Capítulo 628: Incubador
Nick flutuava rapidamente para longe da caravana.
Enquanto se afastava, continuava lançando olhares para a garota sentada na grande cadeira no topo da grande carroça.
Por um breve momento, os dois se encararam.
“Isso poderia ter dado muito errado”, pensou Nick.
Mais cedo, quando Nick entrou pelo grande portão entre a cidade e o exterior, sua habilidade quase imediatamente se desativou.
Nick parou por apenas um momento e recuou de volta para a ventilação.
Quase de imediato, percebeu quem o havia visto.
A garota na carroça tinha olhado em sua direção, e Nick retribuiu o olhar.
“Essa aí é pelo menos uma Herói Intermediária!” pensou Nick, preparando-se para uma fuga estressante.
No entanto, a mulher apenas sorriu de canto antes de se virar com uma graça deliberada.
Ela queria mostrar a Nick que estava fingindo não ter visto nada.
Nick decidiu seguir o fluxo e foi para debaixo da carroça.
Sua habilidade não se reativou.
Durante toda a visita pela cidade, Nick permaneceu dentro do campo de percepção da garota.
Provavelmente foi por isso também que ela comentou sobre a cidade algumas vezes enquanto falava com o jovem garoto.
Provavelmente queria que Nick ouvisse aquilo.
Nick não tinha certeza do motivo dela estar fazendo isso.
Aquela garota era 100% humana.
Definitivamente não era um Espectro.
Por que uma humana ajudaria um Espectro?
Durante um tempo, Nick ficou nervoso achando que ela queria apenas levá-lo para um lugar com mais Extratores, mas não parecia ser o caso.
Depois de se afastar da caravana e flutuar por um tempo, a habilidade de Nick finalmente se reativou.
“Por que ela está me ajudando?” pensou Nick. “Ou talvez ela na verdade não esteja ajudando… apenas não está interferindo?”
Naquele curto instante em que os dois se encararam, haviam trocado uma boa quantidade de informação.
Quando a mulher viu Nick parando imediatamente depois que ela o notou, percebeu que aquele Espectro tinha habilidades de percepção assustadoras.
Ela não conseguia dizer exatamente para onde a nuvem de névoa estava olhando, mas sentia como se estivesse sendo observada por ela.
O fato de a nuvem de névoa estar fazendo isso em vez de atacar ou fugir imediatamente indicava que era inteligente.
E isso era mais do que um pouco estranho.
A senhorita não tinha certeza se já havia visto um Espectro de Força inteligente.
Espectros de Força eram essencialmente forças da natureza, e essas geralmente não tinham inteligência.
Além disso, Espectros, mesmo os inteligentes, costumavam fugir imediatamente, já que permanecer parado significava se colocar em perigo desnecessário.
Mas aquele não fez isso, o que para ela não fazia sentido.
Claro, também havia Espectros que agiam de maneira ilógica. Afinal, muitos Espectros eram insanos e irracionais.
No entanto, aquele Espectro não parecia agir de forma insana.
Na verdade, se tivesse que colocar em palavras, diria que o comportamento daquele Espectro era bastante humano.
É claro que Nick sabia que a senhorita tinha percebido a maioria dessas coisas, mas isso não explicava por que ela decidira ajudá-lo.
No fim das contas, ele ainda era um Espectro.
Infelizmente, Nick não teria suas respostas.
Depois de se certificar de que não estava sendo seguido em segredo, decidiu observar a cidade.
Nick já tinha visitado mais de cem cidades em sua vida, e tinha visto desde as melhores até as piores.
Mas essa…
Essa provavelmente era uma das piores de todas.
“Os Dregs representavam cerca de 15% da Cidade Carmesim, enquanto aqui eles são mais de 80%”, pensou.
Nem mesmo ratos corriam por essa cidade, o que parecia quase irreal.
Afinal, quanto pior o estado do povo, maior a probabilidade de aparecimento de ratos, já que conseguiam consumir uma grande quantidade de cadáveres.
Pessoas famintas não tinham muita força.
“Mas não há ratos aqui. Na verdade, o número de insetos também é surpreendentemente pequeno”, pensou Nick.
Depois de um tempo, Nick viu o motivo.
“Eles estão comendo eles”, pensou, com as sobrancelhas franzidas.
Nick viu algumas pessoas retirando cuidadosamente uma placa de metal para revelar um barril cheio de água parada.
A água estava cheia de larvas de diversos insetos, e as pessoas rapidamente pegaram algumas delas antes de recolocar a placa.
Essa foi a ‘fazenda’ mais patética que Nick já tinha visto.
Até ver uma ainda pior um minuto depois.
Quando Nick viu o que vinha a seguir, até ele se sentiu mal.
Uma família de três pessoas.
Um pai, uma mãe e uma filha pequena.
Os dois pais eram magros, mas a filha estava relativamente saudável.
