nós. Somos os verdadeiros conquistadores, somos os verdadeiros donos da superfície. Se escondem aqui por medo de um humano que nunca mais foi visto, que nunca mais foi notado.
A raiva no rosto de Moonlich era evidente.
— Covardes. São todos covardes.
A gargante de Dante se fechou. A voz de Vick foi forçada em sua mente.
— Ao aceitar o pedido, você abre mão de tudo o que a Energia Cósmica lhe entregou, Dante. Todo o seu poder reunido será excluído. Essa é a Maldição da Reversão. — Ela fez uma pausa. — A vida que você tem vale apenas 1% do seu poder. Então, o restante será doado.
Do que adiantava ter tudo se não poderia usar contra esse maldito na sua frente? A Energia Cósmica, seu corpo e mente, doaria qualquer coisa para não morrer. E Vick pareceu entender na mesma hora.
— Ótimo, então, nós temos um acordo.
— Adeus, humano — disse o monstro, com um sorriso que não chegava aos olhos.
Mas Dante não estava mais ali. Ele já havia pago o preço. E, enquanto a lâmina descia, ele sentiu algo novo brotar dentro dele. Algo que não era seu poder, a sua força, era somente o resquício do que um dia fora.
Apenas… restos.
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