Capítulo 254: Vanguarda
Dante apoiou a mão no queixo, balançando a cabeça lentamente enquanto observava Miatamo. Guaca e os outros faziam o mesmo, seus olhos fixos no mapa que Miatamo havia desenrolado sobre a mesa. Com um graveto em mãos, o líder da Vanguarda apontava para as marcações no pergaminho, sua voz grave ecoando na sala.
— Como o Capital pediu — começou Miatamo, seu olhar percorrendo o grupo —, vamos revisar algumas de nossas estratégias. — O graveto parou sobre o Oceânico Polar I. — Estamos aqui. Como podem ver pela marcação que fiz, a próxima será uma batalha naval. Muitos dos nossos caíram porque subestimaram o oceano. Ele não perdoa erros. É um dos lugares mais traiçoeiros que existem.
Seus olhos se fixaram em cada um dos presentes, como se buscasse garantir que suas palavras fossem absorvidas.
— Quando estivermos lá fora, sob as ordens do Rei, nossa missão será afundar o navio inimigo o mais rápido possível. Essa é a nossa função. Por isso somos chamados de Vanguarda. Somos a ponta da lança. A primeira linha. E a última, se necessário.
A porta lateral abriu-se com um rangido, interrompendo o silêncio que se instalara. Nekop entrou apressadamente, seu caderno aberto em uma das mãos. Ele parou abruptamente quando Miatamo esticou o graveto, bloqueando seu caminho. O anão ergueu a cabeça, sua expressão uma mistura de irritação e urgência.
— Ah, senhores — disse Nekop, ofegante. — Vim avisar que o Rei ordenou que se preparem. O Bastardo pediu uma chance para se tornar um dos Capitães de Frota. Ele espera que vocês o destruam no campo de batalha.
Sem esperar por uma resposta, Nekop virou-se para sair, mas Miatamo o deteve novamente, o graveto estendido como uma barreira.
— Calma aí, senhor — disse Miatamo, sua voz firme. — Volte aqui e explique melhor isso.
Nekop girou pela terceira vez em menos de dez segundos, sua paciência claramente à flor da pele.
— O que precisa ser explicado, Miatamo? — perguntou, exasperado. — O Bastardo soube do capitão que morreu e de um dos que mudou de lado. Agora, ele acha que é forte o suficiente e quer uma batalha. O Rei quer que você assuma a liderança.
Miatamo franziu a testa, sua expressão escurecendo.
— Então ele quer que… o Bastardo seja destruído apenas por querer provar que é competente?
Os olhos de Nekop eram frios, quase indiferentes. Ele inclinou a cabeça, como se a pergunta fosse absurda.
— Algum problema com isso, Miatamo?
Diferente de Nekop, a expressão de Miatamo tornou-se sombria, como se uma nuvem pesada tivesse se instalado sobre ele.
— Não, senhor — respondeu, sua voz contida. — Nenhum.
Enquanto Nekop se afastava, Dante inclinou-se para Guaca, sua voz baixa, quase um sussurro, carregada de curiosidade e cautela.
— Por que ele está assim? — perguntou Dante, os olhos fixos na porta por onde Miatamo e Nekop haviam saído. — Quem é esse Bastardo?
Guaca olhou para Dante, seu rosto marcado por uma tristeza que parecia ter raízes profundas, como uma cicatriz antiga que nunca cicatrizara por completo.
— Longa história, Capital — respondeu Guaca, sua voz grave e sombria, como o rugir distante de uma tempestade. — Longa história.
A reunião encerrou-se quando Miatamo seguiu Nekop pela porta lateral, rumo ao Rei. Sua expressão era sombria, os ombros tensos, como se carregasse um peso invisível. Guaca, vendo a curiosidade estampada no rosto de Dante, decidiu contar-lhe mais tarde, quando os dois estavam sozinhos, longe dos ouvidos curiosos.
— O Bastardo já foi o líder da Vanguarda — começou Guaca, sua voz baixa, quase um murmúrio. — Mas caiu em uma armadilha do Rei do Oeste. Ficou preso por meses, até que o resgatamos.
Dante franziu a testa, tentando entender.
— E então? O que aconteceu?
— Quando um navio apareceu na ilha onde ele estava preso, o Bastardo agradeceu aos marujos por sua bondade. Mas em uma semana, ele havia tomado o controle do navio. — Guaca fez uma pausa, respirando fundo, como se as palavras fossem pesadas demais para serem ditas. — Criar um motim e matar o capitão de um navio são duas das piores coisas que se pode fazer, especialmente quando são seus aliados.
