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    — O maior igualador da vida é a morte. Se for possível enganar a morte, a igualdade e a justiça serão destruídas, e toda ética, moral, bom senso e leis cairão em desordem.


    O som de dois tapas altos ecoou, e um jovem abriu os olhos, deparando-se com o rosto de uma mulher de meia-idade, seguido pela voz impaciente dela.

    — Ei, você ainda lembra seu próprio nome?

    — Meu nome?

    O jovem examinou os arredores com uma expressão atordoada. Estava em uma sala subterrânea enorme, deitado sobre uma máquina de aparência estranha. Havia um capacete redondo acima de sua cabeça, e uma série de policiais mecânicos uniformizados patrulhava a área ao redor enquanto coletava evidências.

    A máquina sobre sua cabeça era conhecida como trocador de personalidade, enquanto os robôs na sala eram chamados de policiais mecânicos. Esse tipo de conhecimento geral ainda estava presente em sua mente, mas o resto era um completo vazio, inclusive seu próprio nome.

    Após refletir intensamente por um bom tempo, o jovem balançou a cabeça em resposta.

    — Não sei.

    — Parece que sua personalidade foi completamente apagada, mas por precaução, ainda preciso verificar por conta própria.

    A mulher de vermelho à sua frente pousou um dedo em sua testa enquanto falava, e o jovem imediatamente sentiu a visão escurecer ao ser tomado por uma forte tontura. Quando sua visão voltou, ele se viu em um mundo branco e imaculado.

    Era um mundo praticamente desprovido de qualquer coisa. Como um documento de texto que tivesse sido apagado ou uma folha de papel completamente limpa.

    — Parece que você é um verdadeiro quadro em branco. O fato de ter sido apagado tão completamente indica que o transferidor deve ter gasto uma boa fortuna. Mas o que é isso?

    A voz da mulher de vermelho soou atrás do jovem, e ele se virou para vê-la inspecionando alguns vasos de flores no chão com uma expressão curiosa.

    Num mundo tão limpo quanto aquele, os vasos realmente chamavam atenção.

    Contudo, mesmo após uma longa análise, a mulher não encontrou nada de especial nos vasos e desistiu daquilo.

    — ADAM-77 é o número de código desta operação, e o objetivo da força policial mecânica nesta operação era resgatar você. Já que você não tem nome, vou chamá-lo de Adam por enquanto. Sou uma inspetora psíquica delegada trabalhando para a Guarda Mecânica, pode me chamar de May. Se encontro um quadro em branco, sou obrigada a explicar seu estado físico e psicológico atual. Está entendendo o que estou dizendo?

    — Sim — respondeu Adam com um aceno de cabeça. Ele ainda se lembrava de tudo que se enquadrava como conhecimento geral.

    — Certo. Primeiramente, em seu estado atual, você é o que chamamos de quadro em branco, um adaptador cuja personalidade foi completamente apagada, e é por isso que você não tem memórias nem lembra do próprio nome. Você ficou assim porque alguém o comprou por meios ilícitos com a intenção de baixar uma personalidade no seu corpo.

    — Minha personalidade foi completamente apagada? Quem fez isso?

    Ao ouvir aquilo, Adam sentiu uma emoção pela primeira vez — e essa emoção foi raiva. À medida que ela crescia em seu peito, uma pequena aberração surgiu repentinamente naquele mundo imaculado.

    A aberração parecia uma pintura em tinta, e assim que nasceu, começou a exibir os dentes para tudo ao redor, com uma postura extremamente volátil. Felizmente, não era muito grande nem possuía capacidade destrutiva relevante, mesmo em sua fúria, era inofensiva como um chihuahua.

    — Quem fez isso? Não sei, e estamos investigando. Pode ter sido um idoso, alguém com uma doença terminal, ou um criminoso que precisava de outra identidade para evitar a prisão. De qualquer forma, teve que ser alguém muito rico! Afinal, os corpos de adaptadores são muito caros, assim como a tecnologia de formatação de personalidade, e esses não são custos que uma pessoa comum pode bancar. — May deu de ombros ao falar, e continuou: — Certo, agora que confirmamos que não há outras personalidades no seu mundo psíquico e cumpri meu dever de lhe explicar tudo, minha missão acabou. Adeus!

    Em seguida, Adam foi atingido por outra onda de tontura e voltou da estéril realidade psíquica ao mundo real.

    Dois a três minutos haviam se passado naquele mundo psíquico, mas parecia que apenas um ou dois segundos haviam se passado na realidade. A imagem atual se conectava perfeitamente com sua memória, e os policiais mecânicos ainda estavam vasculhando o local.

    Pouco depois, os policiais se retiraram um por um, e então May estendeu um convite a Adam.

    — Os oficiais da Guarda Mecânica são executores da justiça, mas não são funcionários públicos. Então, depois de salvá-lo, eles vão deixá-lo por conta própria. No entanto, eu posso ajudá-lo pessoalmente. Gostaria de vir comigo?

    — …

    — Você não tem dinheiro agora, o que significa que nem vai conseguir se alimentar. Gostaria de vir comigo?

    — Não.

    Adam balançou a cabeça em resposta. Devido à natureza especial de sua identidade como um quadro em branco, ele estava repleto de cautela em relação a tudo ao seu redor.

    — Ok.

    May não tentou persuadi-lo mais e partiu junto com o último policial mecânico.

    Após a saída deles, Adam encontrou alguns trapos na câmara subterrânea para cobrir o próprio corpo e também subiu pela escadaria. A escada era bastante longa e, quanto mais subia, mais o ar se tornava fétido. A saída no final dava para os esgotos e, assim, Adam emergiu da tampa de bueiro com o corpo inteiro coberto de sujeira.

    Whoosh…

    No instante em que chegou à superfície, foi imediatamente atacado pela cacofonia de sons e luzes de diferentes cores ao seu redor. Havia também uma projeção 3D gigante acima dele, que o deixou momentaneamente atordoado.

    — Sai da frente, moleque! — Antes mesmo que Adam recobrasse os sentidos, foi empurrado ao chão por uma mão grande. A mão era muito forte e parecia extremamente rígida, como ferro e aço.

    No momento em que estava prestes a se virar para ver quem o havia empurrado, o cheiro de comida surgiu no ar. Havia um restaurante à sua frente, e o aroma vindo de dentro fez seu estômago se contorcer de fome.

    — …

    — Heh, tá com fome, garotinho?

    — Hmm?

    Adam se virou e viu um mendigo desgrenhado. Parecia ser bastante velho e possuía um par de sobrancelhas longas, o que lhe dava uma aparência muito benevolente.

    — Espera aí, consegui uns trocados hoje. — O mendigo entrou no restaurante, pediu uma porção de chow mein1 e uma bebida e os entregou a Adam. — Manda ver.

    Diante da tentação da comida, Adam não recusou e imediatamente começou a devorar a refeição.

    — Se continuar vestido assim, vai chamar muita atenção, garoto. Essas ruas não são seguras.

    Antes de falar, o velho cobriu Adam com seu próprio casaco esfarrapado, depois se afastou mancando.

    Adam hesitou por um momento antes de segui-lo.

    Já era noite, e nenhum dos dois disse uma palavra enquanto atravessavam várias ruas iluminadas por luzes de néon. Chegaram a uma área escura, uma passagem subterrânea abandonada, e a área ao redor estava coberta de pichações e braseiros, indicando que aquele era um ponto de encontro de moradores de rua.

    — Fique sempre atento e mantenha uma expressão fria. Não conte seu passado a ninguém — não tem ninguém bom aqui. Me siga…

    — Certo.

    — Yo, qual é, Cachorro Velho?

    Enquanto passavam pela multidão, vários mendigos cumprimentaram o velho, mas a maioria estava deitada no chão em estado de embriaguez. Cada um tinha um dispositivo eletrônico ao lado, e estavam desfrutando de belos sonhos enquanto murmuravam durante o sono.

    Era um tipo de droga psicológica conhecida como ‘Paraíso’.

    Lá dentro, era possível conquistar tudo o que se desejava, mas o preço era um esgotamento psicológico excessivo, atrofia dos neurônios do cérebro e a incapacidade de voltar a aceitar a realidade.

    Para quem já havia usado o Paraíso, o mundo real era um inferno.

    Essas informações gerais passaram pela mente de Adam enquanto ele encontrava um braseiro sem ninguém por perto e se sentava ao lado dele, recostando-se na parede da passagem.

    Ainda observava os arredores com cautela, mas estava extremamente cansado, talvez pelo fato de seu corpo ter despertado há pouco tempo. Suas pálpebras estavam pesadas demais, e por fim, adormeceu momentos depois.

    Após um período indeterminado, ele ouviu o som de uma conversa enquanto estava meio adormecido.

    — …Tô te dizendo, Chefe, esse cara com certeza não é um vagabundo. Os músculos e o cérebro dele não atrofiaram, e os órgãos internos também devem estar saudáveis. Olha a cor da pele! Vai render um bom valor!

    — Hmm?

    Aqueles que são cautelosos e alertas jamais caem em sono profundo, e ao ouvir essa conversa, Adam abriu os olhos imediatamente, vendo Cachorro Velho e vários brutamontes se aproximando pelo outro lado da passagem.

    1. Chow mein é um prato chinês feito com macarrão frito, legumes e carne ou frango, temperado com molho de soja.[]
    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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