Capítulo 20: Os Espinhos da Rosa.
O chão respondeu antes de qualquer um de nós. As folhas ao nosso redor secaram de forma repentina, estalando ao se tornarem rígidas e espinhosas. Raízes emergiram do solo, pulsando com uma energia escura, venenosa. O cheiro da terra mudou: antes úmido e natural, agora carregado de algo agressivo, quase cortante.
O bandido recuou, seus olhos arregalados pelo pavor.
— Não… Não pode ser…
Selene soltou um pequeno riso, os olhos brilhando com fascínio.
— Bem, parece que vocês realmente despertaram algo agora.
Eu ainda sentia o arrepio percorrendo minha pele quando a garota avançou. Seus passos eram firmes, carregados de uma confiança que me fez hesitar. Ela parecia uma pessoa completamente diferente de antes, não apenas pela mudança na cor do cabelo, mas pelo olhar afiado e cruel que agora exibia. Eu mal conseguia desviar os olhos dela enquanto o bandido tropeçava para trás, tentando recarregar a besta desesperadamente.
Selene ainda enfrentava o outro, desviando de seus golpes com movimentos ágeis e precisos. O homem robusto grunhiu, tentando agarrá-la, mas foi surpreendido quando ela se abaixou e o derrubou com um golpe certeiro. O som de seu corpo atingindo uma árvore ressoou pela clareira antes que ele desabasse no chão, imóvel.
Foi nesse instante que o pânico tomou conta do homem.
— Ei! Preciso de ajuda aqui! — Ele gritou, sua voz carregava um desespero evidente.
Selene, que acabara de se erguer após nocautear o mais robusto, olhou para ele com um sorriso de desdém, cruzando os braços.
— Ah… parece que seu amigo não está disponível no momento…
Antes que ele pudesse reagir, a garota já estava sobre ele.
— É em mim que sua atenção deveria estar, verme.
Sua voz veio carregada de veneno, e antes que o homem pudesse dar outro passo para trás, as raízes negras que emergiram do solo, torceram-se como serpentes. Elas avançaram contra ele, e ele soltou um grito de terror enquanto espinhos afiados se erguiam, prontos para perfurar sua pele.
Meu coração martelava. Aquilo era, de certa forma, assustador. Eu havia libertado essa garota…, mas será que havia feito a coisa certa? O jeito como ela se movia, como sua magia respondia à sua raiva, era diferente de tudo que eu já havia visto. Eu queria confiar nela… queria acreditar que eu não havia cometido um erro, mas a brutalidade com que ela atacava me fazia sentir um frio no estômago.
Enquanto as raízes espinhosas se apertavam ao redor do homem, ele começou a se debater, tentando escapar. A garota ergueu uma das mãos e, em um instante, o ar ao redor se tornou pesado. Uma névoa roxa e densa começou a se espalhar, carregando um cheiro amargo e sufocante. O homem tossiu violentamente, seus olhos arregalados de puro terror.
Eu deveria fazer algo? Intervir? Mas minhas pernas pareciam travadas, e tudo o que consegui foi assistir enquanto o destino do bandido pendia nas mãos daquela garota… ou seja lá no que ela havia se transformado.
O olhar dela queimava de fúria e algo me dizia que, se ninguém fizesse nada, ela não pararia até que aquele homem estivesse morto.
— Já acabou! — minha voz saiu mais firme do que eu esperava enquanto me adiantei um passo.
Os olhos dela se voltaram para mim, estreitos e avaliadores. O bandido tentou se aproveitar da distração para correr, mas espinhos brotaram do chão, se entrelaçando ao redor de seus tornozelos e o forçando a cair de joelhos. Ele arfou, o medo transbordando em seu rosto.
— Ele ia me matar — ela murmurou, virando-se de novo para ele. — Mas olha só como as coisas mudam. Quem está no preso agora?
— Isso não significa que você tem que ser como ele — insisti, tentando ignorar o arrepio que subia pela minha nuca. — Você já venceu.
Ela inclinou a cabeça levemente, como se considerasse minhas palavras, mas o brilho nos olhos dela me dizia que ainda não estava convencida.
— E por que eu deveria me importar? — sua voz saiu carregada de ironia. — Ele me chamou de monstro. Agora, vou mostrar a ele o que um monstro pode fazer.
Eu estava prestes a dizer algo mais quando percebi Selene parada a poucos metros de nós, os braços cruzados, observando tudo com um olhar afiado. Seus olhos encontraram os meus por um breve momento, avaliando minha reação antes de dar um pequeno aceno, indicando que não interviria. Pelo menos não ainda.
Respirei fundo.
— Você realmente quer que isso seja a única coisa que te define? — perguntei, tentando encontrar seus olhos por trás daquela raiva. — Eu não te conheço, mas imagino que você não quer ser reduzida a isso.
Houve um instante de silêncio. A expressão dela tremeu, quase imperceptivelmente. Por um momento, achei que tivesse conseguido. Mas então, ela riu. Um som seco, cínico.
— É, você não me conhece… e ainda assim você acha que entende alguma coisa sobre mim?
Mas eu vi. Vi o momento em que suas mãos hesitaram. A forma como seus ombros, antes tensos, afrouxaram levemente. Alguma coisa dentro dela estava em conflito.
Isso significava que ainda havia uma chance.
— Eu não acho que entendo tudo sobre você — continuei… mantendo um tom firme. — Mas sei que se você é uma pessoa que consegue ser amiga de seres como os Homúnculos da Floresta, não deve ser uma pessoa má.
Ela apertou os lábios, seus olhos analisando os meus como se procurassem um motivo para ignorar o que eu dizia. O bandido sob seus espinhos soltou um gemido baixo de dor, e a garota abaixou o olhar para ele. Seu sorriso vacilou.
Mas então, como se percebesse a própria hesitação, seus dedos se fecharam em punhos, e a raiva voltou a brilhar em seu rosto.
— Eles fariam isso comigo sem pensar duas vezes — sua voz soou mais baixa, mas ainda carregada de veneno. — Pessoas como ele não merecem piedade.
— Não é fraqueza poupar alguém que já está derrotado — rebati. — Fraqueza é se perder no que eles fizeram com você.
Ela abriu a boca para responder, mas não disse nada. Seus olhos se arregalaram por um breve instante antes de ela desviar o olhar. O silêncio que se seguiu foi sufocante.
— Talvez eu tenha exagerado quando fui atacada por aqueles bêbados nojentos… mas em uma situação como aquela era eles ou eu…
Então, como se algo dentro dela finalmente cedesse, os espinhos ao redor começaram a recuar. Aos poucos, a vegetação antes hostil foi se revigorando, perdendo aquele brilho venenoso. O homem caiu no chão, tremendo, mas sem coragem de se mover.
A garota ficou parada, olhando para as próprias mãos. Sua respiração estava irregular, como se, pela primeira vez, ela estivesse notando o que tinha feito.
— O que…? — ela murmurou, sua voz soando diferente. Menos agressiva. Mais perdida.
O tom esverdeado voltou a emergir em seu cabelo, como folhas recuperando a cor após um período seco. Seu olhar ficou vago, e ela cambaleou levemente para trás, parecendo confusa.
Foi quando Selene decidiu falar.
— Bem, isso acabou de uma forma inesperada… o que é você?
A garota piscou, voltando os olhos para nós. Sua postura, antes confiante e provocadora, agora parecia mais frágil. Seus dedos tremiam levemente, como se ela não conseguisse compreender totalmente o que acabou de acontecer.
— O que sou eu?…
Eu não sabia exatamente o que estava havendo com ela, mas uma coisa era certa: ela possuía duas cores… uma dicromática…
O silêncio se prolongou até Selene dar de ombros.
— Bem, não pretendo te interrogar ou algo do tipo, já resolvemos essa situação, eu acho. Vamos nessa, Ashley.
Assenti, sentindo um cansaço inesperado pesar sobre mim. Eu queria sair dali. Aquele lugar já tinha revelado coisas demais.
Demos alguns passos, deixando a garota para trás.
— Ei.
Sua voz nos fez parar. Quando olhei para trás, ela já estava nos seguindo, passos leves e firmes, sem qualquer hesitação.
— Para onde vocês estão indo?
Troquei um olhar com Selene, que arqueou uma sobrancelha.
— Para bem longe daqui.
A garota sorriu de leve.
— Ótimo. É o mesmo lado para onde estou indo.
— É mesmo? — Selene cruzou os braços, estudando-a com interesse.
— Sim. — Ela respondeu, sem titubear. — Meu nome é Rose Hemlock.
O nome ecoou por um instante no ar. “Hemlock”. Algo nele parecia… apropriado.
Suspirei, sentindo que aquilo ainda ia nos trazer problemas.
— Ashley Silvermoon. — Disse apesar do receio.
— Selene Emberfell. — Apresentou-se sem cerimônia.
Rose sorriu de novo, como se aquilo tivesse selado algo secretamente.
O vento soprou entre as árvores, carregando o cheiro da terra renovada. O sol da tarde iluminava a trilha adiante, um caminho desconhecido, mas agora, aparentemente, teríamos mais uma companhia.
E por algum motivo, eu sentia que nossa jornada estava prestes a se tornar ainda mais complicada.
Fim do Capítulo 20 – Os Espinhos da Rosa.
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