— O capitão que ele matou era um amigo de vocês? — perguntou Dante, surpreso. — Por que ele faria algo assim?
Guaca balançou a cabeça, sua expressão carregada de mistério e desconfiança.
— Ainda não sabemos. Acredito que apenas o Rei sabe a verdade, mas ele nunca falou sobre isso. — Guaca cruzou os braços, seus olhos fixos em algum ponto distante. — O Bastardo não é apenas forte. Ele é inteligente. Participou de todas as lutas que o Rei Bulianto ordenou que ele enfrentasse. E não foram poucas.
— Então, por que ele pediu um lugar entre os Capitães da Frota? — perguntou Dante, confuso.
— Os Capitães da Frota são os comandantes dos três maiores navios do Rei. Um deles foi morto na semana passada, antes de você chegar ao nosso navio. Agora, o Bastardo quer essa vaga. — Guaca olhou para Dante, seus olhos carregados de uma mistura de desprezo e respeito. — Ele quer poder. E o Rei está disposto a dar-lhe uma chance de provar que merece.
Dante ficou em silêncio por um momento, processando as informações. A troca de posições não era algo estranho para ele. Na Capital, quando um oficial era morto ou promovido, uma vaga era aberta. Alguém era escolhido com base no tempo de serviço ou nas missões realizadas. Mas no mar, as coisas pareciam diferentes.
— No mar — continuou Guaca, como se lesse os pensamentos de Dante —, as batalhas não são apenas sobre sobrevivência. São sobre prestígio. Cada vitória, cada navio afundado, cada inimigo derrotado, tudo isso conta. O Bastardo sabe disso. Ele quer provar que é digno de comandar um dos grandes navios. E o Rei está disposto a testá-lo.
Dante assentiu, lentamente, começando a entender as complexidades da hierarquia no mar. Era um mundo brutal, onde a lealdade e a traição andavam de mãos dadas, e onde o prestígio era conquistado com sangue e astúcia.
— E Miatamo? — perguntou Dante, lembrando-se da expressão sombria do líder da Vanguarda. — Por que ele parece tão… incomodado com isso?
Guaca suspirou, seu rosto fechando-se como uma porta que se tranca.
— Miatamo e o Bastardo têm uma história. Uma história que não termina bem. — Guaca olhou para Dante, seus olhos carregados de uma advertência silenciosa. — Mas isso, Capital, é uma história para outro dia.
Dante observou Guaca se reunir com outros companheiros, erguendo o braço e chamando-os para mais uma conversa. O clima, no entanto, havia mudado por completo. O tal Bastardo deixara uma marca profunda, um rastro de desconfiança e rancor que pairou sobre todos como uma névoa espessa. Cada palavra trocada entre eles parecia carregada de um peso que Dante ainda não compreendia por completo.
Ao se afastar, Dante dirigiu-se ao seu quarto. O silêncio do pequeno espaço era quase reconfortante, mas não o suficiente para acalmar sua mente inquieta. Deitou-se na cama, seus olhos fixos na parede de madeira que balançava levemente com o movimento do navio. Ele estendeu a mão, tocando a superfície áspera. A madeira era firme, mas não tanto quanto ele gostaria. Seus dedos se fecharam em torno dela, apertando com força, como se quisesse esmagá-la. Mas nada aconteceu.
Moonlich o deixara fraco assim. Nem mesmo dobrar um pedaço de madeira ele conseguia com seu próprio poder agora. Quantas vezes ele havia treinado até conseguir enfrentar seu pai? Quantas surras levara até se tornar forte o suficiente para se opor a ele? E agora, aqui estava, longe de tudo e de todos, derrotado e perdido.
Ele precisava voltar para casa. Precisava se livrar daquela maldição que o consumia. Mas qual casa? Kappz ou a Capital? A pergunta ecoou em sua mente, seguida por outra ainda mais urgente:
— Como vou fazer para voltar? — sussurrou para si mesmo, sua voz quase perdida no som das ondas batendo contra o casco do navio.
A pergunta ficou pairando no ar, sem resposta. Dante fechou os olhos, sentindo o peso da incerteza e da distância. Ele não sabia o caminho de volta, mas sabia que precisava encontrá-lo. E, até lá, teria que sobreviver em um mundo que não era o seu, cercado por pessoas cujas lealdades e motivos ele mal começava a entender.
O ciclo para entender tudo ao seu redor novamente se iniciava. E era sincero consigo, estava cansado de sempre recomeçar.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.