Capitulo 11 - Parte 3
Os olhos de Zahara piscaram algumas vezes enquanto sua mente tentava reorganizar os eventos recentes.
Gradualmente, fragmentos dispersos sobre a mulher de Kessan começaram a emergir, invadindo seus pensamentos como se tentassem montar um quebra-cabeça, o qual a imagem havia se desgastado com o tempo. Alguns detalhes permaneceram nebulosos, desvanecendo-se.
O sorriso sinuoso em seu rosto foi, aos poucos, dando lugar a uma expressão introspectiva enquanto encarava o próprio punho cerrado, onde havia escrito sua mensagem para si. A luz que atravessava a porta iluminava sutilmente sua pele, destacando o contorno de seus dedos.
Enquanto isso, Zarek, empoleirado na mesa, continuou empilhando os livros, mas sua atenção ainda estava em Zahara, que começou a agir de forma diferente em questão de segundos, logo após ter guardado o desenho colorido dentro do seu pequeno livro de anotações.
“Acho que ela ficou zangada…”, era o que passava em sua mente.
Ele lançou mais um olhar discreto para o pequeno livro de anotações.
O desenho que ela guardou ali… era isso que a incomodava? Não parecia nada de mais. Somente um rabisco qualquer.
Enquanto alinhava os últimos livros, uma possibilidade surgiu em sua mente como um estalo, fazendo seus olhos brilharem brevemente.
“Oh… talvez seja de recordação…”, Zarek piscou. “Talvez seja por isso que é um desenho mal feito. Pode ser um desenho velho.”
Ele olhou para Zahara de canto de olho. Ela não parecia do tipo que ficaria sentimental com algo assim, mas… vai saber.
Seus tentáculos deslizaram contra a mesa num movimento sutil, assim que ele aterrissou o último livro sobre a torre.
A ideia de perguntar sobre o fato passou pela sua cabeça, mas… ele preferia evitar ser decapitado novamente.
Foi então que, com um suspiro quase imperceptível, Zahara soltou o caderno na mesa e moveu a mão para a bolsa ao seu lado. Seus dedos ágeis deslizaram pelo interior do compartimento, fazendo os frascos de vidro se chocarem levemente uns contra os outros, emitindo um tilintar suave.
Zarek inclinou ligeiramente a cabeça, observando a movimentação, até que Zahara retirou uma folha de papel, erguendo-a entre os dedos.
— Certo… ainda está aqui — murmurou para si mesma.
Era o amuleto rastreador que havia feito para encontrar a cliente, antes de retornar.
Ela permaneceu imóvel por um instante, com a ponta dos dedos deslizando sutilmente pela superfície do papel.
Zarek inclinou ainda mais a cabeça, tentando compreender o que Zahara estava pensando.
Ela estava agindo estranho… mas parecia ser mais do que apenas irritação. Era mais como um jeito inquieto, como se houvesse algo mais que a incomodasse.
Acabou que sua curiosidade foi mais forte.
— Há algo de errado…? — questionou, intrigado.
Em resposta, Zahara, totalmente imersa em pensamentos, voltou sua atenção para ele, como se houvesse acabado de recordar de sua existência.
— Zarek… — Sua voz saiu quase como um sussurro, antes de se recompor — O que disse?
Ele hesitou, antes de lhe direcionar a fala novamente.
— Você… parece agitada. Aconteceu algo?
Zahara permaneceu em silêncio por um instante, como se ponderasse sua pergunta, com seus olhos voltando brevemente para o amuleto de papel.
— Hmm… sim. Parece que terei um trabalho tedioso pela frente. Nessa minha volta, acabei me envolvendo com uma mulher… mas até poucos instantes, eu sequer me lembrava disso — respondeu, com seu tom ficando cada vez mais distante, como se estivesse organizando os próprios pensamentos em voz alta. — Quando ela mencionou que eu esqueceria, não imaginei que fosse de forma tão literal. Isso foi mais do que um simples descuido… foi como perder uma parte da memória.
Zahara franziu levemente o cenho, girando o papel entre os dedos antes de soltá-lo sobre a mesa.
— Se isso continuar assim, confiar apenas em anotações não vai ser o bastante. Se eu tiver de esperar que eu convenientemente olhe para minha mão para me recordar… vou acabar perdendo o meu chapéu… e o dinheiro.
Zarek inclinou o seu crânio novamente, refletindo sobre suas palavras.
