— Faz tempo que não vejo um humano por aqui — disse o irmão, coçando a enorme barba ruiva que descia até os pés.

    A pele dele estava coberta de fuligem e poeira, e sua cabeça careca brilhava, mas de sujeira. Kino Piscou, tentando clarear a visão.

    Por um momento, Kino achou que era o veneno causando alucinações.

    — Melhor encontrar um anão do que um ciclope, não acha? — falou ele, enxugando o suor da testa. — Não se preocupe, ele vai demorar para voltar.

    “Eu não tinha dúvidas sobre quem era a melhor opção.”

    Mas algo naquele momento o deixou inquieto.

    — Sabe onde estamos?

    O barbudinho desviou o olhar para a barriga de Kino deixando ele confuso por um momento, mas logo percebeu o motivo.

    “Não!”
    Imediatamente cobriu suas partes íntimas com as mãos.

    — Desculpe… faz tempo que não vejo um desses.

    — Hã?

    O anão ficou vermelho e começou a balançar as mãos, tentando explicar:

    — Não me entenda mal, eu só…

    — Entendi. Pode pegar minhas roupas ali? — interrompeu apontando para o canto.

    O baixinho assentiu rapidamente e se apressou, quase tropeçando e caindo de cara no chão. Kino suspirou tentando manter a calma.

    “Estou ferrado.”

    De repente, o chão começou a tremer. As paredes de concreto ao redor se moveram, girando como se fossem peças de um gigantesco cubo mágico. Uma nuvem de areia fina se espalhou pelo ambiente, sufocando tudo.

    — Cof! Cof! — Tossiram, enquanto o pó invadia seus pulmões.

    — O labirinto mudou. Precisamos nos apressar — disse o anão, entregando as roupas do jovem.

    Depois que ele se vestiu , perguntou:

    — Sabe que lugar é esse?

    O anão pegou o martelo, fingindo não ouvir. Sua indiferença irritou Kino. Antes que ele pudesse se controlar, segurou o anão pelo colarinho.

    — Responde logo!

    O barbudinho fez uma careta, o pavor estampado no rosto.

    “Não é certo…”

    A fúria do jovem desapareceu na mesma hora. Afinal, lembrou que ele tinha o salvado. Soltou-o ao chão.

    virou-se de costas tentando manter a calma.

    — Tanto faz… — murmurou, mais para si.

    O jovem caminhou em direção à saída, que estava a poucos metros de distância.

    — Já vi muitos humanos vindo pra cá… — disse o anão atrás dele.

    Kino parou, mas não se virou. Tudo que ele precisava fazer era continuar andando. Ainda assim, algo naquele lugar o deixava inquieto.

    — Nenhum humano conseguiu escapar! — o baixinho disse . — Eles nunca saem. Uns sabotam os outros, e os que não são traídos acabam mortos pelos monstros.

    As lembranças de Kino voltaram à sala com as caixas. Por terem se atrasado, o grupo decidiu enganar eles para ganhar vantagem. Se não fosse pelo garoto de regata, Marquinhos, ele já teria morrido logo no início.

    — Como se chama? — o jovem perguntou.

    — Baltazar Fitzgerald príncipe do reino dos anões…— ele se interrompeu e começou a encarar o chão — Ao menos eu era.

    Baltazar fungou e virou de costas.

    — Olha…não sei como você veio parar aqui, mas de uma coisa eu sei muito bem. — o jovem agachou para encostar a mão no ombro de Baltazar — a gente vai sair desse maldito labirinto, eu prometo.

    Baltazar se virou seus olhos estavam vermelhos e seu nariz escorria um líquido pegajoso branco.

    “Põe tudo para fora mesmo…”

    De repente, o chão tremeu com força.

    — Irmão… achei… um humano! — a voz grave ecoou, como um trovão.

    Os olhos do anão se arregalaram.

    “Pelo tom do ciclope, ele não estava longe.”

    Naquele instante, com o labirinto alterado, não havia onde eles se esconderem. O espaço ao redor era completamente plano com algumas pedrinhas espalhadas.

    — Me larga! — uma voz feminina gritou, desesperada. Kino reconheceu de imediato: era a garota de óculos.

    “Pelo visto ela se distanciou do grupo ou será que todos eles estavam por perto?”

    Infelizmente o grito vinha da única saída visível, e pelo som, o ciclope estava exatamente lá.

    O buraco da passagem era redondo e grande o suficiente para acomodar um ciclope de dois metros.

    Antes de se mover, ele olhou rapidamente para a fogueira, agora apagada pela fumaça de areia.

    Baltazar, ao seu lado, roía as unhas, tomado pelo desespero.

    — Achei… uma… arma… para cortar a pele deles!

    O anão ficou ainda mais nervoso enquanto segurava o martelo com força.

    O jovem procurou o isqueiro no bolso de sua calça e, para o alívio dele, lá estava.

    — Tenho um plano.

    O anão estava ofegante, a respiração desordenada. O garoto explicou sua ideia, passo a passo. Enquanto falava, a expressão de Baltazar mudava de alívio para puro pavor.

    Quando terminou, Kino se abaixou e colocou a mão no ombro dele.

    — Você consegue. É o anão mais corajoso que já conheci.

    “Na verdade, ele era o único anão que eu já tinha visto na vida, mas acho melhor não mencionar isso.”

    O baixinho respirou fundo, inflando o peito, tentando parecer mais seguro.

    — Pode deixar comigo!

    O jovem de olhos verdes assentiu, dando-lhe um sorriso breve, se virou caminhando em direção à entrada.

    Os gritos da mulher estavam mais altos agora.
    —Quero… comer…Ela, irmão!

    — Fique aí! Estou mandando! — o anão gritou.

    O garoto tirou sua blusa e a jogou no chão.

    Pegou o isqueiro.

    “Vamos! Vamos!”

    Riscou até que uma pequena chama começasse a consumir o tecido. Deixou a blusa queimando na entrada e pegou algumas pedrinhas espalhadas pelo chão, jogando-as por cima.

    — Que…cheiro…de fumaça… é essa, irmão? — o ciclope rugiu.

    Kino olhou para Baltazar. Sua mão estava tremendo, mas ele continuou.
    — Estou acendendo a fogueira para poder desfiar a pele do humano com mais facilidade, Agora deixe de perguntas e me mande a arma que encontrou, idiota! E não entre aqui ainda.

    O som de algo deslizando pelo chão ecoou, seguido por um ruído áspero, como se estivesse arranhando a superfície.

    O rapaz se aproximou cautelosamente para pegar o objeto.

    “Uma faca!”

    “Não é muito grande, mas será útil. Agora vem a pior parte do plano.”

    O garoto fez um gesto com os olhos para o anão, chamando-o para perto. Ele veio devagar, tremendo.

    Sabia exatamente o que estava por vir.

    Baltazar se posicionou do outro lado da entrada, segurando o martelo com força suficiente para seus nós dos dedos ficarem brancos.

    Kino assentiu para ele, e Baltazar respondeu com um breve movimento de cabeça antes de a fumaça tomar conta do lugar.

    A blusa continuava queimando, criando uma cortina densa de fumaça. Logo, não conseguiam enxergar um ao outro. Ficaram em silêncio.

    — Pode entrar, irmão! — gritou o anão, com a voz trêmula.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota