Índice de Capítulo

    Quando colocado do lado de fora por Pomodoro, Dante sentiu o cheiro de sal penetrar sua narina com tanta força que espirrou duas vezes. Não só ele, mas outros quartos foram abertos, e outros prisioneiros foram colocados do lado de fora.

    Eram mais de dez, enfileirados, caminhando lado a lado. Eles seguiram o corredor até uma escada, e subiram devagar. As correntes balançando a cada passo.

    — Quando chegar lá em cima, apenas faça o que mandarem — ouviu de Pomodoro antes dele tomar outro rumo, com os outros doutores.

    Dante subiu, sendo um dos últimos. Quando tocou seu pé no convés superior, a luz do sol acertou-lhe em cheio. Não era mais o vento frio que sentia em Kappz, ou as rajadas calmas da Capital. Eram um calor que fazia sua pele suar bem rápido.

    Por ter ficado parado na beirada da escada, algo o acertou pelas costas, forte e firme, o mandando direto pro chão, de peito. Ele caiu, rolando, e não se levantou.

    — Alguém mandou parar?

    Dante respirou fundo. Levou a mão a barriga, o ferimento podia estar fechado, mas latejava. Ele fez força para ficar de pé, e se colocou alinhado.

    O homem que o acertou era imenso, uma obesidade. As duas pernas suportando tal peso que Dante ficou estagnado. Nem as roupas cabiam direito, com filetes na cintura e couro em formato de colete. Seu peito ficava a mostra, com pelos finos e suor que escorria entre eles.

    — Ouçam. Eu não quero saber de nada. Porcos, cachorros, jovens, mulheres e idosos, pra mim pouco me importo. São prisioneiros. Só isso que importa. — O Imenso ergueu uma adaga, deixando bem a mostra para todos. — Vai ser dessa forma. Limpeza, almoço, limpeza, cama. Nada além disso. Se tiverem sorte, quando chegarmos ao nosso destino, serão vendidos e terão uma vida comum amarrados.

    Dante viu dois caírem de joelhos, e depois mais alguns. Ele, somente ele, ficou de pé.

    — Querem suplicar pela vida? — O Imenso gargalhou. — Idiotas. Comecem a esfregar o convés.

    Dante foi jogado em um canto. Ele recebeu uma escova do tamanho de sua mão, e um balde. Pelo clima quente e também pelos ventos calorentos, ele nem se importou tanto com o clima. De vez em quando, durante o dia, levantava a cabeça para ver o mar.

    Tão longo, parecendo ser infinito, aquele azul lhe tirava o fôlego. Abaixava quando o Imenso voltava a aparecer. Ele ficava mais afastado, esfregando um dos cantos mais distantes das cabines, observando.

    Os tripulantes caminhavam de um lado para o outro. Alguns ajustavam as velas, outros pegavam e assentavam de outro lado. Havia um grande mastro, onde uma cabina se localizava na sua ponta, e Dante pôde ver um homem lá em cima.

    Não o homem completo, mas suas pernas balançando.

    Ele passou cerca de algumas horas esfregando o chão até que o sol tocou uma parte mais oeste. Os tripulantes se reuniram no meio do convés, sentados em pequenos baldes e barris, para jogar dados.

    O Imenso não estava presente, então, Dante foi esfregando para cada vez mais perto. Até ficar praticamente quatro metros deles.

    — Não ouviu o que o gordão disse? Se a gente voltar para Zanatrui, vamos ficar agarrados mais dois anos lá antes de podermos zarpar. — Um deles usava uma faixa na cabeça, vermelho sangue, e tinha um aspecto mais maduro. — Se Bulianto encontrar com a gente, como sempre acontece, podemos deixar esse navio.

    Os outros nada falavam sobre. Apenas aquele homem em específico ditava as regras.

    — Se sairmos daqui, podemos nos manter no mar por anos. Pra que voltar agora?

    Dante continuou escutando, mas se afastou um pouco, indo na outra direção. A portinhola foi aberta aos trancos, rangendo. O Imenso saiu lá de dentro com uma fruta da mão, todo desequilibrado pelo seu peso.

    Mesmo sendo gordo e lento, os tripulantes rapidamente pegaram seus assentos e saíram em disparada. Quando o Imenso se virou, apenas o homem com a faixa vermelha estava presente.

    — Senhor, já verifiquei o que pediu. Nada fora do local. Se quiser, pode almoçar.

    — Ah, Jack. — A mão do Imenso tocou o ombro de Jack, o apertando com firmeza. — Sempre posso contar com você pra tudo. Meu braço direito.

    Depois que Imenso partiu, Jack cuspiu no chão e pisou em cima com uma expressão nojenta. Dante não forçou mais a encará-lo. Permaneceu quieto até o almoço. Foram os últimos a almoçar, depois dos tripulantes, e pegaram algumas sobras.

    Dante se escorou sentado em um canto, e pegou o prato com frango e um pouco de arroz. Ele comeu, olhando ao redor. Os prisioneiros se saciavam com o pouco, simplesmente mastigando tudo o que tinha e deitando de lado.

    Essa era a vida deles? Uma vida tão miserável. Pomodoro tinha dito que ele era um prisioneiro, mas sem ao menos ter uma noção do que poderia passar, ele também não sabia quando voltaria para a terra.

    E qual terra seria? Não sabia mais pra onde estava indo. Nem por quanto tempo. Dante deitou-se um pouco de lado, esperando o pouco do tempo que tinha passar. E pela primeira vez, em muitos anos, sentiu um pouco da lágrima escorrer pelo seu rosto.

    Os dias que se passaram foram sempre os mesmos. Dante descia para seu quarto, sua cela, e Pomodoro entrava um pouco antes de anoitecer. Era essa a regra.

    — Sempre fique no quarto quando estiver de noite.

    — Por quê?

    — O Oceânico Polar tem criaturas estranhas que vagam pela madrugada. — Pomodoro esticou o pote de pomada para Dante. — Apenas o Capitão pode permanecer lá.

    Dante aceitou o conselho. Ele manteve-se sempre no quarto. Nunca saiu. Tinha medo de perder as regalias, como a comida ou até mesmo o quarto. Ele manteve Nic ao seu lado, cuidando dele. A pele do pequeno Sugador estava descascando, e Pomodoro avisou sobre.

    Era apenas uma troca de pele por conta do clima.

    O doutor conhecia bem muitas coisas que ninguém em Kappz tinha muita certeza. Era esperto, respeitoso e lhe dava conselhos. Por algum motivo, na última semana, Dante esperou que ele entrasse para conversarem.

    — Não se preocupe — disse o Doutor quando se sentou na cadeira. Estava sujo dos pés a cabeça. Os cabelos lamacentos, parecendo ter sido tirado de um barril de merda. Os braços e pernas completamente escurecidos. Ele limpou o rosto, jogando a lama para o chão. — Não é contagioso se quer saber.

    — Não achei que fosse. Só é fedorento.

    Pomodoro concluiu com a cabeça.

    — Apenas porque temos trabalho demais para fazer. Vim vê-lo para verificar seus ferimentos, mas acredito que vai ficar tudo bem se ficar mais algumas horas sozinho. Preciso me limpar.

    — Claro. Não tenho pra onde ir mesmo.

    Pomodoro o encarou de lado, e concordou em silêncio. Abriu a porta e saiu mais uma vez.

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