Capítulo 7 – Chamas e desgraça
— Faz tempo que não vejo um humano por aqui — disse o irmão, coçando a enorme barba ruiva que descia até os pés.
A pele dele estava coberta de fuligem e poeira, e sua cabeça careca brilhava, mas de sujeira. Kino Piscou, tentando clarear a visão.
Por um momento, Kino achou que era o veneno causando alucinações.
— Melhor encontrar um anão do que um ciclope, não acha? — falou ele, enxugando o suor da testa. — Não se preocupe, ele vai demorar para voltar.
“Eu não tinha dúvidas sobre quem era a melhor opção.”
Mas algo naquele momento o deixou inquieto.
— Sabe onde estamos?
O barbudinho desviou o olhar para a barriga de Kino deixando ele confuso por um momento, mas logo percebeu o motivo.
“Não!”
Imediatamente cobriu suas partes íntimas com as mãos.
— Desculpe… faz tempo que não vejo um desses.
— Hã?
O anão ficou vermelho e começou a balançar as mãos, tentando explicar:
— Não me entenda mal, eu só…
— Entendi. Pode pegar minhas roupas ali? — interrompeu apontando para o canto.
O baixinho assentiu rapidamente e se apressou, quase tropeçando e caindo de cara no chão. Kino suspirou tentando manter a calma.
“Estou ferrado.”
De repente, o chão começou a tremer. As paredes de concreto ao redor se moveram, girando como se fossem peças de um gigantesco cubo mágico. Uma nuvem de areia fina se espalhou pelo ambiente, sufocando tudo.
— Cof! Cof! — Tossiram, enquanto o pó invadia seus pulmões.
— O labirinto mudou. Precisamos nos apressar — disse o anão, entregando as roupas do jovem.
Depois que ele se vestiu , perguntou:
— Sabe que lugar é esse?
O anão pegou o martelo, fingindo não ouvir. Sua indiferença irritou Kino. Antes que ele pudesse se controlar, segurou o anão pelo colarinho.
— Responde logo!
O barbudinho fez uma careta, o pavor estampado no rosto.
“Não é certo…”
A fúria do jovem desapareceu na mesma hora. Afinal, lembrou que ele tinha o salvado. Soltou-o ao chão.
virou-se de costas tentando manter a calma.
— Tanto faz… — murmurou, mais para si.
O jovem caminhou em direção à saída, que estava a poucos metros de distância.
— Já vi muitos humanos vindo pra cá… — disse o anão atrás dele.
Kino parou, mas não se virou. Tudo que ele precisava fazer era continuar andando. Ainda assim, algo naquele lugar o deixava inquieto.
— Nenhum humano conseguiu escapar! — o baixinho disse . — Eles nunca saem. Uns sabotam os outros, e os que não são traídos acabam mortos pelos monstros.
As lembranças de Kino voltaram à sala com as caixas. Por terem se atrasado, o grupo decidiu enganar eles para ganhar vantagem. Se não fosse pelo garoto de regata, Marquinhos, ele já teria morrido logo no início.
— Como se chama? — o jovem perguntou.
— Baltazar Fitzgerald príncipe do reino dos anões…— ele se interrompeu e começou a encarar o chão — Ao menos eu era.
Baltazar fungou e virou de costas.
— Olha…não sei como você veio parar aqui, mas de uma coisa eu sei muito bem. — o jovem agachou para encostar a mão no ombro de Baltazar — a gente vai sair desse maldito labirinto, eu prometo.
Baltazar se virou seus olhos estavam vermelhos e seu nariz escorria um líquido pegajoso branco.
“Põe tudo para fora mesmo…”
De repente, o chão tremeu com força.
— Irmão… achei… um humano! — a voz grave ecoou, como um trovão.
Os olhos do anão se arregalaram.
“Pelo tom do ciclope, ele não estava longe.”
Naquele instante, com o labirinto alterado, não havia onde eles se esconderem. O espaço ao redor era completamente plano com algumas pedrinhas espalhadas.
— Me larga! — uma voz feminina gritou, desesperada. Kino reconheceu de imediato: era a garota de óculos.
“Pelo visto ela se distanciou do grupo ou será que todos eles estavam por perto?”
Infelizmente o grito vinha da única saída visível, e pelo som, o ciclope estava exatamente lá.
O buraco da passagem era redondo e grande o suficiente para acomodar um ciclope de dois metros.
Antes de se mover, ele olhou rapidamente para a fogueira, agora apagada pela fumaça de areia.
Baltazar, ao seu lado, roía as unhas, tomado pelo desespero.
— Achei… uma… arma… para cortar a pele deles!
O anão ficou ainda mais nervoso enquanto segurava o martelo com força.
O jovem procurou o isqueiro no bolso de sua calça e, para o alívio dele, lá estava.
— Tenho um plano.
O anão estava ofegante, a respiração desordenada. O garoto explicou sua ideia, passo a passo. Enquanto falava, a expressão de Baltazar mudava de alívio para puro pavor.
Quando terminou, Kino se abaixou e colocou a mão no ombro dele.
— Você consegue. É o anão mais corajoso que já conheci.
“Na verdade, ele era o único anão que eu já tinha visto na vida, mas acho melhor não mencionar isso.”
O baixinho respirou fundo, inflando o peito, tentando parecer mais seguro.
— Pode deixar comigo!
O jovem de olhos verdes assentiu, dando-lhe um sorriso breve, se virou caminhando em direção à entrada.
Os gritos da mulher estavam mais altos agora.
—Quero… comer…Ela, irmão!
— Fique aí! Estou mandando! — o anão gritou.
O garoto tirou sua blusa e a jogou no chão.
Pegou o isqueiro.
“Vamos! Vamos!”
Riscou até que uma pequena chama começasse a consumir o tecido. Deixou a blusa queimando na entrada e pegou algumas pedrinhas espalhadas pelo chão, jogando-as por cima.
— Que…cheiro…de fumaça… é essa, irmão? — o ciclope rugiu.
Kino olhou para Baltazar. Sua mão estava tremendo, mas ele continuou.
— Estou acendendo a fogueira para poder desfiar a pele do humano com mais facilidade, Agora deixe de perguntas e me mande a arma que encontrou, idiota! E não entre aqui ainda.
O som de algo deslizando pelo chão ecoou, seguido por um ruído áspero, como se estivesse arranhando a superfície.
O rapaz se aproximou cautelosamente para pegar o objeto.
“Uma faca!”
“Não é muito grande, mas será útil. Agora vem a pior parte do plano.”
O garoto fez um gesto com os olhos para o anão, chamando-o para perto. Ele veio devagar, tremendo.
Sabia exatamente o que estava por vir.
Baltazar se posicionou do outro lado da entrada, segurando o martelo com força suficiente para seus nós dos dedos ficarem brancos.
Kino assentiu para ele, e Baltazar respondeu com um breve movimento de cabeça antes de a fumaça tomar conta do lugar.
A blusa continuava queimando, criando uma cortina densa de fumaça. Logo, não conseguiam enxergar um ao outro. Ficaram em silêncio.
— Pode entrar, irmão! — gritou o anão, com a voz trêmula.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.