A menina comia um pequeno prato cheio de larvas gordas e contorcidas.
Seus pais a observavam com amor.
Por sorte, a filha não via a verdade sombria por trás daquelas larvas.
Sob a camisa frouxa do pai, larvas gordas se contorciam em sua carne.
As costas do pai já estavam cobertas de buracos, mas ele não se livrava das larvas.
As larvas que a filha comia vinham das costas do pai.
O pai cultivava aquelas larvas para ela.
Ainda assim, seus olhos estavam cheios apenas de amor e esperança ao olhar para a filha.
“Ele não vai durar muito tempo”, pensou Nick. “Provavelmente, eles vão esconder o corpo dele e colher as larvas que nascerem dele.”
Nick já havia encontrado uma situação parecida em outra casa.
Parecia que a mãe daquela família não abrigava larvas enquanto estava viva, mas agora carregava muitas.
Mas, em comparação com a primeira casa, não era a criança que comia a maior parte, e sim o pai.
Nem todos valorizavam a vida de seus filhos acima da própria.
“Para algumas pessoas, os filhos são uma rede de segurança”, Nick percebeu, com os olhos semicerrados. “Eles podem investir neles enquanto têm comida sobrando, mas, se algum dia precisarem desesperadamente de alimento…”
Era horrendo.
Essa cidade era absolutamente repugnante.
No entanto, Nick não sentia nojo dos pobres, e sim da elite.
A elite era a responsável por causar um estado tão insano como aquele.
“Enquanto isso…”, pensou Nick, olhando para as grandes cavernas ao redor da cidade.
Viu mais de cem pessoas mastigando seus bastões de chocolate.
“Eles só continuam comendo e comendo.”
Ding.
Nick percebeu que um dos Extratores havia deixado cair um bastão de chocolate enquanto caminhava pela cidade.
O Extrator olhou para o bastão caído.
Por um instante, pareceu hesitar.
No fim, suspirou e seguiu andando.
Ele realmente adorava aqueles bastões de chocolate, mas não queria comer um que tivesse tocado o chão.
As pessoas pobres ao redor notaram o bastão de chocolate caído.
E então, algo chocante aconteceu.
Nenhuma delas tentou pegá-lo.
Ele ficou simplesmente ali, no chão.
As pessoas estavam obviamente famintas, mas continuaram ignorando o bastão de chocolate.
Depois de vários minutos, um garoto saiu das sombras.
Olhou ao redor com cuidado antes de se aproximar do bastão de chocolate.
A maioria das pessoas o ignorou.
O garoto pegou o bastão de chocolate e o observou, admirado.
Aquilo era comida?
— Não coma isso — disse um homem mais velho sentado ao lado.
— Hã? — perguntou o garoto, virando-se para o homem.
Alguns dos observadores lançaram olhares sujos para o homem.
Por que esse sujeito não cuidava da própria vida?!
— Por quê? — perguntou o garoto.
— Isso não vai saciar sua fome — disse o homem.
— Não tem energia.
— Ele só quer fazer você comer mais.
— Ele quer que você coma e coma e coma. Quer que você fique cada vez mais faminto.
— Se comer isso, ficará sob o feitiço dele, e um dia estará disposto a trocar sua vida por só mais um pedaço.
— Não coma.
O garoto olhou para o homem com horror e medo.
Depois, olhou novamente para o pedaço de chocolate em sua mão.
— Não! Você está mentindo! — gritou o garoto, segurando o chocolate contra o peito. — Você só quer que eu te dê ele!
Sem esperar por uma resposta, o garoto saiu correndo com o chocolate.
O homem não olhou para o garoto.
Estava fraco demais para se importar.
Alguns dos observadores acompanharam o garoto com o olhar à distância.
Um deles puxou lentamente três pedaços de chocolate velho e os deixou prontos.
Jamais comeriam esses pedaços.
No entanto, às vezes, esses pedaços podiam ser trocados por um incubador de larvas.
Nick viu o garoto comer o chocolate.
Depois de um tempo, o garoto parecia ficar mais nervoso.
Começou a comer o chocolate cada vez mais rápido, e em menos de um minuto, tudo já tinha desaparecido.
Em seguida, o garoto caiu no chão e segurou o estômago.
A saliva se acumulava na boca, e ele começou a babar.
Olhou ao redor, horrorizado, antes de sair correndo.
Ninguém o seguiu.
Não era necessário.
Em apenas alguns dias, o garoto estaria correndo por aí em pânico, pedindo a todos um pedaço de chocolate.
A fome o deixaria desesperado.
E então, poderiam pedir o que quisessem.
Porque, naquele ponto, o desejo pelo chocolate seria pior do que a dor e o horror de se tornar um incubador de larvas.
O garoto correria desesperado, arrancando as larvas da própria carne para trocá-las por apenas um pedacinho de chocolate.
Essa não era a primeira vez que isso acontecia, e não seria a última.
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