Zahara, por sua vez, direcionou sua atenção para as duas chamas que a observavam ininterruptamente. Foi quando algo em sua mente se encaixou.
Se precisava de algo que lhe servisse como marcador de texto, quem melhor para o serviço… do que Zarek?
Um brilho sutil cruzou seus olhos antes que um sorriso se esgueirasse pelo canto de seus lábios.
— Zarek…
Ele piscou, ao ouvi-la o chamar.
— Vou lhe dar a sua primeira missão…
— Primeira missão? — repetiu, questionando.
— Exato! — Zahara enfatizou, enquanto começava a acender uma vela e a colocava sobre a mesa, com o brilho da chama realçando seus olhos alaranjados. — Sempre que eu me perguntar o que estou fazendo ou parecer perdida, como se eu estivesse tentando lembrar de algo e não conseguisse. Ou simplesmente mudar de assunto no meio de um pensamento sem motivo aparente… Me force a recordar.
Zahara destacou uma nova folha do caderno e, com uma pena, começou a escrever rapidamente. Assim que terminou, soprou levemente sobre a tinta para auxiliar na secagem e, com um movimento cuidadoso, dobrou o papel ao meio duas vezes e o estendeu na direção de Zarek.
— Apenas repita a história que eu já lhe contei e me mostre isso. E não me deixe ignorar.
— Hm. — Zarek assentiu, enrolando cuidadosamente seu tentáculo no papel.
Assim que entregou o papel a Zarek, Zahara, sem qualquer cerimônia, começou a espalhar os livros que ele havia acabado de organizar, revirando-os como se procurasse algo específico.
Zarek observou a cena em silêncio, piscando devagar, sentindo um leve desconforto ao ver sua organização se desfazer tão rapidamente. Mas não disse nada… apenas deslizou um de seus tentáculos de volta para as torres recém-destruídas, empilhando os livros, retomando sua arrumação como se nada tivesse acontecido.
Zahara, por sua vez, seguia imersa em sua busca, os olhos fixos nos títulos enquanto movia cada volume com pressa. Zarek, apesar de continuar empilhando, manteve os olhos atentos nela.
Foi quando, finalmente, Zahara travou em um volume de capa preta.
Zarek o analisou por alto.
Diferentemente dos grimórios ou compêndios, esse parecia mais normal, mas também marcado pelo uso constante. Seu couro exibia rachaduras na lombada e nas bordas, e o título, gravado em letras pequenas e sem adornos, lia-se:
“Controle de Pragas”
Zahara abriu o livro e seus dedos começaram a deslizar pelas páginas gastas enquanto, do outro lado da mesa, Zarek se inclinava sutilmente observando o conteúdo com curiosidade.
As descrições eram curtas e diretas, listando diversas aparições e as tratando como pragas sobrenaturais. Zahara folheava sem muito interesse até que seus olhos pararam em uma página específica, pressionando levemente o papel com os dedos.
Vulto
Categoria: Parasita
Aparência: Indeterminada
Sinais Detectáveis:
Fadiga persistente e anemia leve;
Perda da presença;
Desgaste dos laços emocionais.
Notas e Observações:
A aparição não se manifesta diretamente no ambiente, tornando-se difícil de identificar sem um exame minucioso dos sinais descritos. Costuma ocultar seu núcleo no hospedeiro, podendo ser revelado através de rituais.
A chama da vela tremulou levemente, fazendo com que sua luz deslizasse sobre o rosto de Zahara, enquanto ela soltava um suspiro, com os olhos ainda cravados na página aberta.
Zarek, atento à sutil mudança em sua expressão, ergueu o olhar para ela.
O silêncio dentro da sala estendeu-se por mais alguns segundos, até que a sua curiosidade se atiçou novamente.
— Vulto… é essa a aparição? — Sua voz rouca rompeu a quietude, carregada por um interesse contido.
Zahara não respondeu de imediato. Seus dedos deslizaram lentamente sobre as palavras gravadas, como se tentassem extrair algo além do que estava escrito.
— Não é exatamente como a mulher descreveu… — murmurou com sua testa se franzindo ligeiramente — mas se formos pela aproximação… talvez.
Zahara estreitou um pouco mais seus olhos, enquanto refletia sobre a descrição. Os seus dedos ficaram pressionando o papel por um instante antes de soltá-lo.
Foi então que ela ergueu os olhos para Zarek:
— Zarek… vamos dar outro passeio?

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