Capítulo 25: Eu só precisava desse motivo
Ônix olhou para trás, fitando seu irmão observando-o com o olhar marejado. Seu corpo tremia, e seus braços pareciam estar encharcados por algo quente e grudento.
Seus suspiros saíam desajeitados da boca, e um suor frio escorria do rosto. Sentiu algo tocar sua barriga, como se alguém tentasse atravessá-lo.
Virou-se de imediato, arregalando os olhos ao ver o cadáver do globin no chão. A poça de sangue o envolvia. Uma sombra emergiu, atravessando o abdômen de Ônix pouco a pouco.
Ônix saltou para trás em um grito, observando seus arredores. Tudo o que ele pôde ver era sangue. Nas paredes, no teto, no chão, em seu rosto e, até mesmo, em suas mãos.
Ele tocou seu rosto, sentindo-o grudento. O cheiro metálico do sangue consumiu suas narinas. Seus lábios tremiam juntamente com os olhos. Gemidos roucos martelavam em sua mente e, de pouco a pouco, aumentavam de tom.
Evoluíram de algo rouco para um sussurro, e de um sussurro não demorou muito para se transformarem em gritos. Alguns o xingavam, outros questionavam sua ação, enquanto poucos apenas berravam sem pausa.
Sua mente havia se tornado seu próprio inferno. Sua cabeça parecia prestes a explodir a qualquer momento. Em uma tentativa desesperada de calá-los, tampou seus ouvidos, gritando o mais alto que podia.
Paz. Uma única palavra, mas era tudo o que ele queria. De repente, caiu no chão sem forças, como se algo tivesse sugado toda sua vitalidade. Saito tentou aproximar-se, mas, em seu primeiro passo, um sistema escuro surgiu à sua frente.
Nesse momento, S1 apareceu. Seus olhos afiados fitavam o sistema que havia surgido sem sua permissão. Saito sentiu seus ombros pesarem, como se tivessem colocado montanhas em suas costas.
S1
O que está fazendo aqui, S2?
A voz ecoou como um coral gentil e arcaico, mas seu tom não era nem um pouco pacífico. S2 encarava-o com desprezo no olhar, respondendo-o em seguida:
S2
Ele vai morrer, seu idiota. Acha que ele vai simplesmente se levantar e seguir em frente? Deixe-me agir dessa vez para consertar seu erro estúpido antes que seja tarde demais. Garanto que em um minuto dou a motivação que ele precisa.
S1
Um minuto? Como pode ter tanta…
Interrompendo sua fala, chamas explodiram em frente ao sistema. Ele não se feriu, na verdade, nem foi atingido, mas ainda assim olhou para Saito com desdém. O mesmo encarava-o com desgosto, com chamas vazando de seu braço direito.
— Cala a boca. É você, não é? O lixo que anda enchendo o saco do meu irmão. Acha isso divertido, filho da puta? Agora que ele obviamente está quebrado, aparece você, com essa cara de derrota sem saber o que fazer. Some daqui, deixe o problema na mão de quem sabe resolver.
S1
Hã…?
Sangue começou a jorrar dos ouvidos e narinas de Saito. Suas veias saltavam do rosto. A pressão cósmica do sistema parecia esmagá-lo, mas isso não era mais importante. Mesmo que uma divindade descesse, Saito manteria a mesma postura.
S2
Sai daqui, S1. Sabe que se ultrapassar o limite vai ser penalizado por Ele. Vou resolver seu problema, então some logo daqui.
S1 viu-se encurralado pela primeira vez em tempos. Nem mesmo o vento estaria ao seu lado nesse momento. Sabendo que não havia mais nada a ser feito, mordeu o lábio em fúria, desaparecendo logo após.
Ônix encontrava-se caído no chão. Sua visão estava escura, e seu corpo parecia se quebrar pouco a pouco. Sua respiração era rouca, como se estivesse prestes a morrer.
S2 olhava-o preocupada. A tristeza em seus olhos entregava seus pensamentos ocultos. Saito segurou as lágrimas ao olhar para seu irmão perdido no chão. Sentiu seu coração apertar, quase explodindo.
“E se eu tivesse vindo sozinho? Foi tudo minha culpa, não foi, Ônix?”
Começou a se perder em seus devaneios. Os olhos fixaram-se no vazio enquanto a culpa consumia seu peito. A cansada voz de S2 o fez voltar a si:
S2
Não é sua culpa… Não é culpa de ninguém. Ele estava destinado a isso no momento em que reviveu. Todas as almas bondosas são postas em provações; sempre foi assim…
Saito abriu a boca, prestes a falar algo, mas interrompeu-se ao ver o rosto apertado de S2. Ela quase chorava. Seus lábios franzidos seguravam seu choro, mas, pouco depois, ela respirou fundo.
Partículas prateadas começaram a aglomerar-se como redemoinho entre Ônix e S2. A brisa do vento tornou-se confortável, abraçando todos os presentes. Um cheiro doce pairou no ar, disfarçando o inferno que havia ali. Ônix sentiu seu coração palpitar e os olhos se abrirem, como se conhecesse o que estava por vir.
Com muito esforço, ajoelhou-se, mas seus olhos ainda estavam fixos no chão. O redemoinho se desfez, e algumas penas flutuavam no ar. Celeste foi invocada.
Saito a observava com os olhos arregalados, questionando-se como ela havia chegado lá. S2 começou a arfar, com um pouco de suor escorrendo em sua interface.
S2
Desculpe, Celeste… Meu poder atual não me permite manter nós duas aqui por muito tempo…
Os olhos de Ônix arregalaram-se ligeiramente ao ouvir o nome de sua amada. Sua mente ainda estava confusa; não sabia mais se estava sonhando, mas, ainda assim, murmurou:
— Ce… Leste…?
Celeste observava-o com lágrimas escorrendo de sua face. Ela ajoelhou-se, abraçando Ônix com todo o carinho que tinha. Sua presença o curava lentamente. Seu corpo foi coberto por calor e aconchego.
— Eu estou aqui, amor… Me desculpe, tá? Não ter aparecido por tanto tempo… Eu não podia vir aqui; tentei todos os dias, todas as noites, em todos os momentos, mas não consegui…
Ela soluçava em lágrimas, sabendo que esse momento não duraria muito. Os olhos de Ônix lacrimejavam; abraçou sua amada, confortando-se em seus ombros.
— Ah… Eu estou tão… quebrado, Celeste… Algo em mim mudou… Eu não me sinto… mais o mesmo. Eu estava com tanta saudade… Isso não vai durar muito tempo, né…?
As lágrimas de Celeste não a permitiram responder, mas Ônix sabia a resposta. Foi então que ele finalmente entendeu: sua existência nesse mundo só serve para testes. Até onde consegue ir? Quanto consegue avançar? Sua vida existia apenas para responder essas perguntas.
Saito fechou os olhos, mas as lágrimas não se importavam com barreiras. S2 também chorou, mas sabia que ele não nasceu só para sofrer. No fim das contas, sua recompensa chegaria, e a presença de sua esposa agora, mesmo que por um momento, também fazia parte.
S2
Ônix… Você só está limitado agora. No final de tudo, a paz que deveria ser sua desde o começo será dada. Eu queria te entregar tudo agora, mas o mundo não me permite. É muito difícil, mas… Continue avançando. Tudo vai valer a pena.
Ônix não conseguia ouvir com clareza, mas entendeu a mensagem. Ainda estava relutante: “Mais…? Não posso descansar agora…?”, mas, no fundo do coração, sabia que tudo o que acontecia eram apenas provações.
Celeste começou a se desfazer junto de S2. Suas lágrimas intensificaram-se. Ela queria permanecer ali, abraçando seu amado para sempre, mas isso não estava ao seu alcance.
— Me desculpe, amor… Eu queria ficar mais, mas nem isso eu posso…
Abraçou Ônix com toda a força que tinha, negando-se a se separar dele, mas o mundo não era gentil o suficiente para permitir. Ônix, ainda com os olhos tristes, apertou suavemente o queixo de Celeste, beijando-a em seguida.
— Tá tudo bem, amor… Eu só precisava… desse motivo…
Celeste olhava-o abalada, flutuando junto às faíscas prateadas que eram levadas pelo vento. Ônix fitava sua partida, sem tirar os olhos dali até que ela desaparecesse completamente.
Próximo capítulo: Levantou-se, mas cairá.
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